Escola de Ilhabela aposta na relação escola-família para promover inclusão

Gestão democrática e trabalho colaborativo entre gestores, professores regentes e do AEE e profissionais de apoio escolar fortalecem confiança da comunidade

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Perdido. Essa é a palavra que Pedro Pereira Nunes usa para descrever como se sentiu ao receber, em 2020, o diagnóstico de transtorno do espectro do autismo (TEA) da filha Ana Sophia, quando ela tinha três anos de idade e frequentava uma escola de educação infantil em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo. “Até então, minha esposa e eu não fazíamos ideia de como era ser uma pessoa com TEA, não tínhamos informação e percebemos que nem mesmo na escola dela havia muita compreensão sobre como trabalhar com crianças com esse transtorno”, conta. 

Preocupados com o desenvolvimento da filha, Pedro e sua companheira, Elaine Maria da Silva Nunes, foram orientados pelos profissionais da escola a procurar o atendimento educacional especializado (AEE), conhecido na ilha como atendimento municipal de educação especial e inclusiva (Ameei), ofertado na escola ao lado, a Escola Municipal (EM) Prof. José Antonio Verzegnassi.  

“Fomos até lá e conversamos com a professora do Ameei para explicar as dificuldades de Ana Sophia. Contamos que ela não gostava de falar com outras pessoas e, quando insistíamos, ela começava a machucar a si mesma, o que nos preocupava muito”, relembra. “O que encontramos foi uma escola disposta a nos ajudar, tanto que já no primeiro mês de atendimento vimos mudanças muito significativas em Ana Sophia. Antes disso, era muito difícil ela interagir com alguém.”  

A chegada de Ana Sophia ao Ameei da EM Prof. José Antonio Verzegnassi, há quatro anos, coincidiu com os primeiros passos de um projeto que, para Pedro e Elaine, faria toda diferença para compreender os desafios e as potencialidades da filha ao longo do seu processo de escolarização: o “Chá com famílias na escola”.  

Raio-X da escola  

A EM Prof. José Antonio Verzegnassi foi inaugurada em 2005 no bairro Água Branca, em Ilhabela (SP), e sua infraestrutura contempla dez salas de aula, sala de leitura e biblioteca, laboratório de informática, sala de recursos multifuncionais (SRM), refeitório, parquinho e quadra de esportes.  

Por estar localizada na região central da ilha, a escola atende estudantes que vivem em pelo menos seis bairros periféricos, sendo que a maioria utiliza transporte escolar. Ao todo, 384 estudantes estão matriculados do 1º ao 5º ano do ensino fundamental. Desses, 34 são público-alvo da educação especial.  

Desde 2011, a unidade oferece Ameei, que atualmente é realizado por três professoras, de modo que sempre há duas por turno: manhã e tarde. Dois agentes de inclusão (como são nomeados os profissionais de apoio escolar) são responsáveis por auxiliar, quando necessário, alunos com deficiência em atividades de alimentação, higiene, locomoção e comunicação.  

Além da diretora e da coordenadora pedagógica, o quadro de profissionais é composto por 19 professores regentes, seis específicos (arte, inglês e educação física), dois da sala de leitura, quatro estagiários, nove monitores, três funcionários da alimentação escolar e seis da limpeza. 

Chá com famílias: acolhimento e parceria  

A iniciativa, idealizada pela diretora Bruna Maia e pela professora do Ameei Cássia Aparecida de Castro Dedate, surgiu em meio à pandemia de Covid-19 com o objetivo de acolher, a partir de rodas de conversas mensais, pais e responsáveis por estudantes com deficiência, uma vez que o público-alvo da educação especial foi um dos mais impactados pelo ensino remoto — como mostra a pesquisa Educação não presencial na perspectiva dos estudantes e suas famílias, realizada pelo Datafolha com pais e responsáveis de alunos da rede pública, a pedido do Itaú Social, da Fundação Lemann e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com apoio do Instituto Rodrigo Mendes (IRM).  

