Rede municipal de Peruíbe cria formação docente em educação inclusiva

Duas mulheres em uma apresentação, diante de dois telões, em uma sala cheia de educadores.
Curso reuniu profissionais de sete escolas da cidade. Foto: Enoa/IRM.
A formação continuada é de fundamental importância para a prática docente. E quando se trata de incluir os estudantes público-alvo da educação especial nas classes comuns, espaços onde os educadores possam compartilhar conhecimento e experiências são ainda mais valiosos. Nesse sentido, em 2018, nós, do Serviço de Educação Inclusiva e Atendimento Multidisciplinar de Peruíbe (SP), aceitamos o desafio de desenvolver e oferecer aos educadores da rede de ensino uma formação docente com foco na inclusão escolar.

A primeira turma do curso foi formada em abril e contou com a participação de educadores de sete escolas do município. Foram chamados não só os profissionais do atendimento educacional especializado (AEE) dessas unidades, mas também docentes de sala de aula comum, coordenadores pedagógicos, diretores, vice-diretores, supervisores de ensino e assistentes técnicos educacionais.

A escolha por participantes de perfil variado tinha um propósito: para que uma escola seja inclusiva, é fundamental que todos se envolvam. A direção garantindo a base para o desenvolvimento das ações, os coordenadores pedagógicos realizando o intercâmbio entre todos agentes escolares, os professores responsáveis pelas classes comuns e os profissionais do AEE trabalhando juntos em intervenções que favoreçam o desenvolvimento dos alunos… Todos são importantes.

Os estudos de caso

Antes do início presencial do curso, as equipes tiveram que discutir em suas escolas qual estudante representava o caso mais desafiador. Esse aluno passaria a ser o centro do estudo de caso da unidade ao longo da formação. A apresentação dessas situações particulares serviriam para disparar discussões relevantes para todos os cursistas.

No primeiro encontro, os grupos contaram como o processo de inclusão acontecia em suas escolas e apresentaram os casos escolhidos. Dessa maneira, foi possível perceber como cada unidade compreendia a inclusão escolar. De maneira geral, percebemos que a preocupação dos educadores gira em torno da conversa com a família, da preparação da sala para receber o estudante e da orientação aos profissionais que o atenderão.

Na dinâmica adotada na formação docente, os encontros intercalavam momentos de apresentação dos avanços de cada caso e debates sobre cada situação desafiadora envolvendo todas escolas a partir de referenciais teóricos que possibilitaram o aprofundamento das discussões. Ao longo do ano meses, conhecemos as seguintes histórias.

EMEF Álvaro Pereira Gaspar Filho

Caso escolhido: Isabela – 2º ano do ensino fundamental. Tem deficiência múltipla.

Segundo a equipe da escola, o maior desafio dizia respeito à comunicação. A família da menina é participativa e sempre contribuiu com ações para favorecer seu desenvolvimento. A aluna realiza os atendimentos da rede, mas os professores observavam poucos avanços. Devido a um resultado inconclusivo na avaliação oftalmológica, eles têm investido em estratégias de audiodescrição.

EMEF José Veneza Monterio

Caso escolhido: Leonardo – 9º ano do ensino fundamental. Tem deficiência intelectual.

Os educadores da José Veneza Montario relataram que têm dificuldade com relação à frequência do garoto e ao baixo envolvimento da família. Ao longo da formação docente, com o apoio de uma assistente técnica educacional, a escola começou a estreitar laços com a mãe e estava com expectativas de alcançar bons resultados. Porém, essa esperança se enfraqueceu quando Leonardo deixou de ir de vez às aulas. A equipe está tentando, via Ministério público (MP), trazê-lo de volta.

Grupo de educadoras reunido em uma sala de aula. Parte delas está sentada, outra parte está de pé diante de todas.
Encontros intercalavam momentos de apresentação dos casos e aprofundamentos teóricos. Foto: Arquivo pessoal.

EMEF Prefeito José Roberto Preto

Caso escolhido: Paulo – 2º ano do ensino fundamental. Tem Síndrome de Rubenstein.

Os cursistas da escola apontaram como desafio desenvolver a autonomia do estudante. Ele entende o que ouve, mas, ao falar, se expressa de forma confusa. Segundo os educadores, a família não acreditava em suas possibilidades de desenvolvimento e tinha dificuldades de prosseguir com acompanhamento médico adequado, por morarem em uma área de difícil acesso.

