O Caso de Educação Física Inclusiva – Brasil

Introdução

A educação física nasceu associada a uma visão homogeneizadora do ensino, pautada pela busca do alto rendimento e pela competição. Esse modelo resultou na exclusão sistemática dos estudantes que não atingiam o desempenho esperado ou não se enquadravam no perfil físico buscado pelos educadores. Durante muito tempo, os estudantes com deficiência fizeram parte desse processo de exclusão, com exceção às atividades de educação física adaptada, as quais eram voltadas exclusivamente para esse público. Atualmente, estamos acompanhando o surgimento da educação física inclusiva que pressupõe a participação de todos os estudantes em uma mesma atividade. Essa proposta, alinhada com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), implica no entendimento das especificidades de cada aluno e na flexibilização de recursos e regras das atividades físicas. Isso envolve não só alterações nas práticas físicas existentes, como também a criação de novas atividades. O desenvolvimento desse novo paradigma pressupõe a eliminação de barreiras e a ressignificação dos objetivos da educação física.

Uma paixão que culminou na educação

Tentar estudar para conseguir atender a esses alunos tornou-se meu grande desafio de vida.

Assim se referiu Ana Paula Ruggiero ao seu primeiro contato com estudantes em um ambiente de ensino inclusivo. Tratava-se de uma aula de dança com 25 alunos, dos quais quatro eram surdos. Apesar da presença de uma intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras), houve muita dificuldade: “eles tinham que olhar para a intérprete e ao mesmo tempo acompanhar o restante do grupo. E aí a aula não fluiu”.

Desde criança, Ana Paula sempre considerou a dança como sua maior paixão. Seu pai, no entanto, obrigou-a a trilhar o magistério porque se preocupava com o futuro da filha e não queria que ela dependesse de ninguém. Sua escolha profissional pela educação física foi a forma que encontrou para conciliar sua vontade com sua necessidade.

Diante do desafio, Ana começou a pesquisar e a desenvolver uma metodologia que tem dado certo não só para os surdos, mas para todos os alunos.

Eu me reuni com um grupo de estudos formado por professores de dança e a gente começou um trabalho de discussão sobre arte-educação. Tive a chance de participar de uma vivência com uma professora que trabalhava com imagens. Experimentei aquilo no meu corpo, o que me tocou de tal forma que me fez repensar as aulas de dança. Comecei a trabalhar com leitura de imagens. O material era muito simples. Eu pedia que eles me trouxessem imagens de dança, botava numa caixa e aí a crianças brincavam com aquele material, independentemente de haver música ou não. Pedia, então, para eles construírem cenas de dança utilizando aquelas imagens. As crianças surdas participavam desse processo intensamente. Eles brincavam aprendendo.

Atualmente, Ana Paula leciona no Colégio Estadual Colemar Natal e Silva, escola pública de Goiás que tem se destacado na região em virtude de sua proposta inclusiva de educação.

Apesar da escola não ter uma infraestrutura adequada, a gente faz adaptações que são possíveis e vê resultados que são muito significativos na questão corporal dos alunos. E isso se reflete no cognitivo. É notável o que o movimento pode proporcionar ao indivíduo enquanto construção de sua história.

Histórico da educação física inclusiva

O esporte para pessoas com deficiência teve seu início após a Primeira Guerra Mundial, como forma de tratamento de soldados que adquiriram impedimentos permanentes. No final da Segunda Guerra Mundial, houve um novo impulso no seu desenvolvimento, principalmente a partir de tratamentos desenvolvidos no Stoke Mandeville Hospital, na Inglaterra. Nessa época, ainda persistia a visão do esporte como auxiliar ao tratamento médico. A partir dos jogos anuais desenvolvidos nesse hospital, o movimento ganhou força, culminando com a criação das primeiras Paralimpíadas, em 1960, na cidade de Roma. A Paralimpíada é um evento realizado logo após as Olimpíadas, do qual participam somente atletas com deficiência.

