Nove anos após sua criação, o DIVERSA ganha, neste aniversário de 04 de outubro, um papel ainda mais importante de apoio à resistência e à disseminação de boas práticas de educação inclusiva nas escolas comuns. Práticas que são e continuarão a ser implementadas por educadores comprometidos com a qualidade da educação brasileira, o respeito à constituição e a garantia dos direitos humanos.
Foto: Pat Albuquerque. Fonte: Instituto Rodrigo Mendes.
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Vivemos hoje um contexto político e educacional ainda mais desafiador do que em 2011, quando o número de estudantes público-alvo da educação especial matriculados em ambientes inclusivos da educação básica subia significativamente. O aumento do acesso de crianças e adolescentes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades a escolas comuns na última década decorre, principalmente, da ratificação da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, com equivalência de emenda constitucional, e, em seguida, da criação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), ambas em 2008.
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No artigo Diferenciar para incluir: a educação especial na perspectiva da educação inclusiva, publicado no primeiro ano do portal, Maria Teresa Mantoan esclarece o paradigma adotado pela Política, em consonância com a Convenção:
O propósito atual da educação especial é alinhar-se ao que preceitua a nossa Constituição, ao estender e aprofundar a compreensão do direito à educação pela internalização desses e de outros documentos internacionais dos que o Brasil é signatário. Mas não é tão fácil e palatável aos sistemas de ensino e aos que pleiteiam a educação especial na sua concepção excludente assumir essa virada de sentido da diferenciação.
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Ambientes inclusivos em crescimento
Por falar em virada, é também em 2008 que a taxa de matrículas em ambientes inclusivos (escolares regulares e classes comuns) ultrapassa a de ambientes segregados (escolas especializadas e classes especiais), um movimento que se acentua nos anos seguintes e chega a 87% das matrículas em 2019, conforme gráfico a seguir:
Número de matrículas de estudantes público-alvo da educação especial
Educação inclusiva como plano nacional
Poucos anos depois, em 2014 e em 2015, temos novos avanços na área da educação inclusiva. Primeiro com o Plano Nacional de Educação, que em sua meta 4 define que o Brasil deve universalizar o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado (AEE), conforme disposto na PNEEPEI e no Decreto 7.611, de 2011, preferencialmente na rede regular de ensino, a crianças e adolescentes de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades até 2024.
No artigo A educação inclusiva no Plano nacional de educação (PNE), publicado no DIVERSA um dia após a divulgação do plano, Luiz Henrique Conceição lembra:
Vale ressaltar que todos os documentos legais não são textos neutros, posto que trazem as marcas das tensões e disputas ocorridas até suas consolidações. (…) Fiz um resgaste da trajetória do texto da meta 4 que trata da educação inclusiva desde a proposta do Governo federal, criada a partir das discussões ocorridas na Conferência nacional de educação (Conae), até a discussão ocorrida na Comissão Especial para analisar o PNE.
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Reforço na legislação brasileira para a inclusão
Em 2015, a Lei 13.146, chamada de Lei Brasileira da Inclusão (LBI), e também conhecida como Estatuto da Pessoa com deficiência, chegou para reforçar os direitos à inclusão social e à cidadania das pessoas com deficiência. Em seu artigo A legislação federal brasileira e a educação de alunos com deficiência, Marta Gil comenta:
Em seu capítulo IV (a LBI) aborda o direito à educação, com base na Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, que deve ser inclusiva e de qualidade em todos os níveis de ensino; garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras.
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Reforço internacional para a verdadeira educação inclusiva
Também em 2015, outro documento internacional entrou para a lista de referências para o fortalecimento de valores e diretrizes que fundamentem a elaboração de leis, decretos e políticas cada vez mais inclusivas. Na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, criada durante a atualização dos Objetivos do Milênio (ODM), cujas metas estabelecidas para o período de 2015 até 2030 passaram a ser denominadas Objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS), vários dos pontos acrescidos contemplam pessoas com deficiência.
Falando especificamente de educação, o ODS 4 – Educação de Qualidade propõe aos países signatários “assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”.
Foto: Divulgação. Fonte: Plataforma Agenda 2030.A Declaração de Incheon, Educação 2030: Rumo a uma Educação de Qualidade Inclusiva e Equitativa e à Educação ao Longo da Vida para Todos, foi criada, ainda em 2015, para reafirmar “a visão do movimento global Educação para Todos, iniciado em Jomtien, em 1990, e reiterado em Dakar, em 2000 – o mais importante compromisso com a educação nas últimas décadas”.
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DIVERSA: Educação inclusiva na prática
Percebe-se, então, que os primeiros anos de vida do DIVERSA foram permeados por um contexto crescente de conquistas e avanços na garantia de direitos da pessoa com deficiência e no campo da educação inclusiva de forma geral.
Em resumo, vimos na última década:
- o aumento do acesso de crianças e adolescentes com deficiência que estavam fora da escola;
- o aumento das matrículas de estudantes com deficiência em ambientes inclusivos em detrimento de ambientes segregados;
- importantes marcos legais no Brasil e publicações internacionais que colaboraram para a consolidação do tema.
Neste período, o DIVERSA compartilhou 17 estudos de caso, mais de 50 materiais pedagógicos acessíveis, quase 500 notícias, 350 relatos de educadores e 200 artigos de especialistas da educação, que mostraram experiências exitosas de inclusão escolar e fomentaram a construção colaborativa de conhecimento no campo.
Possível retrocesso na história da inclusão
No entanto, o ano de 2020 trouxe inúmeros desafios para a educação, como a pandemia da Covid-19, que escancarou a necessidade de recursos acessíveis para o ensino remoto e de diálogo com as famílias para evitar a evasão de estudantes. Trouxe também a recém-lançada Política Nacional de Educação Especial, do atual governo federal, que, não sendo rescindida, representa um enorme retrocesso na história da educação inclusiva.
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Nos próximos anos, o compartilhamento de boas práticas da verdadeira educação inclusiva será ainda mais fundamental. E o DIVERSA continuará atuando na construção desta rede de educadores preocupados com uma educação brasileira de qualidade para todas e todos. Ainda há muito para conquistar. E para compartilhar!
Lailla Micas é jornalista pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e está há mais de dez anos no terceiro setor, atuando em gestão de projetos de educação. Faz parte da equipe do Instituto Rodrigo Mendes, coordenando o portal DIVERSA.
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