14 filmes que retratam a deficiência como potência
Ao apresentar pessoas com deficiência em uma perspectiva anticapacitista, as produções colaboram para aumentar a representatividade e desconstruir estereótipos

Nas últimas semanas, se você navegou nas redes sociais ou acompanhou o noticiário, é bem provável que tenha se deparado com publicações e informações sobre cinema, principalmente por conta do sucesso de “Ainda Estou Aqui”, filme brasileiro dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres. Inspirado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, o longa foi indicado a três categorias no Oscar 2025 e, pela primeira vez, representará o Brasil na disputa pela categoria de melhor filme. A premiação é considerada a mais importante da indústria cinematográfica e acontece no dia 2 de março. O crescente interesse pelo audiovisual pode ser uma ótima oportunidade para que os educadores promovam reflexões sobre a importância da participação de pessoas com deficiência em produções da sétima arte.
Karla Garcia Luiz, especialista em Educação Especial e doutora em psicologia social pela Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), afirma que, embora “ainda seja comum vermos a deficiência retratada como tragédia, castigo ou infortúnio para alguém — uma lógica capacitista reiterada ao longo do tempo —, tem sido cada vez mais frequente encontrar obras que colocam a deficiência no lugar do comum, como uma característica humana, aproximando-se mais da realidade das pessoas que vivem a experiência da deficiência e dizendo à sociedade que somos, sobretudo, pessoas”.
Para ela, o cinema é uma ferramenta cultural que pode ser utilizada para provocar reflexões sobre como podemos nos transformar coletivamente para acolher e respeitar a diversidade humana. Afinal, ao retratar pessoas com deficiência em uma perspectiva anticapacitista, os filmes colaboram para aumentar a representatividade e desconstruir estereótipos. E, ao dar visibilidade a narrativas que muitas vezes são marginalizadas, essas obras ajudam a construir uma sociedade mais inclusiva. Além disso, possibilitam que pessoas com deficiência se vejam refletidas nas telas, fortalecendo sua identidade e senso de pertencimento.
Esses são alguns dos motivos que levaram o cineasta carioca Daniel Gonçalves a produzir filmes. Diretor e roteirista de “Meu Nome é Daniel” e “Assexybilidade” (mais informações abaixo), ele ressalta que é raro ver filmes feitos por pessoas sem deficiência que não sejam capacitistas, pois, em geral, essas obras apresentam narrativas que reforçam a imagem do coitado ou do super-herói. “Quando contamos as nossas próprias histórias, fugimos dos estereótipos nos quais geralmente pessoas sem deficiência nos colocam. Acho que o grande mérito de pessoas com deficiência que fazem os seus próprios filmes é justamente fugir desses dois lugares e mostrar que as nossas vidas são vidas como quaisquer outras”, frisa.
O pedagogo e influenciador digital Ivan Baron acrescenta que é recomendável assistir a filmes com personagens com deficiência que também sejam interpretados por atores e atrizes com deficiência. “Caso contrário, estaremos colaborando com o que chamamos de ‘cripface’, expressão que se refere à prática capacitista de atores sem deficiência interpretarem personagens com deficiência”, explica.
Para colaborar com essas reflexões, o DIVERSA pediu a um grupo de especialistas em educação e formadores de opinião, formado apenas por pessoas com deficiência, que indicasse filmes e documentários, em curta ou longa metragem, que retratam a deficiência como potência. Confira a seguir a lista completa.
“Híbrido entre documentário e animação, “A Diferença entre Mongóis e Mongoloides” parte da história pessoal do diretor, que tem um irmão – Tiago – e um tio – Cleber – com Síndrome de Down, e traça uma breve história dessa síndrome que aparece em um a cada mil bebês nascidos. O roteiro, a narração e a técnica de animação usadas no curta nos remetem ao clássico ‘Ilha das Flores’, de Jorge Furtado, e nos fazem pensar por que algumas pessoas são consideradas normais e outras não.”
“Um dos primeiros e mais premiados filmes brasileiros sobre deficiência, ‘A Pessoa é para o que Nasce’, apresenta a história de Regina, Maria e Conceição, três irmãs cegas que vivem em Campina Grande e cantam para receber esmolas. Com falas assertivas e contundentes e uma bela fotografia em película, o filme quebra vários estereótipos capacitistas em relação às pessoas cegas.”
“’Assexybilidade’ é um documentário brasileiro dirigido pelo maravilhoso Daniel Gonçalves. Indico este filme porque ele conta histórias sobre a sexualidade de pessoas com deficiência e ressalta o direito à sexualidade com uma pegada bastante anticapacitista.”
“A câmera de ‘Big Bang’, que enquadra tudo a partir da altura de Chico – personagem principal que tem nanismo, por si só já o torna imperdível, mas a atuação de Giovanni Venturini como um consertador de fornos faz jus aos vários prêmios de melhor ator que recebeu. ‘Big Bang’ tira a pessoa com deficiência e o corpo com nanismo do lugar de todos os estereótipos que o cinema em geral nos coloca.”