No Brasil, o esporte adaptado foi introduzido no final da década de 1950. A participação brasileira em eventos esportivos internacionais para pessoas com deficiência ganha expressão desde então, tendo o país alcançado o sétimo lugar na última Paralimpíada, em 2012, na cidade de Londres.

Edivaldo Prado, coordenador do projeto “Faça de um Deficiente um Atleta”, desenvolvido em Maracanaú (Ceará), conhece casos que ilustram a importância que o esporte pode representar para jovens com deficiência:

Nós temos o exemplo do Lucas Dourado, atleta que foi campeão nos Jogos Paralímpicos, no Brasil, com a natação. Ele era uma criança totalmente retraída. Se achava uma criança incapaz de se relacionar com outras pessoas. E começou a praticar esportes. Começou a ter a própria auto valorização, a olhar para dentro de si e se ver como uma pessoa com potencial. E daí, a sociedade que está no entorno dele o vê também como uma pessoa que pode ser um verdadeiro campeão, não só do esporte, mas um campeão da vida.

Essa evolução do esporte acabou influenciando também o ambiente da escola. Inicialmente, os estudantes com deficiência não participavam das aulas de educação física. Eram, muitas vezes, dispensados dessa disciplina. Para praticar atividades físicas, esses estudantes precisavam buscar alternativas em projetos específicos de educação física, como o projeto citado acima. “Nós fizemos do projeto uma extensão da escola. Mostramos para aquelas crianças que elas, além de ser estudantes, poderiam também ser atletas”, explica Edivaldo.

Os projetos de esportes adaptados são importantes para o desenvolvimento de atletas de alto rendimento com deficiência. No entanto, a educação física escolar está evoluindo para uma visão inclusiva, que pressupõe o convívio e a participação de todos os estudantes nas mesmas atividades. Essa visão se relaciona com as atuais convenções internacionais na área de direitos humanos. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, documento elaborado pela ONU e que tem valor de emenda constitucional, no Brasil, no parágrafo 5 (alínea d) de seu artigo 30, afirma:

Para que as pessoas com deficiência participem, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de atividades recreativas, esportivas e de lazer, os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para:

d) Assegurar que as crianças com deficiência possam, em igualdade de condições com as demais crianças, participar de jogos e atividades recreativas, esportivas e de lazer, inclusive no sistema escolar;

Eliana Lúcia Ferreira, professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), comenta essa visão:

Tínhamos uma escola que pensava em uma educação física que não considerava o aluno diferenciado. Depois tivemos a educação física adaptada, que permitia que esse aluno que tinha habilidades motoras pudesse ser um grande atleta. Mas a escola não é para grandes atletas. A escola é para todos. Temos que perceber que o professor de educação física não pode ser mais só professor de quadra. Esse professor tem que retomar a discussão dos princípios pedagógicos de cada atividade, e isso tem que ser discutido de uma maneira mais intensificada.

Em virtude da proposta inclusiva adotada pelo Colégio Colemar, Ana Paula tem tido a oportunidade de desenvolver suas aulas de educação física com grupos bastante heterogêneos. Há casos em que ela observa grande interesse de seus alunos pelo aprimoramento da prática esportiva, visando o alto rendimento. Nesses casos, Ana oferece apoio e encaminha seus estudantes para instituições que possam atendê-los:

Eles buscam o aperfeiçoamento fora da escola. Isso eu vejo em muitos alunos. Eles experimentam na escola e partem para uma especialização. Tem um lugar aqui próximo que oferece aulas de esporte gratuitas, e os alunos vão sempre para lá. Se matriculam e dão continuidade.

Modalidades da educação física

Para entendermos o contexto da educação física voltada aos estudantes com deficiência, devemos partir de uma área do conhecimento chamada educação física adaptada. Dentro dessa área, a práxis se divide em duas modalidades: a educação física adaptada, propriamente dita, e a educação física inclusiva.

Na modalidade educação física adaptada, os estudantes com deficiência praticam atividades físicas separadamente de seus colegas. Ou seja, não participam das mesmas atividades que os demais estudantes.

