“Educação inclusiva é pleonasmo: todo processo de ensino deve ser inclusivo”

Lino de Macedo, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), analisa o contexto atual da educação inclusiva, os avanços necessários e os entraves vivenciados

Pesquisador na área de psicologia do desenvolvimento, aplicada à aprendizagem escolar, e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), Lino de Macedo acredita ser redundante a ideia de educação inclusiva.

Ele explica que a educação deve abarcar a todos: estudantes com deficiência, com dificuldades de aprendizagem, com defasagem em relação aos colegas, que têm problemas de convivência escolar ou que se sentem excluídos. “Para mim, educação inclusiva é pleonasmo: toda educação deve ser inclusiva”.

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Educação Inclusiva na Prática

Lino é um dos autores de um estudo de caso do livro “Educação Inclusiva na Prática”, lançado pelo Instituto Rodrigo Mendes em parceria com Editora Moderna e Fundação Santillana. O professor também escreveu um dos textos do prefácio da obra, que reúne estudos de caso e experiências educacionais inclusivas em diversas escolas do Brasil.

 

Lino está sentado em sofá. Ele tem cabelos grisalhos, está na faixa dos 60 anos e usa óculos com lentes arredondadas. Fim da descrição.
Lino de Macedo é pesquisador na área de psicologia do desenvolvimento humano. (Foto: Cecília Bastos. Fonte: USP Imagens)

O professor escreveu, em parceria com Rodrigo Mendes, o estudo de caso sobre a Escola Clarisse Fecury, instituição de Rio Branco (AC) que se tornou referência em educação inclusiva por proporcionar e garantir aprendizagem a todos os seus estudantes. Entre outras atividades, a escola oferecia aulas de Libras a todos os alunos para eliminar barreiras comunicacionais.

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Para ele, o livro conseguiu selecionar e apresentar casos significativos e atuais de construção de propostas inclusivas que podem inspirar outros educadores em diferentes contextos escolares.

No caso da Escola Clarisse Fecury, achei muito interessante a tomada de consciência das crianças que não tinham deficiência de descobrir a linguagem do gesto como uma forma interessante de contato entre os colegas.

“O ensino é coletivo; mas a aprendizagem, individual”

No entanto, Lino pondera sobre a falsa criação de protocolos na educação inclusiva. Ele explica que experiências de escolas e educadores devem servir de inspiração para a construção de estratégias pedagógicas, mas não como um modelo pronto e pré-definido.

Os educadores muitas vezes querem a segurança de objetivar e padronizar. Querem um protocolo que os tire do desafio da relação de ensino-aprendizagem num contexto que tem características específicas.

Para não cair nessa armadilha, Lino sugere que os professores “acreditem em sua capacidade de inventar possibilidades” e olhem para as potencialidades e repertório dos alunos: “eles te ajudam, te dão dicas e mostram do jeito deles os caminhos”.

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A primeira coisa a observar é que, embora o ensino seja para todos, cada um aprende de forma individualizada:

Na educação, se você coloca todo mundo num mesmo saco e tenta igualar a todos, o processo perde a alma e o potencial de relação humana.

Lino explica que a aprendizagem é como um texto: é feito para alcançar qualquer pessoa, mas o processo de leitura é individual. “Esse processo tem uma dimensão coletiva e outra que individualiza e particulariza”, considera.

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“Não podemos reduzir a pessoa à sua deficiência”

Dessa maneira, a aprendizagem deve ser pensada de forma a atingir o máximo da capacidade de cada aluno, de forma que alcance a todos, sem deixar ninguém para trás.

Em segundo lugar, no caso de estudantes público-alvo da educação especial, o pesquisador pede para que os educadores olhem para as competências e capacidades dos alunos.

Ele argumenta que, em muitos casos, os educadores dão destaque apenas para os impedimentos das crianças, o que não contribui para o desenvolvimento de sua aprendizagem.

Não podemos reduzir a pessoa à sua deficiência, não a enxergando como um ser humano com potencialidades. Precisamos mudar esse olhar.

O ótimo das possibilidades

Além de valorizar as potencialidades dos estudantes e entender que o processo de ensino é singular e, ao mesmo tempo, diz respeito a todos, Lino entende que o próximo passo é avançar em termos de garantia de aprendizagem para todos.

O que precisamos é adquirir recursos, metodologias, teorias, formas etc. de fazer com que as crianças possam alcançar o ótimo de suas possibilidades de aprendizagem. Isso vale para todos!.

Nas últimas décadas, o acesso de crianças, adolescentes e jovens com deficiência à escola comum foi ampliado. Segundo dados do Censo Escolar de 2018, mais de 90% dos alunos que são público-alvo da educação especial estão matriculados na classe comum.

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Contudo, para o pesquisador, o simples acesso ao mesmo espaço não basta para garantir o desenvolvimento e sucesso escolar para todos:

Ainda hoje a escola é direito de todos do ponto de vista de matrícula, mas em aprendizagem e de convivência ainda não chegou lá. Está no caminho, num bom caminho, mas ainda não é realidade.

Ele entente que, enquanto o sistema educacional privar estudantes do direito à aprendizagem, a escola estará excluindo: “se a escola ainda não sabe ensinar para todos, os estudantes com deficiência acabam ficando para trás”.

Construir uma escola para todos

Lino levantou um questionamento pertinente ao escrever “Ensaios pedagógicos: como construir uma escola para todos”. Na obra, o autor apresenta reflexões em favor de uma educação inclusiva na escola em sua perspectiva mais geral.

Em suas próprias palavras, ele tenta pensar a educação inclusiva não no sentido recortado e especializado, mas como um universo que se aplica a todos. A teoria de Piaget, como explica Lino, trabalha com o desenvolvimento daquilo que é direito de todas as crianças, daquilo que vale para todo mundo. Não como privilégio, mas como necessidade de desenvolvimento de todos.

Nesse sentido, aprender a conviver com as diferenças é outro desafio apontado por Lino para a construção de uma escola para todas e todos. O pesquisador argumenta que a ideia de classe homogênea e sem diversidade é um problema antigo.

Valorização das diferenças e o mito da homogeneização

No século passado, havia a concepção de que salas construídas por agrupamentos de características possibilitavam a facilitação do processo de ensino-aprendizagem. “Essa ideia de que a diferença prejudica e atrapalha é falsa”, argumenta o pesquisador.

Ele explica que separar as pessoas de acordo com suas características é tentador, porque parece uma solução fácil, mas o combate às diferenças é um pensamento simplificador.

Ele compara esse pensamento a uma discussão em que há divergência de ideias: “a tendência é arrumar um jeito de se livrar daquele que pensa diferente, pois o encontro entre iguais facilitaria as coisas”.

No entanto, embora um ambiente com divergências de ideias e de características seja mais difícil de lidar, a valorização da diversidade traz benefícios sociais e coletivos para todos, de acordo com o professor:

Se existe diversidade, há um ganho tanto individual, quanto coletivo. A classe com diferentes posições de pensamento é mais rica, mas também é mais complexa: ela exige uma atitude de respeito e de capacidade de crítica. Isso é mais sofisticado e complexo!.


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