Busca ativa é estratégia para combater exclusão escolar

Conheça a experiência de três cidades que apostam no trabalho intersetorial para localizar estudantes e tentar solucionar as questões que levam à evasão, além de acompanhar o retorno às aulas e garantir a permanência

Durante ação de busca ativa na casa de estudante, o gestor escolar Almir Pinto, um homem branco que usa máscara de proteção e camisa roxa, está sentado em sofá de sala de estar durante conversa com familiar responsável, um homem branco, com camiseta amarela e boné azul e preto. Fim da descrição.
Almir Pinto, diretor do Colégio Estadual Edélzio Vieira de Melo, em Santa Rosa de Lima (SE), conversa com pai de estudante que havia se afastado da escola durante a pandemia. Crédito: Acervo pessoal/Almir Pinto

Mudanças de domicílio; falta de transporte escolar adequado, vagas ou estrutura; violência familiar e escolar; gravidez na adolescência; trabalho infantil e desinteresse pelo ambiente escolar ou pelos estudos. Esses são os principais motivos apontados para justificar a ausência de crianças e adolescentes na sala de aula, de acordo com levantamento feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).  

E são muitos os que estão fora da escola. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) Educação de 2023, ainda estamos distantes de garantir que todas as pessoas de quatro a 17 anos estejam na escola, como determina a legislação brasileira. A taxa de escolarização da população de quatro a seis anos foi de 92,9%, enquanto para aqueles entre seis e 14 anos foi de 99,4%, e para quem tem entre 15 e 17 anos foi de apenas 91,9%. 

Para mudar esse cenário e garantir o direito de acesso à educação a todas as pessoas, uma das principais estratégias é a busca ativa, um conjunto de ações para localizar e atrair o estudante de volta à escola. Essas ações podem ser iniciadas pela própria escola ou pelas redes de ensino. O ideal, porém, é que o esforço seja coletivo, incluindo a articulação com áreas como saúde e assistência social.  

Para esse trabalho, são mapeados os estudantes que estão em situação de abandono escolar (aqueles que deixaram de frequentar as aulas ao longo do ano letivo) ou de evasão (quando o aluno não realiza a matrícula para o ano seguinte). O objetivo, porém, é ir além da garantia da frequência, afirma Elie Ghanem, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e responsável pelo grupo de pesquisa Centro Universitário de Investigações em Inovação, Reforma e Mudança Educacional (Ceunir). “Essa prática é importante porque tem potencial de impactar na raiz da ausência escolar. As pessoas envolvidas vão ouvir as famílias e unir forças para resolver as causas sociais e econômicas que impedem a criança ou o adolescente de efetivar o direito à educação.”  

Trabalho compartilhado  

Para o sucesso da busca ativa, é essencial um trabalho intersetorial, ou seja, a atuação conjunta entre diferentes áreas da administração pública, como saúde, educação, assistência social e transporte, entre outras. O objetivo é tentar resolver os diversos motivos apresentados por estudantes e familiares para a ausência escolar.  

Para Elie, a articulação entre as diferentes frentes do poder público precisa se tornar uma cultura no Brasil. “A intersetorialidade é importante em todas as áreas, mas as pessoas que estão em níveis superiores de hierarquia das secretarias e dos ministérios nem sempre dialogam com seus próprios agentes ou com representantes de outros setores. É preciso entender que garantir o direito à educação passa por garantir o direito à saúde, ao trabalho, ao lazer etc. Isso exige ações interligadas, que resolvam os problemas com os quais a população sofre.” 

Julia Ribeiro, oficial de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil e mestre em educação pela Universidade de Brasília (UnB) concorda e ressalta outro ponto. Professores, gestores escolares, enfermeiros, agentes comunitários de saúde e assistentes sociais, entre outros, precisam estar preparados para conversar e acolher os estudantes e suas famílias. Para isso, as formações focadas no desenvolvimento de habilidades específicas das pessoas participantes se tornam essenciais. “A pessoa que realiza a visita deve ter uma escuta sensível, ter atenção à família, para compreender os problemas que eles estão enfrentando. A ação não pode ser no sentido punitivo, de tirar algum direito ou benefício. Pelo contrário, é para levar e garantir os direitos de todas e todos.” 