Na educação física inclusiva, todos participam das mesmas atividades propostas. Para isso, cabe ao professor planejar as aulas de acordo com as especificidades dos estudantes de cada turma.

A prática das duas modalidades requer a promoção da acessibilidade. Um ambiente acessível, que oferece iguais oportunidades de uso, proporciona a inclusão social e a valorização das diferenças, estimula o desenvolvimento de habilidades e valoriza as competências individuais.

Atualmente, o principal conceito ligado à acessibilidade numa perspectiva inclusiva é o de desenho universal. De acordo com esse conceito, o desenho de produtos, serviços e ambientes deve ser pensado com a premissa de permitir a utilização pelo maior número de pessoas possível, com as mais variadas características e habilidades, sem que haja a necessidade de adaptações ou desenho especializado.

Educação física adaptada

A educação física adaptada tem como objetivo o desenvolvimento afetivo, cognitivo e psicomotor dos estudantes com deficiência. No início, essa modalidade baseava-se na prática dos esportes adaptados, cuja origem são os esportes convencionais. Conforme já vimos, procurou-se permitir que pessoas com deficiência participassem de atividades esportivas.

Nesse sentido, foram criadas adaptações para alguns esportes, pensadas a partir de cada tipo de deficiência. Para as pessoas cegas, por exemplo, um dos esportes criados foi o “futebol de cinco”. Nessa atividade, as principais alterações são: o uso de bola com guizo e a participação de goleiros e chamadores sem deficiência visual, que têm o papel de orientar os outros jogadores. Como outro exemplo, podemos citar o basquete em cadeira de rodas, praticada por pessoas com alguma deficiência físico-motora. Nesse esporte, as cadeiras são adaptadas e padronizadas, conforme previsto na regra. A cada dois toques na cadeira, o jogador deve quicar, passar ou arremessar a bola.

Atualmente, existem várias outras atividades também pensadas exclusivamente para estudantes com deficiência e que integram a área da educação física adaptada.

Educação física inclusiva

A Educação física inclusiva tem como objetivo o desenvolvimento afetivo, cognitivo e psicomotor não só dos estudantes com deficiência, mas de todos os estudantes. O convívio é um fator fundamental para que esse objetivo seja atingido. De acordo com José Guedes, diretor do Centro de Atendimento Educacional Especializado Pró-labor, situado em Goiânia (GO):

A educação física tem primeiro que romper com o paradigma da educação física esportivista, seletista. É uma raiz que nós trazemos desde o regime militar. A educação física parte do princípio olímpico que é do mais forte, do mais ágil e do mais rápido. A pessoa com deficiência não se enquadra nesse perfil. Automaticamente, está fora. A pessoa acima do peso não se enquadra nesse perfil. A pessoa que não tem uma habilidade motora não se encaixa nesse perfil. Então você exclui uma série de pessoas. A aula de educação física inclusiva não vai ser um espaço de formação de atletas ou de equipes para disputar competições escolares. A educação física é um componente curricular onde, obrigatoriamente, todos os meus educandos devem desenvolver determinadas habilidades, inclusive habilidades motoras ou esportivas. Então, a aula de voleibol não vai ser para o mais alto ou o mais forte. Na aula de voleibol, todos meus alunos têm que praticar, vivenciar e sentir o voleibol. A aula de futebol, da mesma forma, não deve separar homens e mulheres. Todos têm que participar, independentemente da sua condição.

Ana Paula acredita que não devemos pensar a educação física só como esporte, mas como cultura corporal. Carmem Suzana Makhoul, assessora da Gerência de Educação Especial de Goiás, reforça tal visão:

Uma educação física, na perspectiva inclusiva, procuraria trabalhar conhecimentos da cultura corporal e não o desenvolvimento das aptidões físicas ou das habilidades motoras.

Essa modalidade dialoga com questões de direitos humanos, sendo orientada pela equiparação de oportunidades e respeito às diferenças. Além disso, compartilha a visão contemporânea de educação física que rompe com o foco no esporte competitivo. O horizonte da educação física inclusiva é, portanto, a educação física para todos.

