A pessoa com deficiência tem que ser incluída sob a perspectiva de um modelo social de direitos humanos e de potencialidades. Nesse sentido, as estratégias de ensino, tanto para geografia quanto para qualquer disciplina, devem ser pensadas e desenvolvidas a partir de vivências coletivas para aplicação concreta no cotidiano. Com suas lições sempre muito humanizadas, Marta Gil nos ensina que “a educação deve preparar para a vida; ela não é um fim em si mesma. Ninguém fica a vida toda na escola. Assim, é indispensável que ela prepare para o mundo do trabalho, desenvolvendo o potencial de crianças e jovens”.
A diferença como valor
O aprendizado ocorre por múltiplos caminhos. Não há uma “receita” para uma estratégia adequada. De acordo com a análise de Maria Teresa Eglér Mantoan, “um ensino qualificado do ponto de vista pedagógico é aquele que, no mínimo, atende às necessidades, interesses e capacidades de todos, sem discriminações, categorizações ou exclusões. Assim, a garantia do acesso à escola comum é necessária, mas insuficiente para que a educação inclusiva se efetive. Todo o processo educacional deve considerar a singularidade dos estudantes em sua natureza mutante”.
Não existe método único que viabilize o aprendizado e somente o acesso ao sistema de ensino não dá conta das necessidades de um aluno com deficiência matriculado na escola regular sem que haja o devido cuidado pedagógico. Buscando sua permanência, o professor de geografia pode pautar a prática de sala de aula em recursos de assimilação mais concretos e cotidianos, conexos às vivências da criança ou adolescente. Afinal, vivemos sinestesias e trazê-las para o ambiente escolar significa gerar motivação, adequação às vivências práticas e potencialização das capacidades.
Paulo Freire nos ensinou que “educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante” e Jean Piaget apontava: “da experiência nasce o conhecimento”. Lev Vygotsky esclareceu a necessidade de sentido para a consolidação do aprender. Howard Gardner, pautado no conceito de múltiplas inteligências, postulava que devemos “considerar a pessoa inteira” e, também, “respeitar as potencialidades, valorizando as diferentes habilidades”. Já Nylse Helena Silva Cunha nos mostrou a importância da brincadeira na melhoria do processo cognitivo.
Nesse sentido, diante de tantas lições consolidadas, podemos afirmar que a educação inclusiva de qualidade pode consolidar um caminho de construções pedagógicas mais atrativas para todos. Para além, ela atribui diversidade ao ambiente, o que garante o desenvolvimento humano por meio do ensinamento prático do respeito, da solidariedade e da cidadania. O convívio diário em coletividade provoca a ruptura de barreiras atitudinais.
A diferença como direito
Legalmente, a Constituição federal garante a educação como “direito de todos para o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Consagra como princípio a “igualdade de condições para acesso e permanência na escola” e acrescenta que o “efetivo acesso aos níveis mais elevados do ensino deverá obedecer a capacidade de cada um”.
Nesse sentido, a Lei brasileira de inclusão (LBI) determina as condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, assim como a obrigatoriedade na “geração de qualquer adaptação razoável para atender a características dos estudantes com deficiência e garantir seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia”. E, inequivocamente, veda a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento das determinações previstas.
A mesma lei ainda garante a “adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino”.
Estratégias para o ensino de geografia
A pluralidade, quando voltada para educação, favorece e promove o crescimento educacional coletivo. Conforme diz Adiron Strigidae: “o ensino na diversidade é aquele que, eventualmente, pode atender pessoas com deficiência, mas só será realmente inclusivo se for em benefícios de todos”.
Como, então, consolidar os valores pedagógicos e jurídicos no ensino de geografia? A partir da aproximação entre o conteúdo e a vivência prática cotidiana, para que o conceito perca em força abstrata e ganhe em concretude. Como exemplo de estratégias, o professor pode:
- Criar globos terrestres, para serem sentidos pelo tato, por meio da utilização de isopor e massinhas de modelar que possibilitem dar forma concreta ao planeta.
- Apresentar as classificações geológicas de outras maneiras além do plano bidimensional. Elas podem ser, por exemplo, um saboroso bolo, no qual as cores representam as camadas dos solos e pode ser produzido com ingredientes tradicionais em conjunto com o uso de corantes. Os movimentos tectônicos e as fases da lua também podem ser “saboreados” ao utilizarmos biscoitos recheados simulando a lua e suas fases.
- Dar forma, cor e materialidade a divisões regionais e físicas do Brasil e do mundo. Mapas e maquetes podem ser construídos em brincadeiras de colagem e sobreposição para serem sentidas com as mãos. O uso de massa de modelar permite demonstrar diferentes níveis de alturas, por exemplo. Com isso, os estudantes percebem bacias sedimentares, montanhas, planaltos, planícies e depressões de forma tátil, sentindo as variações de altura entre essas formas de relevo através das massinhas de moldar.
- Tornar as pirâmides etário-sexuais tão interessantes quanto estruturas criadas com blocos de montar e possibilitar a percepção tátil do aumento ou redução da base, corpo ou topo. Além disso, pode facilitar o aprendizado de conceitos como transição demográfica quando o aluno tiver que trocar as peças dessas partes da pirâmide conforme a evolução demográfica.
- Representar e associar formas de relevo com outros elementos do mundo natural, criando diálogos e relações entre saberes de forma sinestésica. Ao utilizar a ponta dos dedos em embalagens plásticas preenchidas com argila e pintadas com tintas ásperas (que possam também ser sentidas) para saber o que é uma baía ou uma ilha, os alunos fixaram de forma concreta o conteúdo.
- Usar recursos tecnológicos como jogos virtuais para estudar temas urbanos como favelas e gentrificações ou estrutura sanitária e mobilidade urbana. O jogo SimCity, por exemplo, é uma boa ferramenta com a qual os estudantes poderão vivenciar esses conceitos e até aprender sobre a gestão de recursos públicos. Para alguns jogos pode ser necessário a utilização de recursos de tecnologia assistiva como ledores de tela e outros, mas também existem jogos acessíveis para uso amplo e democrático.
Gonzalo Lopez é delegado da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ), colaborador do Coletivo de Advogados para Direitos da Pessoa com Deficiência e diretor de escola privada. Tem experiência de 15 anos como professor de geografia e atualidades.
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