As práticas de agências internacionais para o desenvolvimento da educação nem sempre estão alinhadas com uma teoria de ação eficaz capaz de implementar ideias que desencadeiem inovações educacionais em larga escala. Ao mesmo tempo em que o ritmo das transformações locais nas redes de ensino se acelera, torna-se mais urgente que as agências internacionais – se elas quiserem continuar relevantes – encontrem formas efetivas de conectar ideias sobre políticas e práticas efetivas.
Nos últimos 65 anos, o mundo testemunhou uma das mais notáveis transformações na história da humanidade: a universalização do direito à educação. Essa transformação foi resultado de uma inovação social, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um documento que, em trinta artigos, decifra os direitos humanos básicos, que devem ser o fundamento da paz e da seguridade global e que assegura o compromisso de colaborar para a conquista de tais direitos, por todas as nações que o endossam, como um meio de sustentar essa paz e seguridade.
Muito foi alcançado quando a luta por reformas políticas se uniu à difusão do conhecimento a respeito de como implementar programas e práticas alinhadas a eles. Menos se obteve quando as agências internacionais se mantiveram exclusivamente focadas na luta política ou no fornecimento de programas e serviços. Evitar as armadilhas dos esforços ineficazes requer clareza de pensamento sobre como o conhecimento daquilo que funciona se traduz em mudanças nas práticas, em larga escala.
O sistema de agências das Nações Unidas avançou no direito à educação, em grande extensão, como resultado de ações estratégicas em defesa de mudanças políticas e ideias sobre o que significa obtê-las. Por exemplo, na década de 1950, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) convocou reuniões regionais com os ministros da educação e da economia dos Estados Unidos para defender a tese do ensino básico universal. Essas reuniões serviram não apenas para intermediar acordos políticos, mas também para trocar know-how sobre como chegar a esse objetivo. O repertório intelectual que auxiliou o avanço da meta do acesso à educação estabeleceu o ensino integral; as escolas multisseriadas passaram a oferecer todo o ciclo de ensino fundamental nas áreas rurais, com um ou poucos professores; e escolas em rede deram apoio à formação profissional e compartilharam recursos. A difusão dessas práticas, aliadas à capacitação para o planejamento e mapeamento educacional e outras metodologias, contribuíram muito para a notável expansão no acesso à educação que ocorreu nos países em desenvolvimento nos anos 1950 e 1960.
Por outro lado, quando estruturas e aspirações políticas, mesmo que promissoras, não se uniram ao conhecimento sobre “o que funciona” ao se implementar tais ideias, seus impactos permanecem imprecisos. O Relatório de Delors, “Educação: um tesouro a descobrir”, um documento visionário encomendado pela UNESCO, que é resultado de uma consulta global aprofundada dos objetivos e propósitos da educação no século XXI, permanece quase inteiramente como mera inspiração, mesmo depois de duas décadas de sua publicação, porque não era acompanhado por um conhecimento específico sobre como atuar num rol tão amplo de finalidades escolares.
Em resposta aos desafios de transformar políticas em mudanças na prática, algumas agências internacionais se engajaram em fazer, elas próprias, tais mudanças, por meio de programas “piloto” ou outros mecanismos de implementação. O risco nestes esforços de construir programas inovadores é que eles podem não se conectar nunca à política e, assim, deixar de alcançar a escala necessária para atingir as crianças que precisam desses serviços.
Desde o início, as agências internacionais voltadas à educação, que surgiram como parte dos movimentos do pós-guerra mundial para promover o desenvolvimento global, focaram-se em influenciar as políticas públicas e alavancar recursos governamentais, sem intenção de ser substitutos para esses últimos. A meta de elaboração, identificação e disseminação de boas práticas de ensino não tem sido apenas para dar suporte à sua replicação, mas também para usá-las estrategicamente para modificar a política e o status quo dos programas, para que eles possam, em escala, apoiar oportunidades educacionais que levem à equidade.