Bruna conta que antes da pandemia, quando era coordenadora pedagógica da escola, já esboçava um projeto que visava o acolhimento de famílias de estudantes em situação de vulnerabilidade e que até chegou a realizar um encontro promissor. “Sempre fomos uma escola aberta à comunidade, para tentar entender as necessidades e refletir como ajustar algumas ações, sempre por meio do diálogo. Mas sabemos que nem todas as famílias procuram a escola”, lembra. “Então veio a pandemia, um período marcado justamente pela necessidade de, mais do que nunca, ir atrás dessas famílias e dessas crianças”, lembra. 

Foi no começo de 2022, com os desafios impostos pela pandemia, que o projeto de fato nasceu e ganhou corpo, nome e espaço na comunidade escolar. O que também contribuiu para isso foi a chegada de Cássia como professora efetiva do Ameei, já que, até então, os professores que atendiam na sala de recursos multifuncionais (SRM) eram contratados e a rotatividade prejudicava a construção de uma iniciativa contínua. “Não conseguíamos pensar a longo prazo sabendo que logo aquele profissional iria sair”, diz.  

“Muitos gestores falam que precisam trazer as famílias para dentro da escola, até como um jargão, e precisamos mesmo fazer isso com todas elas. No entanto, naquele momento, percebemos que mães, pais e responsáveis de estudantes com deficiência estavam necessitando de uma atenção específica por terem ficado, em muitos casos, mais distantes da escola durante a pandemia”, explica Bruna.  

O acolhimento foi o que motivou a escolha do nome “Chá com famílias na escola”. O chá traz a ideia do ‘quentinho’ que acalma, de um momento para parar e respirar e, no nosso contexto, de trocar com os pares e ver que, muitas vezes, as dificuldades e alegrias de um também são as de outros”.  

Para a primeira roda, Bruna e Cássia convidaram uma psicóloga que era mãe de uma aluna da escola para mediar uma conversa com as famílias sobre “o filho ideal e o filho real”. A diretora reforça que, desde o primeiro encontro, o formato se consolidou como uma roda de bate-papo não é uma palestra, não tem apresentação em PowerPoint nem distribuição de panfleto. “Nos sentamos em círculo, e quem tem vontade pode compartilhar suas experiências. Disso vão surgindo trocas muito interessantes”, enfatiza.  

O formato deu tão certo que o público do segundo encontro foi maior e contou com a mediação de dois médicos, também pais de alunos, e a participação de vários profissionais da escola. Com a divulgação nas redes sociais, os encontros seguintes superaram as expectativas com a presença de familiares de estudantes e educadores de outras escolas de Ilhabela, além de profissionais de diferentes áreas. Com trocas cada vez mais significativas, não demorou para que o chá se firmasse como um dos momentos mais aguardados pela comunidade escolar. 

Com os encontros, outras demandas das famílias também entraram na pauta. Bruna conta ser comum, por exemplo, a equipe escolar entrar em contato com outras áreas, como a da saúde, para buscar orientações sobre como acessar os serviços dos quais os estudantes precisam. Ela reconhece que esse processo nem sempre é rápido, mas os educadores fazem o que é possível. “Entramos em contato e descobrimos qual é o procedimento. Em seguida, orientamos a mãe sobre o que ela precisa fazer”, explica. 

“Vi que eu não estava só” 

Pedro, que trabalha na ilha como marinheiro, esteve presente em todas as reuniões do Chá com famílias, desde o início do projeto. A filha Ana Sophia ainda frequentava a educação infantil, na escola vizinha, quando ele e Elaine foram convidados para os encontros, realizados em uma terça-feira de cada mês, das 18h30 às 20h30.   

“Comecei a frequentar o chá porque eu vou participar de tudo o que puder contribuir para que eu possa cuidar melhor da minha filha. Para mim, é muito importante me inteirar de tudo que esteja relacionado a ela. Então, a iniciativa da escola me despertou um grande interesse em acompanhar as rodas de conversa, especialmente por ter tantas pessoas e profissionais de áreas diferentes, pois cada encontro traz experiências e aprendizados novos”, frisa. Hoje, Ana Sophia, com sete anos, cursa o 1º ano do ensino fundamental, e este é o seu primeiro ano na EM Prof. José Antonio Verzegnassi. 

