A interdependência dos princípios da inclusão e da democracia

Para o consultor pedagógico Denis Plapler, a educação precisa ser inclusiva para ser democrática. Apenas assim poderá de fato garantir a participação do coletivo, sem exclusões de qualquer natureza

Em sala de aula, grupo de estudantes estão sentados em roda juntamente com jovens participantes do Rede Não Bate, Eduque durante momento de conversa. Fim da descrição.
Momento de escuta ativa em escola do Rio de Janeiro. Roda de conversa é conduzida por jovens participantes do Rede Não Bate, Eduque, do Criativos da Escola, projeto do Instituto Alana. Crédito: Acervo/Criativos da Escola

Compreender a educação como um processo individual e coletivo de produção de conhecimento e cultura exige de nós, educadores, uma reflexão a respeito das nossas ações cotidianas. Será que estamos contribuindo para a construção de uma sociedade mais democrática e inclusiva? 

Inclusão não se limita a garantir rampas de acesso, pisos adequados e portas amplas para a circulação de pessoas que utilizam cadeiras de rodas. Além de barreiras físicas, precisamos superar aquelas que passam pelas nossas atitudes, sem dúvida. Desenvolver um olhar sensível e um comportamento solidário é urgente se pretendemos, de fato, atuar por uma educação inclusiva. 

Em sua obra, o filósofo e pensador francês Michel Foucault (1926-1984) nos ajuda a entender como as instituições e autoridades das distintas épocas históricas atuam de forma a estabelecer padrões rígidos daquilo que é tratado socialmente como a norma, o normal, consequentemente definindo também aquilo que será tratado como doença, anormalidade ou loucura.  

Quando trazemos essa reflexão para a escola, compreendemos que ainda estamos distantes de abrir espaço para que toda a comunidade escolar, em especial os estudantes, possam se manifestar na pluralidade e na diversidade dos modos de ser e estar, sem que ninguém fique à margem dos processos. 

Quando nos relacionamos com estudantes com deficiência, por exemplo, precisamos evitar transformar os desafios educacionais cotidianos em assuntos médicos, que buscam apagar as diferenças, sem compreender que a diversidade é constitutiva da humanidade. Isso implica em rever nossas práticas e concepções na busca por estratégias que reconheçam e apostem no potencial de cada indivíduo. E também exige superar a crença de que todos os estudantes devem responder do mesmo modo e ao mesmo tempo às expectativas de ensino e aprendizagem impostas pela escola tradicional. 

Cabe, assim, lembrar a importância do vínculo entre os estudantes para o processo de ensino e aprendizagem na escola e para a construção de relações de tolerância e respeito. Por isso, na educação, os princípios da inclusão e da democracia são fatores completamente interdependentes.  

Gestão democrática e suas instâncias de participação  

Quando realizada de forma autêntica, a gestão democrática permite a participação e a construção coletiva, com a sua multiplicidade de vozes para promoção do sentido e da inteligência coletiva. É a convivência em espaços democráticos que nos ensina a levantar a mão para aguardar a vez de falar, reconhecendo e garantindo o direito de todas as pessoas à voz e à escuta, sejam estudantes, docentes, funcionários e familiares, não apenas a direção e a coordenação, mas todos os agentes envolvidos no processo. 

É a educação democrática que nos ensina a importância do diálogo para construção do conhecimento e do reconhecimento do outro. Ela exige romper com tudo que é autoritário, vertical e unilateral. Nos provoca a identificar não apenas o autoritarismo nos outros, mas em nós mesmos, de modo que aprendamos a nos autoavaliar antes de apontar, avaliar e dar nota para os outros.  

A construção de um projeto político pedagógico democrático nos exige romper com a hierarquia para nos relacionarmos com disposição autêntica para o diálogo entre iguais, independentemente de diferenças e divergências, reconhecendo a legitimidade das diversas formas de existir. Isso é o oposto do que ocorre nas relações verticais e hierárquicas tão vigentes em nossa sociedade, nas quais um manda e outro obedece.  

A assembleia escolar é um dos principais dispositivos pedagógicos da educação democrática, pois favorece a participação direta no lugar da representação. Os conselhos escolares são também uma das principais ferramentas para promover a gestão democrática nas escolas brasileiras. O Plano Nacional de Educação (PNE) destaca a importância desses espaços de participação da comunidade escolar, incluindo familiares, estudantes, professores e funcionários, na gestão das escolas.  

No entanto, segundo o relatório de acompanhamento da Meta 19 feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apenas 40,3% das escolas públicas brasileiras tinham, em 2022, colegiados intraescolares, como conselho escolar, associação de pais e mestres e grêmio estudantil. Há, portanto, muito a avançar para que a gestão democrática se efetive nas instituições de ensino.  

A educação precisa ser inclusiva para ser democrática. Apenas assim poderá de fato garantir a participação verdadeira do coletivo, sem exclusões e perversões de qualquer natureza. Para tanto, muitas vezes se fazem necessárias diferentes intervenções e estratégias pedagógicas para a superação de qualquer tipo de exclusão durante os momentos de convivência entre os estudantes e de realização das atividades que fazem parte dos processos de ensino aprendizagem.  

Assim, se queremos de fato construir uma cultura democrática e inclusiva, a nossa prática educativa precisa ser reflexiva. Para tanto, precisamos de inteligência pedagógica que jamais poderá ser artificializada, assim como o mar, o ar e as plantas, pois precisamos de um planeta vivo, de seres vivos, de gente viva, inteligente e capaz.

 

Sobre o autor

Homem branco, com barba e pigode ralos e camisa rosa. Fim da descrição

Denis Plapler é mestre em filosofia da educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), sociólogo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP) e bacharel em comunicação social pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Criador do Portal do Educador, trabalhou como coordenador pedagógico no Colégio Viver e no Projeto Âncora. Foi consultor e assessor pedagógico da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Ministério da Educação (MEC) no mapeamento de escolas inovadoras no Brasil. Foi supervisor de pesquisa e coordenador do Programa de Desenvolvimento Docente da Faculdade Getúlio Vargas (FGV). Atua como professor, consultor pedagógico, especialista em ensino-aprendizagem e pedagogias inclusivas, inovadoras e participativas. É diretor da Associação Janusz Korczak Brasil.  

 


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