Conquista do voto feminino no Brasil e a luta das pessoas com deficiência

Celebra-se hoje, 24 de fevereiro, 89 anos do direito ao voto feminino no Brasil, uma história bastante recente de luta pelo exercício da cidadania em uma sociedade democrática.

A eleição é a oportunidade de escolhermos quem irá nos representar nos poderes legislativo e judiciário nos anos seguintes. Por meio do voto, damos ao representante eleito o poder de fazer escolhas políticas em nosso nome.

Como consequência de nossas escolhas no pleito, nossos direitos e interesses podem ser garantidos ou sofrer inúmeros retrocessos. Essa relação de proteção de interesses com o voto é o que permeia a luta pelo direito de votar.

 

Mulher segura um título de eleitor com a mãe esquerda. Ao fundo, urna eletrônica desfocada. Fim da descrição.
Foto: Cecília Bastos. Fonte: USP Imagens

O direito ao voto no Brasil

Apesar de no Brasil o direito ao voto existir desde o período colonial (1532) e ter sido expandido com o império (1820), apenas as classes mais altas podiam votar. Havia um requisito de renda mínima necessária para a obtenção do título de eleitor.

Com a proclamação da República (1889), porém, o voto foi ampliado, mas mulheres, população indígena e pessoas analfabetas ainda continuavam excluídas do exercício da cidadania.

A impossibilidade de votar faz com que grupos, em geral socialmente vulnerabilizados, encontrem limitações para reivindicar os seus interesses. É por meio do voto e da perspectiva futura de eleição que temos a chance de pressionar os representantes a cumprir com seus deveres, com suas promessas e com a legislação.

Reinvindicações pelo direito ao voto feminino

O direito ao voto das mulheres é algo recente em nossa democracia. Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885) foi a primeira mulher a falar sobre o tema publicamente. Depois, em 1978, Josefina Álvares Azevedo fundou a revista “A família” e escreveu o artigo “O voto feminino”.

Por um longo tempo, mulheres buscaram, judicialmente e de forma individualizada, autorização para votar, já que a Constituição da época não proibia expressamente. Com isso, algumas delas, detentoras de diplomas superiores, conseguiram esse direito.

Em 1910, Leolinda Daltro fundou o Partido Republicano Feminino, que passou a adotar estratégias consistentes de mobilização parlamentar e organizou passeatas públicas. Avançando paulatinamente e provocando efetiva mudança cultural, essas mulheres foram conquistando espaço público para debater sobre o tema.

No ano de 1919, Bertha Lutz fundou a Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher, que congregou esforços de pressão aos parlamentares. O coletivo argumentava que os deveres das mulheres relacionados às atividades domésticas e de criação e cuidado com os filhos (considerados obrigações das mulheres à época) não seriam abandonados com essa conquista.

1932 e o sufrágio feminino

Contudo, foi apenas em 1932 que as mulheres passaram a poder votar no Brasil. Com a incorporação do direito ao voto feminino pelo estado do Rio Grande do Norte, a estratégia de requerer título eleitoral por meio de ação judicial voltou a ter força e isso deu luz a discussões sobre o tema nos veículos de comunicação.

As feministas sufragistas pressionaram o então presidente Getúlio Vargas, que acabou por aprovar o voto feminino e secreto no Brasil em fevereiro do mesmo ano (Decreto 21.076, de 24 de fevereiro de 1932).

O decreto de Getúlio, contudo, ainda excluía analfabetos e pessoas em situação de mendicância. Além disso, somente em 1945 o público feminino pôde votar para o cargo de presidente da república.

A conquista, porém, durou pouco, já que durante o período ditatorial (1964 até 1985) não houve eleições presidenciais. Foi com a Constituição Federal de 1988 que esse direito se consolidou.

O voto feminino e as pessoas com deficiência

A conquista do direito ao voto pelas mulheres se assemelha em alguns aspectos à das pessoas com deficiência. Apesar de não ter existido legislação no Brasil proibindo o exercício desse direito a nenhum dos dois grupos, a prática se revelou sempre muito mais desafiadora.

O direito ao voto das pessoas com deficiência é uma história à parte. Por muito tempo, não foi claramente regulamentado e, apesar de pessoas com deficiência serem consideradas cidadãos como quaisquer outros, na prática era um direito violado.

A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência reforçou que pessoas com deficiência devem poder exercer os direitos políticos em igualdade de condições com as demais pessoas e, portanto, podem votar e se candidatar para serem eleitos.

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Assim, para cumprir com a legislação, toda urna eletrônica deve ser equipada com teclas em braile, indicações em áudio e fones de ouvido. Os locais de votação devem ter elevadores, rampas e salas térreas para que pessoas com restrições de locomoção possam votar. Também é possível que pessoas com deficiência tenham assistência de pessoas de sua confiança na hora de votar.

Regulamentação da capacidade civil

Apesar disso, somente em 2015, com a promulgação da Lei Brasileira de Inclusão, é que se alteraram os artigos do Código Civil no país, para regulamentar a capacidade civil.

Antes, a regra era que pessoas com deficiência intelectual não poderiam votar por serem consideradas incapazes. Esse grupo, portanto, só adquiriu esse direito muito recentemente.

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Mesmo com tantos avanços legislativos, muitas pessoas com deficiência ainda estão impedidas de votar por falta de acessibilidade das urnas ou locais de votação, ou mesmo por desconhecimento sobre essas leis e direitos.

Equidade e igualdade no direito ao voto

Durante as eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem recebido inúmeras denúncias sobre situações que tornam inacessível o direito ao voto a inúmeras pessoas.

Este desafio precisa ser enfrentado com seriedade, porque só há verdadeiramente igualdade se todos tiverem direito a fazer parte deste processo de cidadania.

Hoje no Brasil, apenas não podem votar quem não consegue expressar a sua vontade, o que não é o caso da maior parte das pessoas com deficiência. Contudo, ainda há uma série de questões práticas a serem enfrentadas para atingirmos efetiva igualdade democrática.

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As formas de organização estratégica para pressão aos parlamentares, o uso do poder judiciário e a transformação do pensamento popular continuam sendo as principais ferramentas para impedir retrocessos ou batalhar por progresso social na conquista por direitos.

Ainda há muito a ser feito em prol de uma sociedade democrática, participativa e inclusiva. Somente garantindo o direito ao voto a todas e todos, poderemos dizer que vivemos em uma comunidade na qual o exercício da cidadania é universal.


Referências

ALVES, Branca Moreira. “A luta das sufragistas” in HOLLANDA, Heloísa Buarque (org). Pensamento feminista brasileiro: formação e contexto. Rio de Janeiro, Bazar do tempo, 2019, p.49-63.

DUARTE, Constância Lima. “Feminismo: uma história a ser contada” in HOLLANDA, Heloísa Buarque (org). Pensamento feminista brasileiro: formação e contexto. Rio de Janeiro, Bazar do tempo, 2019, p.38.

VINÍCIUS, Márcio. História do voto no Brasil. Politize, 2017. Disponível em: <https://www.politize.com.br/historia-do-voto-no-brasil/>. Acesso em: 20 de fevereiro de 2021.


Luiza Andrade Corrêa é coordenadora de advocacy do Instituto Rodrigo Mendes. Mestre e Doutora em Direito, é responsável por produzir dados, informações e conhecimento que apoiem o avanço da educação inclusiva no país e garantir que essas informações sirvam para uma melhoria nas políticas públicas relacionadas à educação inclusiva.

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