Os muros da discriminação escolar

Há 22 anos, no dia 9 de novembro de 1989, caía o Muro de Berlim. O episódio serviu de marco simbólico para o fim da Guerra Fria, que dividia o mundo entre dois blocos antagônicos em busca de hegemonia. No aniversário de 20 anos desse evento histórico, ocorria em Berlim a primeira edição da conferência anual “Falling Walls”, uma iniciativa conjunta de diversas instituições alemãs com o objetivo de apresentar ao público geral como a ciência tem contribuído para enfrentar os desafios globais contemporâneos. Perceberam que a queda do muro, mais do que um episódio localizado no tempo, oferece também uma boa metáfora para inspirar a luta contra outros muros menos visíveis que ainda dividem nossa sociedade – os sócio-econômicos, culturais, naturais (para não falar dos muros de concreto que ainda sobrevivem).

Após acompanhar, no dia de ontem, a terceira edição da conferência, resolvi tomar emprestada a metáfora: quais muros faltam derrubar no sistema educacional brasileiro? Muitos observadores, recentemente, têm concentrado suas críticas ao que poderíamos chamar, por assim dizer, de muro do mau desempenho escolar, que prejudicaria a competitividade internacional e a sustentabilidade do crescimento econômico brasileiros. As escolas estariam falhando, em outras palavras, na maneira como preparam nossos alunos para o mercado, não transmitiriam as competências técnicas necessárias a qualquer bom jogador econômico. Essas circunstâncias comprometeriam nossas ambições de potência global.

Há um velho muro, porém, que continua a nos corromper de maneira mais profunda. Refiro-me ao muro da discriminação escolar, aquele que segrega e exclui alunos em razão de suas respectivas classes sociais, raças, gêneros, opções sexuais, habilidades físicas ou intelectuais e assim por diante. A discriminação perpassa todo o leque da diversidade humana e oprime os grupos que se encontram nas posições inferiores dessas várias hierarquias que construímos socialmente. A complacência com esse muro nos diminui e deixa de preparar nossos alunos para a democracia. As escolas, nesse caso, estariam falhando no desenvolvimento das competências morais necessárias para alimentar um regime político baseado na premissa de que todo indivíduo tem igual dignidade e merece ser tratado como tal.

A relação entre esses dois objetivos gerais da educação – o econômico e o político – nunca será estável e tranquila. Afinal, eles apontam, muitas vezes, para sentidos diversos (nas prioridades curriculares, nas estratégias pedagógicas, nos critérios de avaliação etc.) e precisam ser acomodados por meio soluções de compromisso. Não há, sem dúvida, fórmula única para alcançar um equilíbrio que funcione em qualquer tempo e lugar. Essa tensão, contudo, precisa ser constantemente vigiada para que nenhuma dessas dimensões seja esquecida ou suprimida.

O ideal da educação inclusiva participa desse projeto político. Vê na diferença não uma ameaça, mas uma oportunidade de amadurecimento moral de todos que participam desse processo. Pretende trazer para o mesmo ambiente de ensino estudantes que, por terem deficiência física ou algum grau de comprometimento intelectual, desafiam princípios pedagógicos que pressupõem homogeneidade entre os educandos. Radicaliza a diversidade da sala de aula. Não se trata de uma aposta inconsequente, nem de uma escolha ingênua e mal informada. Ao contrário, é produto de muitos anos de estudos e experiências concretas que salientaram as virtudes dessa prática. Passou a ser exigida, também, por normas jurídicas de todo tipo: dos tratados internacionais às legislações nacionais, das leis federais às estaduais e municipais, dos decretos às portarias.

Como em toda mudança social de grande porte, os envolvidos são colocados para fora de sua zona de conforto – os alunos (com deficiência ou não), os pais, os professores, as escolas e as instituições governamentais. É claro que resistências e novos tipos de conflitos surgem no decorrer desse processo. Transformações sociais significativas são sempre acompanhadas de riscos e consequências difíceis de se prever. Investigar, disseminar e submeter ao debate público casos concretos de educação inclusiva é uma estratégia prudente do DIVERSA para orientar esse processo de mudança. Não ignora nem subestima as dificuldades desse caminho, mas ajuda a diagnosticá-las e a enfrentá-las de modo refletido e consciente.

A promoção da igualdade na diversidade e da cultura de respeito à diferença é a grande contribuição política que a escola inclusiva pode dar para a democracia. É sob esse horizonte que escolas devem se reinventar. O desafio não é menos ambicioso do que esse.


Conrado Hübner Mendes é doutor em direito pela Universidade de Edimburgo (Escócia) e doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP). Foi Hauser Research Scholar da Universidade de Nova Iorque, fellow do Instituto de Estudos Avançados de Edimburgo e Yggdrasil Fellow do Christian Michelsen Institute, na Noruega.

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