Por exemplo, no começo dos anos 1980, essas agências, incluindo o UNICEF, começaram a lutar por melhores oportunidades de escolarização infantil. Antes deles, para a maior parte do mundo, o direito à educação era considerado a partir da idade do ensino fundamental. A Declaração Mundial sobre Educação para Todos, de Jomtien, elaborada na Conferência Mundial sobre Educação para Todos, incluiu o ciclo infantil como uma das metas de renovados esforços para promover a educação universal. Tais esforços incluem a documentação e difusão de abordagens programáticas para expandir a acesso a esse nível, e a capacitação dos atores envolvidos em sua implementação.
Como resultado, muitos países aumentaram as oportunidades desse nível de ensino. No México, por exemplo, em 2002, o Congresso Nacional modificou a legislação para garantir três anos de pré-escola para todas as crianças. Políticas similares, que expandiram a educação infantil, claramente aumentaram as oportunidades para grupos em situação de exclusão. Nesse caso, agências como o UNICEFe a UNESCO ocuparam o papel de intermediadores de conhecimento – disseminando evidências para mostrar quanto desenvolvimento acontece nos primeiros anos de vida, assim como pesquisas de programas que se dedicavam à aprendizagem na primeira infância – e como ativistas dos direitos. Eles defenderam a tese do imperativo moral de prover suporte para as políticas e programas alinhados com aspirações mais amplas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção sobre os Direitos da Criança e marcos legais internacionais similares.
À luta por direitos uniu-se o conhecimento de boas práticas, quando as agências internacionais desempenharam seus papéis fundamentais de identificar, documentar e avaliar programas. O Escritório de Pesquisa do UNICEF, por exemplo, produziu diversos exemplos desse tipo de trabalho, como o estudo do programa do México na educação infantil. Tais estudos ajudaram a impulsionar o comprometimento do governo para expandir esse nível de escolarização.
O progresso da educação é, assim, o resultado não só da defesa ou dos argumentos morais pela inclusão, mas também do uso efetivo do conhecimento sobre “como funciona”, o que pode transformar as oportunidades de inclusão escolar em um problema solucionável, que os gestores podem tratar dentro dos recursos institucionais e das restrições políticas que moldam a ação governamental. Nesse sentido, a educação inclusiva tem sido o resultado de inovações: conseguir que as administrações públicas assumam esse novo desafio e empreendam novas ações para abordá-los.
Uma transformação como essa não se dá, tipicamente, com os governos enfrentando os problemas como se eles fossem o primeiro grupo de pessoas no planeta a fazê-lo mas, ao contrário, por inspirar-se, informar-se e ser apoiado por tentativas prévias ou similares de outros lugares. Muito da legitimidade das agências internacionais repousa na habilidade de atuar como intermediadoras do conhecimento e em sua expertise para administrar os processos que traduzem esse conhecimento em programas que podem atingir a escala desejada pelos gestores, de forma sustentável.
Boas práticas educacionais têm sido “transferidas” de um contexto a outro e um progresso significativo tem ocorrido ao se reconhecer que nem todas as ideias e práticas “são bem transferidas”. Dessa forma, as agências internacionais avançaram de meramente documentar e difundir as “boas práticas” para criar comunidades de práticas, nas quais atores políticos e ativistas podem dedicar tempo para entendê-las em seus contextos e refletir sobre as adaptações necessárias para aplicá-las.
Ao difundir práticas para serem adotadas em situações culturais diferentes, um problema frequente é determinar que elementos dependem do contexto e que tipo de adaptações devem ser realizadas ao se transferir inovações de um local para outro. Muitos esforços promovem a aplicação de abordagens curriculares de um ambiente para outro como, por exemplo, um currículo que dê suporte à literatura, ciência ou matemática. Dadas as diferentes condições culturais, conjunturas institucionais ou níveis de capacidade docente, o mesmo currículo pode muitas vezes produzir resultados muito diferentes. Por exemplo, a implantação da educação baseada em resultados, na África do Sul, não conseguiu produzir as melhorias esperadas na qualidade de ensino das escolas que atendiam crianças em situação de exclusão, na proporção em que os líderes buscavam para consolidar os ganhos políticos da transição democrática, naquele país.