Um trabalho para apoiar os estados e municípios a organizarem a estratégia com essas e outras premissas foi desenvolvido pelo Unicef, em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Desde 2016 está em execução o Busca Ativa Escolar, programa gratuito que apoia redes de ensino na identificação, registro e controle de quem está fora das escolas, além de dar suporte à rematrícula e ao acompanhamento dessas meninas e meninos. A iniciativa conta com uma plataforma digital que facilita a comunicação entre as áreas, armazena dados importantes sobre cada caso acompanhado e facilita a gestão das informações sobre a situação da criança e do adolescente.  

“A ferramenta do Unicef orienta a implementação da estratégia, explicando como montar um plano de ação intersetorial e quais são os papéis das políticas públicas e permitindo a troca e o debate sobre práticas e desafios entre os municípios”, comenta Julia. 

Além disso, os representantes de cada área do estado e do município participam de encontros presenciais e virtuais, e os seus agentes têm à disposição um conjunto de materiais e cursos a distância que os ajudam a desenvolver habilidades no combate à cultura de exclusão.  

São quase meio milhão de crianças e adolescentes acompanhados nos mais de 3,5 mil municípios e 17 estados que aderiram ao programa do Unicef. Dentre as principais causas apontadas para evasão e abandono, estão a mudança de domicílio, viagem ou deslocamentos frequentes (26%); o desinteresse pelos estudos (21%) e a falta de infraestrutura/vagas (4%).    

Gráfico de barras na horizontal com crescimento para a direita e esquerda, alternado por linha, com o percentual das 10 principais causas de abandono e evasão escolar nos casos acompanhados pelo programa de Busca Ativa Escolar, que tece ao todo 423.972 casos acompanhados. As principais causas são: Mudança de domicílio, viagem ou deslocamentos frequentes com 26%; Desinteresse pelos estudos com 21%; Desinteresse pelos estudos e pela escola com 18%; Desinteresse pela escola com 11%; Falta de estrutura escolar (vagas) com 4%; Criança ou adolescente com doenças com 3%; Falta de infraestrutura escolar (escola) com 3%; Falta de documentação da criança ou adolescente com 3%; Falta de transporte escolar com 2%; Gravidez na adolescência com 1%. Fim da descrição.

 

A oficial de educação do Unicef faz uma ressalva no que diz respeito ao desinteresse dos estudantes pela escola, a segunda justificativa mais mencionada. “Ele pode ocorrer por vários motivos, como conteúdos curriculares distantes da realidade dos alunos ou porque esse estudante vivenciou situações de preconceito, bullying ou de outras violências no espaço escolar. Para identificar [a causa], é necessário um trabalho mais aprofundado das equipes de busca ativa, comenta Julia.  

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Conhecer o público para agir  

No município de Campo Formoso (BA), que aderiu à proposta do Unicef, a busca abrange múltiplas frentes do poder público desde 2021. Antes de planejar as ações, a rede procurou saber qual era o público que estava fora da escola. “Preparamos questionários que foram aplicados nos serviços de atendimento ao público, após a capacitação dos agentes comunitários de saúde e assistentes sociais, por exemplo. Identificamos que a maioria em situação de abandono e evasão era formada por estudantes público-alvo da educação especial, muitos em razão da pandemia de Covid-19”, conta Tamara Almeida, coordenadora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação (SME) e responsável pela estratégia de busca ativa da cidade.  

Segundo ela, esse resultado foi ratificado por informações levantadas graças à articulação com a assistência social. Foi constatado que muitos beneficiários do BPC na Escola  programa de Benefício de Prestação Continuada que concede renda mensal às pessoas com deficiência e orienta ações intersetoriais para o acesso e permanência desse público na escola não estavam matriculados em nenhuma unidade escolar. 

As principais justificativas apresentadas pelas famílias para justificar a ausência foram a falta de acessibilidade nas escolas, de transporte adaptado e de confiança na equipe escolar. Com base nessas informações, a secretaria de educação e demais frentes municipais elaboraram ações para melhorar a estrutura das 120 escolas de educação infantil e ensino fundamental da rede e ampliar a oferta de profissionais de apoio e do atendimento educacional especializado (AEE).  

Em relação ao transporte, o município comprou veículos acessíveis e, no processo de matrícula, passou a questionar de forma sistematizada as necessidades dos usuários em relação a esse serviço. Em caso afirmativo, o estudante é incluído na lista de beneficiários.  

