Ariel*, garoto com Síndrome de Down, chegou à Escola Municipal Mafalda Dalpra Matiusso, no município de Ibiúna (SP), aos sete anos de idade, em 2015. Na época, a unidade atendia cerca de 300 estudantes do ensino fundamental I e da educação infantil. Por estar localizada no bairro Votorantim, uma região com diversas fazendas, a escola costuma receber muitos filhos de trabalhadores rurais, que vivem em casas cedidas por seus patrões. Por isso é comum que os adultos trabalhem mais de oito horas por dia e que as crianças os ajudem.
Ao ingressar na unidade, o aluno fazia uso de fraldas descartáveis. Na hora das refeições, ele ficava muito agitado e queria comer tudo com as mãos, muito rapidamente. Era preciso que a auxiliar do professor e mais uma pessoa o ajudassem. Em geral, ele não tinha autonomia nas atividades da vida diária.
Sua higiene e coordenação motora eram precárias. Quase todos os dias era preciso dar banho e alimentar o garoto antes início das aulas. Além disso, ele andava com bastante dificuldade e não conseguia se equilibrar. Ele era pequeno e aparentava ter a altura de uma criança de quatro anos.
Situação familiar
Em sala de aula, a interação com o grupo era bastante tumultuada. Ariel era agressivo e se autoagredia quando estava com fome, dor ou era contrariado. A comunicação era difícil, pois ele não oralizava – apenas gritava e chorava constantemente. Um fato que nos chamou a atenção foi que ele não demonstrava vínculos, nem mesmo com os irmãos que estudavam em outras turmas da mesma unidade.
Por faltar com frequência, a escola chegou a notificar a família do estudante diversas vezes. Eles, porém, sempre apresentaram muita dificuldade em atender as demandas de cuidado com o garoto. Em visita domiciliar, a diretora, junto à equipe do Conselho Tutelar da cidade, constatou uma situação familiar de extrema vulnerabilidade. Além do pequeno, a família tem outros oito filhos.
Acolhimento e atuação em rede
A participação de parte da equipe pedagógica da escola no programa de formação em educação inclusiva DIVERSA presencial, do Instituto Rodrigo Mendes (IRM) em 2017, marcou um momento de virada em nossa relação com o estudante. Focamos o trabalho nas questões da socialização e do pertencimento, associadas ao atendimento à família. Apostando no acolhimento da criança, todos passaram a recebê-lo sempre com um beijo e um abraço. Gradativamente, as primeiras devolutivas de afeto e interação social foram surgindo.
Em sala de aula, o aluno, que estava com 10 anos e frequentava o 2º ano do fundamental I, começou a participar das atividades propostas pela professora e a turma o incluiu definitivamente. Já na sala de recursos multifuncionais (SRM), o atendimento educacional especializado (AEE) foi direcionado a questões de comunicação e adequação curricular.
Na hora de alimentar-se, ele começou a fazer uso do talher, a seguir regras e a identificar os profissionais da escola. Nos recreios, ele começou a interagir com os colegas e a aguardar comandos. Houve, também, uma significativa evolução motora.
Além desses avanços, com a atuação da gestão escolar na esfera familiar, foi dado início a uma intervenção em rede junto às áreas de Saúde, Conselho Tutelar, Educação e Assistência Social. Após diversas tentativas, o garoto e seus irmãos foram para a Casa da Criança.
Após o acolhimento, o garoto voltou a frequentar as aulas mostrando-se mais tranquilo, bem cuidado. E acima de tudo: feliz! Hoje, assistido de maneira adequada, as possibilidades de Ariel são maiores.
* Nome fictício para preservar a identidade do estudante
Projeto participante do DIVERSA presencial 2017.