São muitos os desafios encontrados no processo de implantação da política de educação inclusiva no Brasil, mas a falta de preparo das professoras e professores ganha destaque. Com a entrada de pessoas com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades/superdotação nas escolas comuns, muitos docentes passaram a se sentir confusos, despreparados e incapazes para acolher esses estudantes e, sobretudo, para trabalhar com propostas que atendessem às necessidades, expectativas e demandas próprias de cada um. O reconhecimento de dificuldades na formação docente para a educação inclusiva deve ser não uma justificativa para os fracassos, mas um motor para a construção de experiências bem-sucedidas onde a educação é de qualidade e verdadeiramente para todos.
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Para ser, de fato, inclusiva, é essencial que ocorram na escola mudanças radicais em suas estruturas físicas, material e de pessoal, em seu projeto político-pedagógico (PPP) e em sua gestão administrativa. O paradigma da inclusão pressupõe uma escola democrática, que respeita o tempo do estudante, que coloca a aprendizagem no centro e que estimula o trabalho colaborativo e participativo. No entanto, que tipo de formação atenderia ao apelo dos professores que se sentem despreparados e desamparados no atendimento dos educandos com deficiência? Quais os saberes necessários para educar a todos? Quais as diretrizes para a formação inicial e a formação continuada na perspectiva da educação inclusiva?
Professores capacitados e professores especializados
A Lei de diretrizes e bases (LDB) de 1996, ao definir o que os sistemas de ensino devem assegurar aos estudantes com deficiência, aponta uma diretriz para a formação docente: “professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular, capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns”. Como é possível perceber, há uma diferenciação entre educadores com especialização para os atendimentos especializados e aqueles capacitados para atuarem nas classes comuns. Acompanhando o que está posto na LDB, o documento Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica (2001) traz uma definição mais detalhada dos termos e as competências de cada um.
Os professores capacitados, para serem assim denominados, devem ter uma disciplina em sua formação inicial a respeito da educação especial e da educação inclusiva, além de adquirir competências para perceber as necessidades educacionais específicas dos estudantes e flexibilizar a ação pedagógica para atender as suas especificidades. Mas essas não são tarefas simples. Uma disciplina nos cursos de formação docente que aborde questões relativas à educação especial e à educação inclusiva não dá conta da complexidade e da abrangência dos temas. Nesse caso podemos falar de informação, mas não de formação.
A formação dos professores especializados, os que vão trabalhar no atendimento educacional especializado (AEE), deve acontecer em cursos específicos. Esses profissionais também devem apoiar os educadores das escolas regulares que tiverem crianças e adolescentes com essas particularidades em suas salas de aula.
Parcerias para a formação docente continuada
E quanto à formação continuada dos profissionais que estão recebendo, em suas salas de aula, os estudantes com deficiência? Quais os caminhos, as possibilidades de uma formação que os ajude a dar conta da realidade?
A parceria entre universidades e escolas públicas e privadas seria um bom começo. Não no sentido da universidade trazer um conhecimento, mantendo o costume de verticalizar ações junto aos docentes em formação, mas na vertente de trabalhar junto com as instituições escolares possibilidades de construir um saber a respeito do processo de implementação da política de educação inclusiva. Como as unidades de ensino podem receber, acolher, conhecer e planejar o atendimento das necessidades educacionais específicas? Essa é, por excelência, uma ação coletiva. Cada seguimento da comunidade escolar precisa reconhecer seu papel na efetivação da inclusão e pensar em ações que possam facilitar o processo de inclusão. Após a matrícula, o que pode ser feito para receber o estudante, conhecê-lo e traçar caminhos para sua adaptação e inserção real na dinâmica da escola.
O conhecimento a respeito dos tipos de deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação com a conceituação, características e possibilidades de trabalho pedagógico, pode ser de grande valia para os profissionais da educação, mas é necessário que se considere sempre a dimensão do sujeito que apresenta essas diferenças. Assim, a discussão de casos, a socialização de experiências bem-sucedidas no coletivo da escola, também pode ser uma ferramenta de grande ajuda para toda a comunidade escolar.
Considerações finais
É preciso reconhecer que o Brasil tem uma base de sustentação legal que deveria contribuir para que as mudanças educacionais acontecessem num processo crescente de introdução de novos conhecimentos e novas práticas. Mas algumas questões dificultam a realização do sonho da inclusão:
• Nas universidades, a temática da educação das pessoas com deficiência ainda não é incorporada como uma discussão geral. A formação inicial se resume a uma disciplina que não consegue atender à complexidade do tema e a formação continuada precisa ser discutida e aliada a ações de pesquisas e extensão.
• Os alunos com deficiência não são considerados, nas escolas, como estudantes e sim como problemas que chegam. O foco no déficit, na falta, na impossibilidade precisa ser vencido, desconstruído, para que essas pessoas assumam seus lugares de educandos, de sujeitos capazes de aprender.
• O poder público, no âmbito federal, estadual e municipal precisa vencer a etapa das intenções e passar às ações. Investimentos nas mudanças físicas das escolas, aquisição de materiais, contratação de professores especializados e formação dos professores em serviço necessitam acontecer em caráter de urgência.
Essas são apenas algumas situações que precisam de atenção para que a educação inclusiva não seja uma proposta irreal e sem possibilidades de se concretizar. O que vemos é uma política pública com um discurso muito diferente da prática. Essa situação de divergências e conflitos pode levar ao malogro de uma proposta democrática e justa, a ideia de uma escola que não exclui, que aceita, atende e respeita a todos. Mudanças no campo da formação docente para a educação inclusiva podem contribuir de maneira significativa para que as mudanças nas escolas aconteçam de fato e que experiências bem-sucedidas não sejam mais exceções no nosso cenário educacional e sim a norma de uma educação democrática.
Sonia Maria Rodrigues é professora do curso de pedagogia da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).
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