A parte mais desafiadora, segundo Tamara, foi conquistar a confiança das famílias. Para tentar fortalecer os laços, a equipe faz visitas domiciliares. “A ida do poder público já é uma quebra de barreira para a relação. Ouvir cada um e mostrar o empenho em resolver as dificuldades impacta a todos. As demais melhorias [de infraestrutura] também fortaleceram a confiança dos familiares”, conta a coordenadora.  

Elie destaca a importância dessas experiências. “Uma parcela do público-alvo da educação especial vive confinada em suas casas, uma vez que a família não tem informação e incentivo para fazer com que crianças e jovens transitem e convivam com os demais. Ir até as pessoas é primordial na garantia dos direitos de todos.” 

Resultado do empenho no município: mais de 400 crianças e adolescentes estão de volta às escolas. Desses, 42 estudantes continuam sendo acompanhados pelas equipes da estratégia municipal. Essa atenção contínua compõe o processo da busca ativa do Unicef, que orienta os estados e municípios a realizarem isso por pelo menos um ano. 

Tamara diz que a escola consegue estar ao lado da criança todos os dias e que o diálogo e a atenção são formas de estarem atentos ao que se passa com cada um. “Além da educação, as famílias têm um grande apoio de equipes da saúde e dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras), que podem ter ciência se os benefícios sociais continuam chegando a eles.” 

Acolhimento e acompanhamento constantes  

Julia explica que o tempo de acompanhamento é aliado na luta pela permanência das pessoas impactadas pela iniciativa de busca ativa. “O período mínimo serve para entendermos se as ações realizadas e as políticas públicas são suficientes na continuidade de cada um no ambiente escolar. Em qualquer caso, as visitas domiciliares, a observação da participação das famílias em programas sociais e o acolhimento do estudante, com abertura de espaço para que eles falem, são maneiras de combater a exclusão.” 

O cuidado com o que será feito no retorno desses estudantes à sala de aula é visto como uma das bases da prática. Elie concorda que o engajamento não pode parar na matrícula, que é apenas uma etapa do processo. “A busca ativa é contínua, ela não para. O direito à educação não se reduz à frequência escolar, embora esta seja absolutamente necessária. A atenção aos estudantes e seus familiares deve permanecer por algum tempo, até a certeza de que as causas identificadas foram resolvidas.” 

É nesse momento de retorno que gestores escolares e professores têm papel fundamental. O acolhimento dentro da escola deve incluir a criação de espaços de escuta, diálogo e participação para estudantes e famílias, em consonância com os princípios de uma gestão democrática, estratégia que ajuda na construção de um sentimento de pertencimento. E de atenção à aprendizagem. Acolher os alunos é também mostrar a eles que os erros fazem parte do processo, que eles têm espaço para expor suas dificuldades e que seus estilos e ritmos de aprendizagem serão considerados. A escola também pode apresentar o que faz para lidar com a defasagem de aprendizagem e a distorção idade-série.  

Essas são algumas das ações que podem beneficiar todos os alunos e, somadas ao acompanhamento por parte das demais áreas (saúde, assistência social etc.), prevenir que outros abandonem a escola. “A busca ativa precisa ser uma estratégia contínua, com atuação diária de todos os profissionais envolvidos. Além disso, tem de contemplar aqueles que estão na sala de aula, mas com sinais de potencial abandono”, completa Julia.  

Fortalecer a campanha em diferentes meios 

O município de Maués, no interior do Amazonas, também participa do programa do Unicef desde 2018. A rede de ensino utiliza os materiais de campanha disponibilizados pelo Unicef, como camisetas, cards para redes sociais, cartazes e faixas. São recursos considerados importantes, uma vez que o deslocamento das equipes para estarem pessoalmente em todos os bairros é difícil por conta do acesso restrito por barcos. “Manter a campanha visível à população ajuda na localização daqueles que estão fora das salas de aula. Muitas pessoas vivem em povoados distantes, nos quais não conseguimos chegar facilmente. Os cartazes, por exemplo, ajudam a manter nesses locais a informação sobre a busca ativa”, conta Maria Fransinetti, a Fran, coordenadora pedagógica da rede municipal de educação e responsável pela articulação das ações de busca ativa em Maués.  

Até o momento, as crianças e adolescentes que estavam fora da escola indicaram como principais motivos para a ausência a falta de vagas em instituições de ensino próximas de suas residências, a constante mudança de endereço, a vulnerabilidade social e a falta de documentação. Esse último, em sua maioria, refere-se às crianças indígenas que vivem na região e nunca tiveram acesso a emissão de documentos civis básicos.  