Durante os meses da formação docente, a escola trabalhou no controle da ansiedade e da impulsividade do aluno ao realizar tarefas, antecipando as atividades e propostas e passando comando mais precisos. Também foi trabalhada sua coordenação motora e comunicação.

EMEF Profª Delcélia Joselita Machado Bezerra

Caso escolhido: Juan Kaique – 4º ano do ensino fundamental. Tem paralisia cerebral.

O desafio apontado pelo grupo foi o de envolver o estudante nas atividades de oralidade. Outro ponto levantado foi a dificuldade de conquistar a parceria com o pai do garoto. Ao longo da formação, os educadores começaram a realizar mais atividades em grupo na turma de Juan como forma de estimular sua participação. A estratégia deu certo e o aluno começou a usar imagens e gestos para se comunicar, ampliando seu repertório e conquistando avanços importantes de aprendizagem.

EMEF Profª Adriana Aparecida Almeida dos Santos

Caso escolhido: João Vitor – 4º ano do ensino fundamental. Tem paralisia cerebral.

De acordo com os cursistas dessa escola, a criança não era bem aceita pela família que não se preocupava com seu desenvolvimento. O desafio era, então, junto ao Conselho Tutelar, conquistar a consciência dos familiares para a necessidade de cuidados de saúde e de higiene.

Apesar do estudante não estar matriculado no atendimento educacional especializado, a professora da área orientava a docente da classe comum. Juntas, elas iniciaram um trabalho de comunicação alternativa e começaram a identificar os sinais que o garoto faz quando compreende ou não uma mensagem.

EMEF Prof. Fernando Nepomuceno Filho

Caso escolhido: Moisés – 4º ano do ensino fundamental. Tem deficiência intelectual e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.

O desafio envolvia o desenvolvimento da linguagem verbal, da comunicação escrita (com apoio da tecnologia), da autonomia para se alimentar e da interação social de Moisés. Durante os meses da formação docente, os educadores da escola passaram a trabalhar com pranchas temáticas, ampliando as possibilidades do aluno participar de atividades junto com a turma.

EMEF Profª Rozangela Anunciada da Silva

Caso escolhido: Vitor – 3º ano do ensino fundamental. Tem autismo.

Neste caso, o desafio estava relacionado à socialização do aluno e ao entendimento das regras de convivência. Conforme relatou a equipe da escola, Vitor avançou na questão da interação social e começou a entender a importância das regras. Os educadores continuam com o investimento nas questões relacionadas ao currículo da área de matemática e à tomada de iniciativa durante os trabalhos coletivos.

Do “despreparo” à abertura ao novo

Duas mulheres estão diante de uma sala cheia de educadores.
Foto: Arquivo pessoal.
A oportunidade de estudar em grupo e de ouvir e fazer relatos enriqueceu o processo de pesquisa e investigação sobre educação inclusiva vivenciado durante a formação docente. Em vários momentos, fomos provocados a refletir e revisar conhecimentos que julgávamos já compreendidos. O medo de “não sabermos como fazer” e a imprevisibilidade dos resultados foram alavancas para buscarmos novos saberes e criarmos alternativas.

Nessa trajetória, aprendemos que somos todos diferentes. Por isso, não são os indivíduos que devem se adaptar ao meio, mas o meio que deve se ajustar para atender a todos. Todos os casos foram legítimos e evidenciaram que não há um caminho pronto quando falamos de inclusão. Precisamos assumir as singularidades como o ponto de partida para um caminho que só se faz quando começamos a nos mover. E refletir sobre essas práticas é condição essencial para continuarmos avançando.

Quanto mais conseguirmos quebrar barreiras, superar dificuldades de acessibilidade e mudar nossas atitudes, cada vez mais as pessoas com deficiência terão acesso e participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com os demais.

 

Este relato de experiência é fruto da participação dos autores na edição 2018 do DIVERSA presencial – formação para profissionais envolvidos com o processo de escolarização de estudantes público-alvo da educação especial em escolas comuns. Por meio de parcerias com secretarias municipais de educação, o projeto tem como objetivo contribuir com a ampliação de conhecimentos sobre a educação inclusiva a partir de situações reais e desafiadoras escolhidas pelos participantes.

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