Para superar esse tipo de desafio na transferência de inovações educacionais, alguns colegas e eu desenvolvemos uma abordagem voltada a adaptá-las sistematicamente a novos contextos. Esse enfoque define “transferência” como um processo de redesenhar e reinventar, ao invés de simplesmente adotar, articulando a teoria da ação de tal forma que torna a transferência suscetível à avaliação sistemática.
Um desafio da abordagem convencional ao identificar e disseminar boas práticas nas escolas é apreender o espectro crescente de mudanças sociais que acontecem globalmente. As redes de conhecimento mundiais tornam-se obsoletas e irrelevantes se só permitem circular uma gama limitada de ideias sobre o que funciona para fazer a educação mais inclusiva. As redes das agências internacionais precisam ficar integradas às redes locais e comunitárias, para se tornarem abertas às transformações que acontece localmente, o que é especialmente importante pela aceleração exponencial da taxa de inovação local.
Vivemos em uma época de oportunidades sem precedentes para as transformações na educação, gerada em parte pelo acréscimo do nível de escolaridade da população mundial e o aumento resultante do número de indivíduos que se tornaram capazes de produzir mudanças. A expansão do ensino globalmente ampliou a quantidade de sujeitos com a atitude, a ambição e a perícia de realizar inovações para preparar objetivos ambiciosos. Gestores escolares também se beneficiaram de novas tecnologias, disponibilidade de recursos e estruturas regulatórias que facilitaram às pessoas comuns – frequentemente em pequenos grupos –assumirem desafios reservados, no passado, aos governos e grandes instituições internacionais ou nacionais. Como resultado de seus esforços, o número de experiências transformadoras está crescendo exponencialmente em todos os lugares. Em diversos locais, professores, estudantes e cidadãos comuns organizados em organizações comunitárias não-governamentais geram mudanças promissoras que apoiam a melhoria do ensino, elevando as contribuições da educação para a inclusão social.
Alguns autores argumentaram que o estudo dessas inovações comunitárias, que são bem sucedidas apesar das muitas dificuldades, é promissor porque, ao identificar abordagens que provaram funcionar em um contexto social e geográfico particular, evita-se os desafios de “transferir” ideias que foram desenvolvidas em outros lugares para tentar adaptá-las em novos contextos. Por definição, essas transformações já são sustentáveis e adaptadas, já que emergiram no próprio contexto no qual agora é preciso alcançar a atuação em escala. Este conceito de “desvio positivo” foi desenvolvido primeiramente em estudos sobre nutrição, nos quais pesquisadores descobriram que, mesmo em comunidades muito pobres, algumas famílias tinham crianças bem-nutridas.
Os estudos de desvios positivos têm sido aplicados com sucesso para estudar inovações locais numa série de campos, incluindo a educação. Tal abordagem foi sistematizada por Richard Pascale, junto com Jerry e Monique Sternin, e posteriormente popularizado por Malcolm Gladwell, em seu livro “Fora de série (outliers)”. É muito promissor o estudo dos desvios positivos como uma forma de aprender e capturar a rica experiência da transformação que acontece em muitas comunidades. Em diversos sentidos, essa abordagem é contrária à visão tradicional de que o desenvolvimento pode resultar da transferência de ideias que os experts internacionais trazem, frequentemente de outros países, sobre como melhorar a inclusão, eficácia ou relevância das instituições de ensino.