A coordenadora diz que muitos dos estudantes deixaram de ir às aulas, também, devido ao tempo de deslocamento e à falta de alimentação. “Os estudantes da zona rural ou de comunidades ribeirinhas, em boa parte, dependem de barcos para deslocamento, o que pode levar até quatro horas. Quando chegavam à escola, estavam com fome, e não era servido nenhum lanche ou comida para eles, o que obviamente impacta a aprendizagem.” 

Para mudar o quadro, foi organizado o atendimento, pela assistência social, àqueles que não tinham documentação para emissão da certidão de nascimento ou do RG. Da mesma forma, as famílias que não recebiam o Bolsa Família, por exemplo, conseguiram solicitar o benefício.  

Já para a rotina escolar, a secretaria de educação começou o movimento com os gestores de cada unidade para fornecer uma refeição aos estudantes antes do início das aulas, o que beneficia principalmente aqueles que levam mais tempo no deslocamento até a escola. A secretaria também vem trabalhando para aumentar o número de salas de aula e de profissionais da educação, a fim de atender toda a demanda de crianças e adolescentes na rede municipal de ensino. 

Como resultado da iniciativa, a rede municipal conseguiu que mais de 911 crianças e adolescentes retornassem aos estudos ou tivessem o primeiro contato com a escola. “A identificação e o acompanhamento dos estudantes permanecem em todas as unidades de ensino, com a presença de técnicos da busca ativa na rotina escolar, de maneira a evitar novos abandonos e evasões. Eles promovem, por exemplo, rodas de conversa nas quais cada um pode compartilhar suas angústias e anseios, afirma Fran. 

Uma agente da busca ativa escolar de Maués está na frente de uma casa enquanto entrevista uma mulher que a responde pela janela. A agente veste uma blusa preta, calça jeans e tem uma sacola com alça pendurada no ombro. A entrevistada tem cabelos longos e pretos e veste uma camiseta branca. Fim da descrição.
Representante da equipe de busca ativa de Maués (AM) vai até a casa das famílias para entender os motivos que levam crianças e jovens a não frequentarem a escola. Crédito: Acervo/SME de Maués

Transformar a escola para garantir a permanência 

Um exemplo de iniciativa que surgiu dentro de escola é a do Colégio Estadual Edélzio Vieira de Melo, localizado em Santa Rosa de Lima (SE). O diretor Almir Pinto realiza a busca ativa escolar desde que assumiu o cargo, em 2010. Quando chegou à unidade, a única que oferece o ensino médio no município, a taxa de evasão era próxima a 43%. “Esse dado me incomodou, e quis ir atrás para entender o que levava adolescentes a largarem o estudo sem nenhum motivo ou explicação aparente”, explica o gestor. 

O primeiro passo dado por Almir foi se matricular em um curso sobre gestão escolar na Universidade Federal de Sergipe (UFS). Na capacitação, ele entendeu a importância de escutar as turmas em rodas de conversa. Foi assim que conseguiu identificar os principais motivos do abandono: a gravidez na adolescência e a baixa qualidade da merenda.  

Isso possibilitou a adoção de algumas medidas, como a mudança no cardápio das refeições, com os jovens participando das escolhas, e a elaboração do projeto “Bebê a Bordo”, com a criação de uma brinquedoteca para que as mães pudessem deixar seus filhos durante o período de aula.  

Além dessas medidas, Almir conta que a escola ficou mais próxima da família e da comunidade. “Temos reuniões e eventos com casa cheia, o que era diferente quando cheguei. Conseguimos fazer da escola um ambiente que envolve todos.” O esforço foi recompensado após dois anos, quando a taxa de evasão foi zerada.  

Outras transformações aconteceram para fortalecer o vínculo com os estudantes e manter a taxa. Desde 2020, todas as turmas têm aula em tempo integral, após a adesão ao Programa de Ensino Médio Integral do Ministério da Educação, em 2018. Isso propiciou que, com mais tempo no ambiente escolar, fossem formados clubes de interesse das alunas e alunos, como os de jogos e dança.  

