Foi em meados de abril que conheci o A., sempre sorridente e feliz. Despediu-se da mãe e correu para um canto da sala.
A. tinha Síndrome de Down e alguns comprometimentos cardíacos, não falava, possuía falta de tonicidade muscular, não reconhecia seus objetos pessoais, mas era meigo e afetuoso com outras crianças.
Seus pais eram muito solícitos, o que acabava por agravar mais o quadro de A., na sala de aula tentávamos estimulá-lo a falar, a reconhecer sua mochila, seu sapatinho. Nossa sala era pequena e abrigava 29 crianças entre quatro e cinco anos, realizávamos a rotina diária, brincadeiras, parque, histórias, desenhos como a garatuja desenvolvem a percepção de mundo, reconta sua própria história se vendo como indivíduo, além de estabelecer relações com signos que mais tarde facilitaram a alfabetização, exercícios de motricidade entre outros. Mas muitas vezes, nos surpreendemos com sua mãe não favorecendo nossas práticas pedagógicas
No começo foi difícil não ver A. participar das atividades, pois não demonstrava interesse.
Não sabia ir ao banheiro sozinho, pois usava fralda em casa, era silábico, pois sua mãe no intuito de ajudar acabava limitando o uso das palavras, atribuindo qualquer movimento seu a solicitações que tentava desvendar compulsivamente.
Aos poucos eu e outra professora da sala, criamos uma rotina em que A. se adaptou facilmente.
Começamos a usar músicas infantis, além de estimular a fala, a concentração através da letra, favorecer a socialização e interação do aluno ao grupo. Foi divertido ouvir sua voz balbuciando os primeiros sons. Se a palavra tinha casa, ele dizia “asa”, céu “éu” e aos poucos foi criando autonomia.
Na hora do almoço foi aprendendo a comer sozinho, no início derrubava quase toda comida, mas aos poucos foi conseguindo, ficava todo molhado quando bebia suco, olhava pra mim e sorria.
Para despertar interesse por outros alimentos sempre me sentava à mesa com as crianças e dizia que era muito gostosa a cenoura, carne, franguinho, eles adoravam.
Corriam pelo parque livremente, jogavam bola e brincavam com brinquedos diversos. Certo dia, organizamos um teatro de fantoches sobre o livro Menina bonita do laço de fita e todos adoraram, em especial, o A.
Aos poucos foi se adaptando à sala, após um dialogo com seus pais, A. já não usava fralda e começou a reconhecer seu sapatinho, sua mochila, sua sala de aula, o que nos trouxe muita alegria.
Até o final do ano A. já conseguia ir ao banheiro acompanhado de uma das professoras, já comia sozinho embora ainda sentisse dificuldade motora em segurar objetos.
Nas últimas semanas de aula, sua mãe veio buscá-lo e para nossa surpresa disse Mãe e correu para porta, foi emocionante. A. já estava no mundo das palavras e embora encontrasse dificuldades para expressar seus sentimentos, já conseguia aos poucos encontrar seus significados.
JEAN CLARA DE SOUZA GODINHO, PROFESSORA DE EDUCAÇÃO INFANTIL