A agente comunitária de saúde Marília Limeira de Oliveira Luna, mãe de Yuri, de dez anos, também encontrou no “Chá com famílias o acolhimento que buscava para compreender melhor o filho, uma criança com TEA. “Antes [da criação do projeto], eu ia na sala da diretora Bruna mais para chorar, no sentido de dizer: ‘Socorro, meu filho não está evoluindo’. Então, quando o chá surgiu, tirou de mim essa ansiedade, porque vi que outros pais passavam pelas mesmas situações e tinham as mesmas dúvidas que eu. Isso me fez ver que eu não estava sozinha”, observa Marília. Ela conta que as trocas têm colaborado com o seu trabalho na área da saúde.  

A dona de casa Santa Silva Rezende tem uma visão parecida. Ela começou a frequentar as reuniões neste ano e garante que isso tem ajudado a reconhecer os avanços do filho Bruno, uma criança de quatro anos com Síndrome de Down. “[Participar do chá] é muito gratificante porque consigo ver a evolução do Bruninho dia após dia. Ele não sabia montar pecinhas de brinquedo, e agora sabe. Também está aprendendo a definir as cores. São pequenas coisas, mas muito significativas”, comenta ela, que tem outros dois filhos matriculados nos anos iniciais do ensino fundamental da EM Prof. José Antonio Verzegnassi. Bruno frequenta a educação infantil na unidade ao lado e é atendido pelo Ameei — como foi com Ana Sophia. 

Para a professora Victoria Cristina de Souza, que acompanha Ana Sophia na sala comum, a relação entre a família dos estudantes e a escola é refletida no dia a dia da sala de aula e no desempenho escolar. “É uma relação fundamental e isso fica muito claro no cotidiano, no vínculo que o aluno tem — ou não — com a escola. Percebo que, quando os pais ou responsáveis participam da vida escolar da criança, o estudante dá mais importância e significado ao que está aprendendo, como é o caso de Ana Sophia”, comenta a educadora. 

Gestão democrática: um chá para todos 

Em uma rápida busca na internet é possível encontrar várias formas de preparar um chá: infusão e decocção são duas das mais conhecidas. Mas o que é necessário para preparar um chá com famílias na escola? Os ingredientes básicos envolvem gestão democrática, planejamento e muito trabalho em equipe. No caso da EM Prof. José Antonio Verzegnassi, o olhar pedagógico da diretora Bruna pode ser considerado o toque especial da receita.  

Natural de São Sebastião, cidade de onde parte a balsa para Ilhabela, Bruna começou sua trajetória profissional há 20 anos, na própria EM Prof. José Antonio Verzegnassi, onde foi professora da educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental. Outras escolas e vivências vieram, e há sete anos ela voltou — com uma vasta bagagem — ao lugar de início. Dessa vez, para ser coordenadora pedagógica, posto que ocupou até 2020. De lá para cá, ela conta com sua experiência de sala de aula para conduzir a gestão ao lado da coordenadora Natália Ruiz e, assim, não ficarem limitadas ao contexto administrativo.  

“A nossa ideia sempre foi colocar a escola em uma posição de aprendizagem, afinal, a escola não sabe de tudo e também precisa aprender. Quem mais sabe a respeito dos estudantes são seus familiares. Por mais que a gente leia livros, faça formação, tenha exemplos e siga outras referências, é a família que conhece a criança. É essa relação de confiança que a gente precisava estabelecer”, afirma Bruna.  

Natália, por sua vez, acredita que o objetivo foi alcançado. “A relação atual da escola com as famílias dos estudantes é de vínculo afetivo e de confiança, amorosidade e respeito. Mães, pais e responsáveis que participam do chá, e das reuniões gerais de pais, se sentem à vontade para nos trazer qualquer questão, sem melindres. Hoje construímos uma parceria com a qual conseguimos colaborar em diferentes situações pelas quais eles estejam passando”, reforça.  