Também foi formada uma turma de acolhimento, batizada de Protagonistas, no qual os próprios estudantes atuam para engajar todos os colegas nas ações e projetos da escola e, assim, combater a evasão. Próximo ao fim do ano letivo, a turma recebe a lista de alunos que estão no nono ano, enviada por meio da parceria com a SME. Esses estudantes são, então, convidados para um grupo de WhatsApp organizado pelos protagonistas e recebem, por exemplo, informações sobre como funciona o ensino em tempo integral, algo novo para eles, uma vez que não há essa modalidade no ensino fundamental da cidade. 

Para aqueles casos de adolescentes que deixaram de estudar, os protagonistas também realizam o contato pelo aplicativo de mensagens e acompanham as visitas em domicílio junto à equipe intersetorial da rede, para verificar as causas do abandono ou da evasão.  

A atuação do grupo de protagonistas foi fundamental durante o ensino remoto e na volta às aulas presenciais. Durante a pandemia, a escola identificou 34 estudantes que não conseguiam acompanhar as aulas por dificuldade de acesso à internet ou falta de um celular ou computador. De acordo com o diretor, os adolescentes sentiram muito esse momento e se desinteressaram por continuar os estudos.  

A fim de reverter esse quadro, ele adotou providências para que todas e todos pudessem acompanhar as aulas. A primeira medida foi realizar uma campanha de doação de celulares, que arrecadou poucos aparelhos. Como alternativa, a escola foi aberta aos que precisavam acessar os computadores. A medida não foi tão eficaz, uma vez que muitos moram longe e não tinham como arcar com os custos de transporte. Ir até a casa de cada um foi a ação mais efetiva. “Com todos os cuidados, a equipe escolar e os protagonistas iam às casas de cada um conversar com as famílias e com os estudantes. Eles levavam os materiais e atividades impressos, além do kit merenda para garantir a alimentação das famílias naquele momento de crise mundial.” 

Elie Ghanem avalia de forma positiva a participação estudantil na busca ativa e considera necessário que o poder público crie condições para a presença de outros atores da sociedade. “A estratégia deve ser compreendida como atividade educativa em relação aos estudantes. Eles podem se dirigir à casa dos colegas acompanhados de docentes e não docentes e incentivá-los a frequentar a escola.” 

Uma dessas pessoas que retornou à escola foi Taislane, de 21 anos, que tinha dificuldades de acessar as aulas virtuais. “Moro em uma fazenda, e o sinal de internet é ruim. Então me desinteressei e decidi parar”, conta a jovem. O próprio Almir foi atrás dela por meio das redes sociais, mas ela não respondia e o bloqueou. Sendo persistente, a equipe da busca ativa foi até a casa de Taislane conversar com ela e a família. Ao ver os colegas e ouvir todos falando da importância dos estudos, ela decidiu voltar a estudar com os materiais e atividades recebidos. “Almir e todos que vieram até a minha casa foram muito importantes para que eu terminasse o ensino médio. Graças a isso, estou realizando os meus sonhos, pois hoje curso enfermagem e depois quero me formar em medicina”, relata. 

Quando questionado sobre as situações nas quais a criança ou adolescente e a família são resistentes ao retorno à escola, Almir é contundente: “Nosso objetivo é não deixar ninguém para trás. Temos de mostrar que a educação é fundamental na formação humana. Só conseguimos mudar o panorama de desigualdade com o apoio de todos”.

A busca ativa na legislação 

A busca ativa consta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) como uma das maneiras para se cumprir a obrigatoriedade do ensino escolar às crianças e adolescentes entre quatro e 17 anos. Da mesma maneira, aparece como a principal estratégia no Plano Nacional de Educação (PNE) para atingir as metas 1, 2 e 3, que correspondem à universalização da educação às pessoas entre quatro e cinco anos, seis a 14 anos e 15 a 17 anos, respectivamente.  

Com o objetivo de transformar a prática em uma política consistente no país, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2297/21 que regulamenta a busca ativa de forma mais detalhada. O PL cria uma via para que estados e municípios consigam recursos federais e financiem as ações de combate ao abandono e evasão escolar. Entre as medidas propostas, estão a criação de comitês intersetoriais; a identificação, registro, controle e acompanhamento de crianças e adolescentes que estão fora da escola ou em risco de evasão; e a sensibilização da população para enfrentar a exclusão. O projeto está em fase de recurso na Mesa Diretora e poderá seguir ao Senado sem precisar passar pelo plenário da Câmara. 

 

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