Esses dois enfoques – aprender a partir de experiências mundiais tanto quanto de práticas comunitárias – são mais complementares do que opostos. Numa era de globalização, a inovação é “glocal”, ao invés de puramente global ou local. Por exemplo, num esforço de ampliar a inclusão de estudantes com deficiência no ensino, no Brasil, o empreendedor social Rodrigo Hübner Mendes criou uma organização que luta por reformas políticas e dissemina boas práticas. Essa iniciativa, o Projeto Diversa, do Instituto Rodrigo Mendes, identifica boas práticas de inclusão no Brasil e em outros países e conduz estudos de caso detalhados que são, então, propagados a partir de diversos meios, incluindo um abrangente website. Também realiza encontros periódicos com secretarias municipais de educação, nos quais Mendes se une ao Ministério da Educação brasileiro para capacitar gestores a replicar ou adaptar tais práticas. O UNICEF tem sido um parceiro nesses esforços da organização da sociedade civil para combinar estudos com a disseminação de boas práticas de inclusão locais e globais.
Além do estudo e disseminação de boas experiências – sejam ações globais ou “desvios positivos” locais, somadas às diferentes comunidades de formação profissional, que podem ser estruturadas para facilitar uma transferência apropriada dessas práticas através dos diversos contextos – a educação inclusiva poderia ser acelerada pela promoção de inovações por meio de redes de melhorias.
Por exemplo, a Fundação Carnegie para o Avanço do Ensino, sob a liderança de Anthony Bryk, está usando a “ciência da melhoria” – uma abordagem desenvolvida por Don Berwick para melhorar a prática médica nos hospitais – para apoiar e estudar as redes de inovação com foco em problemas específicos de práticas. A Fundação Carnegie dá suporte a duas redes de melhorias, a Rede para Construir a Eficácia no Ensino e o Programa Caminhos para Faculdades Comunitárias. Esse segundo tem o foco em resolver o fracasso de cursos de reforço nessas faculdades, para onde muitos estudantes em situação de exclusão são encaminhados – e que têm mostrado resultados muito pobres em auxiliar a transição de estudantes para a formação regular e conclusão do curso.
As redes de melhoria apoiadas pela Fundação Carnegie envolvem educadores trabalhando em faculdades comunitárias em cursos de reforço de matemática, construídos a partir de pesquisas sobre os problemas desses cursos e da avaliação de experimentos para superar tais carências. Essas redes se comprometem com o objetivo de sistematicamente implantar mudanças que sigam uma teoria de ação explícita e compartilhada, baseadas nas melhores evidências disponíveis. Eles, então, medem os resultados desses esforços, criando um ciclo de aprendizagem rápido onde cada implementação é, na realidade, uma experiência que permite a todas as instituições que participam da rede ter a oportunidade de aprender com seus esforços simultâneos.
Para acelerar o processo de aprendizagem a partir de inovações na educação de crianças em situação de exclusão, que são elaboradas e identificadas em diferentes partes do globo, uma rede de melhorias deve formar a comunidade para compartilhar esse conhecimento de forma simples. Como fazer cada ponto da rede acessar o conhecimento disponibilizado pelos outros é, sem dúvida, um desafio para as organizações complexas. No cerne desse desafio estão os silos e formas de organização tradicionais, que impedem a comunicação fluida entre seus departamentos, e o fato de que muito do conhecimento obtido pelos participantes na rede é tácito, não sendo formalizado em protocolos que podem ser acessados por outros. Antes da disponibilidade de Internet, tais desafios não tinham solução nas organizações globais. Não é mais o caso: os desafios a serem superados, agora, tem a ver com a cultura organizacional, capacitação e atitude mas, especialmente, com a forma sobre a qual pensamos a maneira que as ideias a respeito do que funciona são efetivamente traduzidos em práticas nas instituições de ensino, para que elas auxiliem todas as crianças a aprender.
Fernando M. Reimers é Professor de Práticas na Educação Internacional e diretor do Programa de Políticas de Educação Internacionais e da Iniciativa de Inovações Globais de Educação, na Escola de Graduação em Educação da Universidade de Harvard.
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