Discriminação, preconceito, ilícito, exclusão. Essas palavras, retiradas das ementas de decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), mostram como o judiciário vem avaliando os atos praticados pelo Colégio Logosófico Gonzalez Pecotche em 2014. Naquele ano, a escola expulsou um estudante com autismo, no caso, meu filho. A instituição cancelou sua matrícula no meio do primeiro semestre, poucos meses depois do ingresso da criança e algumas semanas após o recebimento da notícia que o aluno fora diagnosticado com transtorno do espectro autista (TEA). O fato foi amplamente noticiado pela imprensa nacional.
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O processo condenou o colégio ao pagamento de indenização por danos morais causados à criança. A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça. A ementa do acórdão mostra, em termos didáticos, as diversas atitudes contrárias ao Direito que foram tomadas pela instituição de ensino e serve de guia para casos semelhantes.
Decisão do STJ: o direito à diferença
A decisão judicial considera que a atitude correta de uma escola com um estudante de comportamento atípico é encaminhá-lo a tratamento especializado e viabilizar sua inclusão. Ou seja, diante de comportamento que foge ao padrão, deve-se promover a inclusão da criança ou adolescente adequando o ambiente, flexibilizando o currículo e diversificando as estratégias pedagógicas. Enfim, tomando medidas de acordo com as necessidades do aluno, com o objetivo de equiparar oportunidades para garantir sua participação e o pleno desenvolvimento de seu potencial. Nas palavras da própria decisão do TJDFT, o colégio falhou ao não proporcionar o tratamento especializado, sem discriminação na sala de aula. Ou seja, ao não reconhecer e concretizar o direito à diferença.
A exclusão do estudante é ato ilícito, sendo atitude discriminatória nas palavras do TJDFT. A decisão nota também que o argumento usado para a exclusão é justamente o comportamento que tem origem no diagnóstico: a chamada Síndrome de Asperger, uma forma de autismo.
Uma das alegações da escola no processo seria de que não havia sido notificada de que a criança estava no espectro autista. A jurisprudência deixa claro que isso é irrelevante diante do fato de que há um comportamento considerado inadequado ao ambiente escolar pela própria instituição. Nesse caso, caberia ao colégio investigar as razões de tais comportamentos junto à família e participar da evolução do aluno e de eventuais acompanhamentos. Como diz o Tribunal, “para isso existe na escola os orientadores educacionais, além de professores”.
Atitude excludente
Outra questão comum a muitas famílias de crianças com TEA, com Síndrome de Down ou com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), entre outras, é a culpabilização dos pais. A decisão é clara ao falar que a escola jamais poderia alegar falha ou omissão dos responsáveis para justificar o que considera uma deficiência: os serviços educacionais prestados pela instituição de ensino que praticou o ato ilícito.
A Justiça considerou que a atitude adequada é a inclusão e não a exclusão, no caso, o cancelamento da matrícula e o fechamento das portas a um estudante com autismo. A atitude do colégio, além de não atender à sua missão pedagógica, foi considerada ilegal por contrariar convenções internacionais, a Constituição federal e a Lei de diretrizes e bases da educação brasileira (LDB). Além de ser considerada uma ofensa ao bem-estar de uma criança.
A luta por direitos
O caso chegou ao STJ após a escola haver sido derrotada na primeira e segunda instâncias judiciais. Após a confirmação da condenação pelo Tribunal de Justiça, o colégio teve seu recurso especial negado, sem julgamento de mérito. Contrariada, a instituição recorreu ao STJ para sofrer mais uma derrota judicial e ver confirmada a decisão negando prosseguimento ao recurso.
Mais um passo foi dado nessa luta por justiça que vem se arrastando desde 2014. A decisão final acontece no mesmo mês em que uma pessoa cadeirante se viu obrigada a defender seus direitos até o STJ para poder ser ajudada pelos funcionários do condomínio onde mora. As mais altas esferas da Justiça têm sido chamadas para garantir os mais elementares direitos das pessoas com deficiência, seja o de mover-se livremente, seja o de acesso à educação.
Por mais que nos pareça anacrônico, em pleno século XXI, ainda há quem lute ferrenhamente pelo direito de excluir.
Marcos Weiss Bliacheris é advogado e coautor dos livros “Sustentabilidade na administração pública” e “Panorama de licitações sustentáveis – Direito e gestão pública”, ambos da Editora Fórum.
Artigo originalmente publicado no portal Inclusive em 10/05/2018, disponível em bit.ly/decisao-stj-expulsao-estudante-autismo.
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