Retorno das aulas no RS é marcado por alegria e grandes desafios

Educadores buscam retomar a rotina em meio à necessária reorganização das redes de ensino. Primeiras ações exigem acolhimento e planejamento para não deixar ninguém para trás

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“Estamos muito ansiosos e felizes para recomeçar as aulas. Foram três meses sem nossa rotina de sala de aula”, conta Caroline Balbinot, diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Assis Brasil, em Canoas (RS), antes de retomar as aulas presenciais no dia 5 de agosto. Na unidade, a água oriunda da enchente que devastou o estado no final de abril chegou a 2,5 metros, danificando o mobiliário, equipamentos eletrônicos e a estrutura das salas. Quase tudo foi perdido. Só conseguiram salvar alguns computadores e as bandeiras do Brasil e do Rio Grande do Sul, que a gestora fez questão de higienizar e guardar, como símbolo de resistência. 

A Assis Brasil tem 84 anos e sofria com os prédios antigos e deteriorados pelo tempo, por isso já tinha uma nova sede em construção. A obra foi finalizada para receber os estudantes após a enchente, e a equipe escolar abriu as portas em clima de esperança. “Recomeçar em um lugar diferente nos fortalece muito e ajuda a passar por toda essa tragédia”, afirma a diretora. Além da infraestrutura nova, a escola também vai contar com melhorias na acessibilidade, como uma plataforma elevatória e uma sala de recursos multifuncionais (SRM) maior. 

Os desafios, porém, são muitos. Além de acolher a todos, restabelecer os vínculos entre a equipe escolar e os estudantes e planejar como assegurar a aprendizagem de todas as turmas, gestores e professores precisarão se organizar para, junto com funcionários e alunos da Assis Brasil, dividir espaço com a comunidade escolar de outra instituição: a EMEF Ceará, que teve o prédio comprometido após as enchentes. Até a data da publicação, não obtivemos retorno da Secretaria Municipal de Educação (SME) a respeito do número de estudantes da EMEF Ceará ou do período em que compartilharão o mesmo local.  

Com tanta mudança acontecendo, as primeiras semanas devem ser dedicadas ao levantamento de informações e ajustes: quantos dos estudantes retornaram? Os alunos público-alvo da educação especial também voltaram? É preciso realizar busca ativa? Como as crianças e adolescentes retornaram? A organização prevista funcionou? Como está o desenvolvimento de cada um?  

A situação das duas escolas é um exemplo de quão complexa está sendo a retomada da vida escolar no Rio Grande do Sul (leia reportagem sobre o retorno às aulas de uma unidade da rede municipal de Eldorado do Sul). Dos 497 municípios do estado, 476 foram atingidos pelas enchentes. Trazendo o recorte da tragédia para a educação, segundo a União dos Dirigentes Municipais de Educação do Rio Grande do Sul (Undime-RS), 644 escolas municipais foram danificadas. Na rede estadual, esse número é de 600, conforme dados da Secretaria Estadual de Educação (Seduc-RS). As necessidades de reparo em cada instituição de ensino vão desde limpeza pesada até a reconstrução de prédios.  

Em Canoas, cidade da região metropolitana de Porto Alegre, 45% da população foi atingida (157 mil pessoas), segundo o Mapa Único do Plano Rio Grande (MUP). A SME informou que 41 das 83 escolas municipais foram diretamente afetadas pelas fortes chuvas. Mas as aulas de toda a rede foram paralisadas, já que as instituições de ensino que não foram inundadas serviram como abrigo. Até o momento, 47 escolas municipais retomaram as atividades. A previsão é de que as 17 EMEFs que faltam reabrir as portas consigam retornar as atividades presenciais gradualmente neste mês. Na educação infantil, as 19 EMEIs seguem fechadas até a segunda quinzena de agosto.  

Perda dupla: sem casa e sem escola 

As duas sedes da escola Assis Brasil ficam no bairro Mato Grande, nas margens do Rio Jacuí, em Canoas. As inundações afetaram toda a comunidade escolar, fazendo com que perdessem casas e a escola em horas. “Foi desesperador saber que meus alunos perderam dois lugares de referência e segurança”, conta Caroline, que vê o impacto negativo não só no aprendizado, mas também na alimentação e socialização dos estudantes.  