A educação física e o cotidiano escolar

A interdisciplinaridade pode ser uma forma de tornar o ensino mais prazeroso e, ao mesmo tempo, de aprofundar questões importantes. Para se falar em um projeto interdisciplinar, é necessário que os educadores tenham a ousadia de ir além de sua própria área, buscando pontos de contato entre as diferentes disciplinas.

A educação física tem um grande potencial para a interdisciplinaridade. Para que isso aconteça, é importante que o profissional dessa área participe ativamente das discussões de planejamento pedagógico da escola. Cilma Maria dos Santos, professora de educação física da Escola Coração de Maria, em Goiânia, planeja suas aulas a partir de uma abordagem interdisciplinar:

Na terça feira, por exemplo, a professora do 4° ano B, me convidou para integrar a educação física com a aula de ciências. Nosso projeto vai explorar os três sistemas: o digestório, o circulatório e o respiratório. E aí nós vamos usar a educação física para o aluno se perceber. Quando você faz uma atividade como o polichinelo, por que a sua respiração fica tão ofegante? Penso que a educação física entra aí, ensinando ao aluno o ritmo cardíaco, a questão do transporte do oxigênio pelo sangue. Esta é uma função das ciências, mas que a educação física, na prática, consegue fazer o aluno perceber. Ele consegue colocar a mão no coração e ver que dentro daqueles 15 segundos na contagem da frequência cardíaca, o coração bateu mais acelerado. A gente trabalha de forma interdisciplinar.

Ana Paula busca também trabalhar de forma interdisciplinar, envolvendo os outros educadores da escola na concepção de suas atividades. Para isso, planeja suas aulas por meio de sequências didáticas que estabelecem o tempo e o espaço para cada atividade. A construção dessas sequências contempla a interação com a equipe pedagógica. Esse planejamento é pré-definido, mas pode ser alterado. A importância da prática interdisciplinar é enfatizada pela professora Eliana Ferreira:

E quando nós estamos pensando na educação física e nessa inter-relação, nós temos que pensar que os conteúdos precisam ser discutidos de forma integrada. Vou dar um exemplo: se nós estamos em uma aula de matemática e estamos aprendendo a somar, é importantíssimo que, nas aulas de educação física, o professor trabalhe com seus alunos a quantificação das atividades a serem desenvolvidas. Por isso, o projeto pedagógico escolar tem que ser rediscutido em parceria com todos os setores, partindo da realidade local, ou seja, respeitando a cultura daquele município.

Flexibilização de recursos e regras

A prática da educação física inclusiva requer a flexibilização de alguns elementos, como recursos e regras. Recursos são estruturas e suportes necessários para o desenvolvimento das atividades que compõem a educação física, tais como: equipamentos, infraestrutura espacial, equipe de apoio e intérpretes. Já as regras podem ser definidas como um conjunto de diretrizes, normas e procedimentos que definem os objetivos, as permissões e as restrições de uma atividade.

Um professor de educação física, ao avaliar os estudantes com quem vai trabalhar, pode precisar flexibilizar tanto as regras quanto os recursos que utilizará. Nesse sentido, podemos pensar num contínuo que vai desde nenhuma ou pouca alteração até uma transformação intensa das regras e recursos originais, conforme ilustra a matriz abaixo:

A matriz de flexibilização da educação física inclusiva tem como eixo vertical a flexibilização de recursos e como horizontal a flexibilização de regras. O quadrante inferior esquerdo indica uma flexibilização baixa de ambos os eixos (ou seja “não modifica os recursos nem as regras”); o quadrante superior esquerdo indica alta flexibilização dos recursos e baixa das regras (ou seja “modifica os recursos mas não as regras”); o quadrante inferior direito indica baixa flexibilização dos recursos e alta das regras (ou seja “modifica as regras mas não os recursos”); O quadrante superior direito indica uma flexibilização alta de ambos os eixos (ou seja “modifica os recursos e as regras”).
Matriz de flexibilização de regrar e recursos para uma educação física inclusiva.