A coordenadora está no cargo desde 2023, mas, antes disso, teve uma breve passagem pela escola entre 2019 e 2020, quando atuava na coordenação ao lado de Bruna. Ela conta que há três anos foi coordenadora pedagógica de uma escola de educação infantil, enquanto o “Chá com as famílias” já alcançava os primeiros resultados. “Como gestora da outra escola, cheguei a visitar a Verzegnassi algumas vezes com as crianças para que conhecessem o espaço. Isso ajudou na transição da educação infantil para o ensino fundamental, pois eu indicava a escola para as famílias, principalmente para aquelas com crianças com deficiência que iriam começar o 1º ano, devido ao trabalho inclusivo”, relata

Ela ressalta que a parceria e a confiança que encontra em Bruna fazem toda a diferença para que hoje a escola alcance bons resultados. “Costumo dizer que a gente ‘se fala no olhar’ e que eu tenho uma ‘diretora pedagógica’ que, em todos os aspectos, entende e visualiza a escola nos dois ângulos: pedagógico e administrativo”, afirma Natália. “Isso contribui para que eu consiga garantir a aprendizagem efetiva dos alunos, porque ela compreende meus apontamentos e necessidades com facilidade. Desenvolvemos funções complementares que, quando bem articuladas, podem otimizar o funcionamento da instituição. Como diretora, ela me oferece o suporte necessário e me proporciona autonomia e recursos para que eu coordene as atividades pedagógicas de forma eficiente”, complementa.  

Vale pontuar que, além dos encontros do chá, a escola promove outras seis reuniões para pais e responsáveis de todos os estudantes: no começo do ano letivo, ao final de cada bimestre e, por fim, no encerramento das atividades escolares. “Normalmente, as famílias que vão ao chá participam de todas as reuniões”, comenta Bruna. Há também encontros periódicos do conselho escolar e da associação de pais e mestres, nos quais a participação é menor, segundo a gestora. Elas frisam que, sempre que necessário, convocam reuniões extraordinárias.  

Formação contínua fortalece inclusão 

O compromisso de oferecer educação inclusiva de qualidade faz parte do projeto político-pedagógico (PPP) da escola, que prevê formação contínua para todos os profissionais. Segundo as gestoras, uma vez por mês as professoras do Ameei realizam formação com monitores, estagiários e profissionais de apoio — que em Ilhabela são chamados de agentes de inclusão —, sempre acompanhados pela gestão. As formações seguem o formato do chá, uma roda de conversa, geralmente na mesma semana em que o encontro com as famílias é realizado no período noturno.  

O resultado disso é uma equipe alinhada ao mesmo propósito: não deixar nenhuma criança para trás. “Às vezes há o entendimento da família de que ‘no dia que tiver funcionário, meu filho vai para escola, e no dia que não tiver, eu tenho de me virar para ficar com ele em casa’. Mas, aqui, nenhuma criança deixa de vir para escola porque ‘hoje o profissional de apoio escolar ficou doente e faltou’. A escola tem de se adaptar para atender essa criança, e não o contrário”, observa Bruna.   

“É o que a gente sempre fala aqui: quando a criança passa do portão para dentro, ela é responsabilidade de todo mundo da escola”, afirma a monitora Mircea da Silva Souza, que há 11 anos trabalha na educação, quatro deles na EM Prof. José Antonio Verzegnassi. Formada em pedagogia com pós-graduação em inclusão, ela reconhece a importância das formações ministradas pelas colegas do Ameei e das trocas entre os profissionais da escola para a inclusão de todos os estudantes. “Nós trabalhamos juntos. A criança não é do professor ou do cuidador. A criança é de todo mundo, do profissional da limpeza e da merendeira, do porteiro, e todos nós precisamos ter esse olhar”, completa.  

As formações dos professores regentes, por sua vez, ocorrem no horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC), uma vez por bimestre. Os temas são definidos pelas professoras do Ameei a partir das necessidades identificadas previamente junto aos colegas. Outros momentos formativos, realizados semanalmente, são conduzidos pela coordenadora Natália ou pela Secretaria Municipal de Educação (SME), que promove algumas capacitações com os profissionais do Centro de Apoio Pedagógico de Ilhabela (Capi) em diversos temas que abordam a educação especial.

