Sou professora do ensino fundamental no Centro integrado de educação pública (CIEP) Marie Curie, no município de Duque de Caxias (RJ). A unidade está localizada em uma zona rural. Há pouco comércio na região e, talvez por esse motivo, muitos estudantes não sabem lidar com dinheiro. Alguns não reconhecem o valor das notas, outros têm dificuldades em conferir o troco. Observando essa situação, decidi criar uma atividade com um material pedagógico acessível chamado Jogo das cédulas – uma espécie de leitor de notas feito com uma caixa de papelão e sensores.
Mercado inclusivo
Para a atividade, criamos um mercado em sala de aula, como forma de recriar a realidade desses estudantes, que costumam, por exemplo, ir à padaria a pedido dos pais. Eu trouxe de casa alguns alimentos, como biscoitos, arroz, açúcar. Eles ajudaram a arrumar os produtos e a colocar os preços.
Em seguida, os alunos escolheram os papéis com que gostariam de iniciar a dinâmica: cliente, caixa ou empacotador. Eles se revezavam nas tarefas, porque achei importante que vivenciassem as diferentes situações. Com isso, aprenderam, também, a se colocar no lugar do outro.
+ Aprenda a construir o Jogo das cédulas
Durante a atividade, o Jogo das cédulas contemplou diferentes níveis do entendimento da matemática. O Carlos e o Paulo, ambos com deficiência intelectual, encaixavam a cédula na caixa, viam o valor impresso nela e conferiam se o mesmo número de luzes acendiam na caixa. Já Vitor Hugo, que é cego, identificava o valor pelo braille. Os estudantes também manusearam e aprenderam com ele sobre esse sistema de escrita. Dois alunos ficavam no caixa para fazer as contas e verificar o troco. Se um errava, o outro corrigia: “Não, olha aqui, é tanto com tanto”.
Do abstrato para o real
Uma das dificuldades da matemática é que ela se torna, muitas vezes, abstrata demais. É essencial ter em sala de aula uma experiência como a do jogo, para fazer a criança vivenciar o concreto e trazer o que ela aprende na escola para sua realidade, preparando-a, principalmente, para a vida cotidiana. Fazer com que vejam a questão do preço como algo real, não como um número no quadro.
Muitos disseram ser ludibriados quando vão comprar alguma coisa. Eles comentaram que, mesmo com o uso da tecnologia no mercado, os caixas fornecem troco errado. Uma garota contou que certa vez faltou luz na loja em que estava e que a pessoa não sabe dar o troco. Expliquei para eles que até uma calculadora pode errar, se a bateria estiver fraca. Por isso é importante saber fazer contas e ter acesso a atividades concretas desde cedo.
Quanto é o ingresso, por favor?
Trabalhei com os estudantes o sistema monetário, a questão do arredondamento quando não havia moeda. Eles também praticaram as quatro operações, calcularam de cabeça, utilizaram os dedos para contar e outros usaram lápis e papel. Ainda, exercitaram a leitura e a escrita ao produzirem as plaquinhas de preço dos produtos, escreverem o “R” e o cifrão e usarem a vírgula para os centavos.
Todos os alunos, com e sem deficiência, adoraram a atividade. Por meio dela, ampliaram o raciocínio, a oralidade, a leitura, a escrita. Gostaram tanto que quiseram repetir a dinâmica. Por isso, estou planejando levá-los ao cinema para colocarem em prática o que aprenderam. A proposta é eles irem à bilheteria para comprar os ingressos, conferirem o troco e anotarem as dúvidas que surgirem, para depois refazermos a situação na sala de aula. Tem até estudante que não está dormindo de tanta ansiedade porque vai ao cinema pela primeira vez.