Em certos casos, é possível que a turma de estudantes não necessite de nenhum recurso adicional ou modificação nas regras, conforme ilustra o quadrante inferior esquerdo da matriz. Em outros, o professor pode manter as regras da atividade, mas precisa diversificar bastante os recursos. Como exemplo, podemos citar um professor que queira trabalhar os conceitos e fundamentos do vôlei e tenha na turma um estudante surdo. Diante dessa circunstância, é necessária a participação de um intérprete de Libras capaz de eliminar a barreira da comunicação. Há, portanto, uma preservação das regras associada a uma flexibilização dos recursos. Esses casos se relacionam com o quadrante superior esquerdo da matriz.

É possível, também, que o professor modifique bastante as regras do jogo, sem alterar substancialmente os recursos (quadrante inferior direito) ou, dependendo das especificidades da turma, redefina tanto as regras quanto os recursos (quadrante superior direito). Num caso extremo, ele pode inventar um novo jogo ou atividade.

Ana Paula tem desenvolvido uma série de atividades de educação física no Colégio Colemar que ilustram a flexibilização de recursos e regras, de forma a permitir a plena participação de todos os estudantes em suas aulas. Como exemplo, ela comenta uma aula em que propôs aos seus estudantes a criação de um novo esporte. Para isso, dividiu a turma e pediu para que cada grupo inventasse uma prática que fosse baseada nos fundamentos do voleibol.

Será que é possível que, em grupos, vocês tentem criar um novo esporte usando esses fundamentos do vôlei, usando a rede, usando a bola? O que dá para ser construído?’ Eles acharam o máximo, mesmo porque, na história tivemos esportes que foram criados por professores de educação física. O que eu faço é criar momentos em que, juntos, eles possam pensar e repensar essas regras, a partir do que eles já conhecem, a partir da história do esporte que ele tem no seu corpo, na sua vida. E cada um traz um pouquinho do que conhece. Assim, constroem um jogo novo. Essa é a ideia. Às vezes eles criam um jogo que não dá certo, e aí trocam ideia na hora, ‘não, mas se fizermos assim; vamos fazer assim, vamos tentar de outra forma’. Isso é muito rico, isso é muito valioso para mim.

Faziam parte dessa turma estudantes surdos. Após ser perguntada sobre como garantir que a criação do novo jogo contemple as especificidades de cada estudante, Ana Paula explica que não é necessário explicitar essa questão aos alunos no momento em que apresenta a proposta da aula. Segundo ela, o fato de o estudante com deficiência participar do processo de invenção, por si só já garante que os recursos e as regras serão pensados de maneira a permitir que todos integrem a atividade:

É um jogo em que, naturalmente, todos vão ter acesso porque eu já tenho o aluno surdo ali, pensando junto com os outros, na hora da criação. A contribuição dele já está ali.

Outro exemplo de flexibilização de recursos e regras pode ser observado no relato de experiência de Júlio César Surian, educador da rede municipal de ensino de São Paulo:

A turma de 5ª série era numerosa, 40 alunos, extremamente agitados, com necessidades diversas (carências) e dificuldade de concentração. A aluna não tinha os membros superiores nem a mão esquerda, sendo a direita junto ao ombro, com três dedos apenas. Dificilmente deixava de participar das aulas de educação física, pois sua habilidade com os pés e com as pernas sobressaía aos demais alunos. As atividades eram organizadas de forma a possibilitar a sua participação, as regras, mudadas, e os exercícios, adaptados à sua deficiência. Sua maior dificuldade era jogar basquetebol, devido ao tamanho da bola e à deficiência na marcação. Mudei o planejamento: jogávamos com bolas menores e ela utilizava os pés para arremessar para o cesto.

Atendimento educacional especializado (AEE)

O atendimento educacional especializado (AEE) deve garantir os serviços de apoio especializado voltados a eliminar as barreiras que possam obstruir o processo de escolarização de estudantes com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades/superdotação. Esse atendimento é feito por meio de um conjunto de atividades, recursos pedagógicos e de acessibilidade.