Rosane Adona Rossoni, professora do atendimento educacional especializado (AEE), estava na expectativa de rever os 42 estudantes com deficiência com os quais trabalha. “Perdemos tudo, não sobrou nada”, afirma a professora, que atua desde 2022 na Assis Brasil. Jogos pedagógicos, materiais didáticos, quadro branco, notebook e outros materiais adaptados para atender as necessidades de acessibilidade do público-alvo da educação especial ficaram submersos durante três semanas. “Estamos providenciando alguns materiais para poder dar sequência ao nosso trabalho”, conta. No primeiro momento, explica a professora, ela irá acompanhar os alunos com deficiência na sala de aula. Será preciso mapear o desenvolvimento e as necessidades de cada um. 

Durante os três meses nos quais a escola ficou fechada, Rosane ficou sem contato com os alunos, visto que todos foram atingidos pela enchente. Muitos ainda estão em lares provisórios ou mudaram de cidade para recomeçar a vida. Dos 32.568 estudantes da rede municipal de Canoas, 875 foram transferidos para outras cidades após os alagamentos. 

Enquanto a nova sede estava sendo preparada para receber os alunos, os professores da Assis Brasil foram redirecionados para outras instituições de ensino que serviram de abrigo para pessoas que perderam ou não podiam retornar para suas casas. Rosane, por exemplo, primeiro ficou em uma dessas escolas ajudando na distribuição de roupas e na organização do espaço para atender as pessoas desabrigadas. Quando a instituição foi liberada para retomar as aulas, ela permaneceu auxiliando as professoras e apoiando alguns dos alunos. “Depois fui transferida para outra escola, onde também ajudei as educadoras. Mas foi por apenas uma semana, pois fiquei muito doente e precisei me afastar”, relembra.   

Além de planejar o retorno das aulas, a equipe gestora ficou trabalhando no atendimento de mães, pais, responsáveis e estudantes para tirar dúvidas, orientá-los e, muitas vezes, ouvir seus desabafos.  

Em julho, os 490 alunos da Assis Brasil puderam retirar atividades na escola para fazer em casa. O Ministério da Educação (MEC) liberou os municípios gaúchos de cumprirem os 200 dias letivos, ainda sendo necessário cumprir as 800 aulas-hora. A SME de Canoas reorganizou o calendário escolar para reduzir ao máximo o número de dias letivos perdidos. Para isso, devem utilizar os sábados como dias letivos e oferecer atividades complementares para garantir a carga horária. 

Leia mais: Como fica o clima escolar após as enchentes no RS?

Investimento em reconstrução 

Olhar para a destruição das escolas gaúchas após as enchentes não é tarefa simples. É tudo heterogêneo. Cada cidade e cada escola têm uma realidade e uma demanda diferentes.  

Um dos principais desafios é reunir recursos financeiros para realizar os reparos necessários e garantir o retorno dos alunos. O MEC já transferiu um valor de R$ 7,6 mil diretamente para 6.067 escolas gaúchas, por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) Emergencial, totalizando um repasse de R$ 46,1 milhões. Mas a expectativa está nos R$ 72 milhões que o governo federal repassou para o Fundo Nacional de Educação, por meio da medida provisória nº 1.242. O montante será destinado à reforma de escolas públicas de educação básica do Rio Grande do Sul e será transferido com base no número de estudantes matriculados, de acordo com o Censo Escolar do ano anterior ao do repasse.  

Já o governo do Estado disponibilizou R$ 129,1 milhões para a reconstrução da rede estadual. Desse montante, R$ 40,3 milhões foram direcionados à recuperação de mobiliário escolar nas escolas afetadas, R$ 18,2 milhões para repasse extra de merenda escolar, R$ 19,1 milhões para obras em escolas atingidas, e R$ 51,5 milhões foram encaminhados como verba de autonomia financeira das escolas. Esses últimos têm sido utilizados em ações de reparo e custeio, como contratação de serviços de limpeza e compra de materiais.  

 

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