“’Colegas’ é um filme brasileiro muito interessante, pois conta a história de um grupo de jovens com Síndrome de Down que decide sair pelo mundo para realizar os seus sonhos. Isso gera uma grande confusão com os seus familiares, que ficam preocupados com o paradeiro deles. O longa foi premiado como melhor filme no Festival de Gramado de 2012.”
“Indico ‘Feliz Ano Velho’ porque é um filme clássico, bastante premiado, baseado no livro autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva, no qual ele conta as circunstâncias que levaram ao acidente que o deixou tetraplégico. Muita gente ‘esquece’ ou não sabe que o autor do livro que inspirou o filme ‘Ainda Estou Aqui’ é uma pessoa cadeirante. Dar visibilidade a isso é mostrar a potência criativa das pessoas com deficiência.”
“Daniel Gonçalves não sabia andar até os seis anos. Leva um tempo exasperante para fazer uma omelete, como ele demonstra. Quando, depois de várias tentativas, ele não consegue acender o gás, rindo, sai do seu papel e grita: ‘Corta!’ Neste documentário pessoal, Daniel explora precisamente o que é que está errado com ele. Sua deficiência física é óbvia, mas os médicos nunca conseguiram fornecer um diagnóstico. Ao passar por uma série de exames, ele traça uma imagem de sua vida hoje e relembra seu passado, auxiliado por uma vasta coleção de vídeos em VHS, para os quais às vezes fornece comentários, para explicar o contexto. Nós o vemos crescendo em uma família próxima, com uma mãe amorosa que constantemente se equilibra entre protegê-lo e dar-lhe espaço. Foi uma abordagem que o ajudou a fazer grandes conquistas. Por fim, o cineasta levanta uma questão interessante: que história ele teria contado se não fosse um homem heterossexual branco de um dos bairros mais ricos do Rio de Janeiro?”
“Baseado na história real de Mirco Mencacci, um renomado editor de som da indústria cinematográfica italiana, o filme narra a saga de um garoto cego durante os anos 1970. Ele luta contra tudo e todos para alcançar seus sonhos e sua liberdade. Mirco é um jovem toscano de dez anos, apaixonado por cinema, que perde a visão após um acidente doméstico. Uma vez que a escola pública não o aceita em razão da deficiência visual, ele é enviado para um instituto de cegos em Gênova. Lá, descobre um velho gravador e passa a criar histórias sonoras incríveis. A história emociona e faz pensar sobre as práticas pedagógicas petrificantes, além de quebrar estereótipos construídos sobre as pessoas com deficiência visual. Apresenta as mazelas de um ambiente segregado e a angústia dos pais, forçados a extirpar o filho do convívio social ao qual pertence. Em suma, o roteiro resgata o processo que decretou na Itália o fim das escolas especiais. Vale a pena conferir.”
“’Crip Camp’ é um documentário estadunidense muito interessante que conta um pouco sobre as reivindicações das pessoas com deficiência nos Estados Unidos, nas décadas de 1960 e 1970, relacionadas principalmente ao direito à sexualidade.”
“’37 Segundos’ é um filme japonês que traz a história de Yuma, uma jovem de 23 anos com paralisia cerebral que resolve tomar conta da sua própria vida e desbravar o mundo com autonomia e liberdade — inclusive sexual — para satisfazer seus próprios gostos e vontades. Este filme também traz questões sobre a superproteção de uma maternidade atípica, então vale muito a pena o debate.”
“’As Sessões’ é um dos meus filmes favoritos. Ele conta a história real do escritor Mark O’Brien, um homem de quase 40 anos que, em decorrência da poliomielite, teve paralisia total, exceto por sua cabeça. O filme é maravilhoso porque retrata o direito à assistência sexual. Além disso, recebeu indicações ao Oscar e venceu outras premiações.”
“Em ‘Gaby’, a protagonista é uma menina com paralisia cerebral descobrindo a sexualidade, principalmente durante a transição da adolescência para a juventude. Com isso, vem a superproteção da família e como esse diálogo se dá diante da sua necessidade de soberania pessoal. Os desafios enfrentados por essa personagem estimulam uma discussão importante sobre a sexualidade vivenciada por diferentes pessoas e, sobretudo, por aquelas com deficiência, que, para desenvolver autonomia, muitas vezes dependem da interação com outras pessoas, e como tudo isso se entrelaça ao processo de consciência do próprio corpo e da afetividade.”
“’Intocáveis’ conta a história de um aristocrata francês que, após ficar tetraplégico em decorrência de um acidente, contrata um cuidador para auxiliá-lo no dia a dia. Aos poucos, eles vão construindo uma relação de amizade e cuidado. O filme é interessante porque tem uma perspectiva bastante anticapacitista.”
“’Extraordinário’ questiona a lógica de recompensa que, muitas vezes, desafia os processos de inclusão, uma vez que as pessoas com deficiência são frequentemente subestimadas pela visão capacitista da sociedade. As visões do que significa bom desempenho escolar precisam ser ressignificadas se quisermos uma escola realmente inclusiva. Além disso, esse filme fala sobre a importância de valorizar as relações interpessoais.”