As salas de recursos multifuncionais (SRM) são ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos para a oferta do atendimento educacional especializado. Sendo assim, essas salas são o local privilegiado para esse atendimento, porém não o único. Martinha Clarete Dutra, diretora de políticas públicas de educação especial do Ministério da Educação, oferece mais detalhes sobre o AEE:

Os sistemas de ensino, em conjunto com o Ministério da Educação, desenvolvem atualmente, no Brasil, uma série de políticas visando a inclusão escolar das pessoas com deficiência. Dentro desta perspectiva, a educação física no contexto inclusivo é uma das áreas contempladas por estas ações. Quais são estas principais ações? A primeira delas chama-se ‘salas de recursos multifuncionais’, que significa, exatamente, a disponibilização de um conjunto de recursos de tecnologia assistiva, de equipamentos e matérias didáticos acessivos destinados à organização e à oferta do atendimento educacional especializado.

A equipe pedagógica do colégio Colemar conta com uma professora de atendimento educacional especializado que oferece apoio aos demais profissionais, visando eliminar eventuais barreiras que possam prejudicar a aprendizagem dos estudantes com deficiência. Para isso, dispõe de uma sala de recursos multifuncionais cujo papel é servir como espaço de atividades específicas para esses alunos, no contra turno das aulas regulares.

Sonhos e desafios

Ana Paula vive um momento importante de sua carreira. Seu protagonismo na área da educação física inclusiva resultou em diversos reconhecimentos públicos e na divulgação de suas propostas pedagógicas em todo o Brasil. Essas conquistas alimentam seu desejo de aprimorar conhecimentos e avançar na sua trajetória como educadora.

Ana quer muito dar continuidade aos seus estudos e está em busca de oportunidades para cursar uma pós-graduação e publicar textos sobre sua experiência. Ao mesmo tempo, vislumbra a possibilidade de trabalhar em uma escola que disponha de infraestrutura e espaços adequados para o desenvolvimento de atividades no campo da arte e da cultura corporal. Seu sonho é, um dia, ser convidada para a formatura de um de seus alunos na área da educação física.

Como garantir que a educação física inclusiva, concepção ainda muito recente nas escolas, continue se desenvolvendo e rompendo barreiras? Como valorizar essa disciplina, zelando pela participação dos professores da educação física nas atividades de elaboração dos projetos políticos pedagógicos e nas demais reuniões de planejamento? Essas são indagações que Ana Paula compartilha com outros profissionais da área e que representam seus grandes desafios.

Notas

Esse caso foi desenvolvido a partir de depoimentos dos envolvidos. Os casos do projeto DIVERSA têm como finalidade ser utilizados por mediadores, em cursos de formação continuada, como base para discussões. Não servem, portanto, como endosso, fonte de dados primários ou de práticas pedagógicas efetivas ou inefetivas.

©Instituto Rodrigo Mendes. Licença Creative Commons BY-NC-ND 2.5. A cópia, distribuição e transmissão dessa obra são livres, sob as seguintes condições: Você deve creditar a obra como de autoria de Rodrigo Hübner Mendes, Augusto Galery e Luiz Henrique de Paula Conceição e licenciada pelo Instituto Rodrigo Mendes; é vedado o uso para fins comerciais; é vedada a alteração, transformação ou criação em cima dessa obra, a não ser com autorização expressa do licenciante.

Sobre os autores

Rodrigo Hübner Mendes, superintendente do Instituto Rodrigo Mendes, mestre no tema gestão da diversidade pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), onde atua como professor.

Luiz Henrique de Paula Conceição é graduado e mestre em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Atua no Instituto Rodrigo Mendes como pesquisador e coordenador do programa de formação em educação inclusiva.

Augusto Galery é psicólogo, mestre em administração, doutor em psicologia social e pesquisador em sociedade inclusiva. Foi coordenador do programa DIVERSA Pesquisa de 2011 a 2015.

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