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Articulação entre regentes e AEE  

Um dos papeis da coordenação pedagógica é assegurar a articulação do trabalho dos profissionais do AEE com os professores regentes, o que é crucial para garantir que estudantes público-alvo da educação especial avancem dentro e fora da sala de aula. Na escola de Ilhabela, isso tem acontecido naturalmente entre os educadores, segundo Natália. “Estou sempre mediando a relação, mas, na maioria das vezes, eles mesmos procuram uns aos outros para trocar ideias e buscar soluções, pois têm autonomia para isso”, afirma a coordenadora. Uma vez por semana ela se reúne com as professoras do Ameei e, quando necessário, convida professores regentes para a conversa.   

Essa relação de parceria entre os educadores se deve também ao papel desempenhado por Cássia, uma vez que sua chegada como professora efetiva alavancou o trabalho da educação especial na EM Prof. José Antonio Verzegnassi. Com 30 anos de carreira na educação, ela coleciona experiências: já foi professora de educação infantil, ensino fundamental e educação de jovens e adultos (EJA) e coordenadora pedagógica. Atualmente é formadora da rede de São Sebastião e professora do Ameei em Ilhabela. 

“Durante toda a minha trajetória, trabalhei com estudantes com deficiência. Por isso, sempre tive um olhar voltado para a inclusão. Como já tinha formação continuada em educação especial, era um desejo trabalhar com a modalidade, o que foi possível a partir de 2020”, conta. Assim como na carreira de Bruna, a bagagem de Cássia tem sido essencial na construção de uma educação inclusiva. “Quando cheguei à Verzegnassi, primeiro procurei entender o que era inclusão para cada um, pois a maioria das pessoas tem aquela ideia de que todo mundo tem de ser tratado igual. Iguais são os direitos, mas é preciso considerar que cada pessoa tem as suas particularidades”, comenta.  

Ao passo em que foi conhecendo a comunidade escolar, a educadora traçou o trabalho com o apoio da gestão, inclusive planejando as ações do “Chá com as famílias”. Esse “reconhecimento do território” foi importante para ajudá-la a estabelecer uma boa relação com os professores regentes. Cássia conta que sempre reservou momentos do HTPC para que os colegas regentes a procurassem quando sentissem necessidade. “Mas não é todo mundo que procura. Percebi, então, que eu tinha de contar o que era o Ameei e como era o trabalho que estava fazendo. Sentia que precisava desmistificar o entendimento geral e dizer: ‘Gente, o Ameei não é sala de reforço’. Foi quando montamos um planejamento para que todos conhecessem melhor o nosso trabalho”, recorda.  

Atualmente, Cássia atua ao lado das também professoras do AEE Paula Macchione Saes e Miriane Alves, que estão na escola há pouco mais de um ano. Juntas, elas planejam ações em parceria com os professores regentes, com atividades que incluem jogos voltados para alfabetização, brincadeiras e música, de acordo com as necessidades de cada turma. Com as de 1º ano, por exemplo, as educadoras promovem, uma vez por semana, uma roda de música com cantigas e parlendas. O momento surgiu após conversa com os professores das turmas de alfabetização, que apontaram a dificuldade de alguns estudantes na fala e em questões relativas a memória, vocabulário e coordenação motora global.  

Elas garantem que os desafios do trabalho são muitos, mas acreditam que estar em uma escola com uma proposta inclusiva tem sido determinante para o avanço de todos os estudantes.  

“As trocas dependem muito do perfil do professor, pois alguns são mais parceiros que outros na hora de fazer um trabalho em conjunto. Sempre que a gente ou eles precisam, estamos em contato, conversando sobre as crianças. No geral, a escola é muito aberta ao diálogo e às trocas, e isso é maravilhoso”, enfatiza Paula.  

Uma dessas parcerias é com o professor Leonardo Duarte Salomão, responsável por uma turma de 3º ano. Além de enxergar o plano educacional individualizado (PEI), elaborado pelas professoras do Ameei, como um documento que ajuda a nortear o trabalho pedagógico na sala regular, ele conta que está em articulação com as colegas, a depender da necessidade. “Por exemplo, um dia o meu aluno com TEA teve uma crise, e, junto com o pessoal do Ameei, traçamos uma estratégia para lidar com o momento dele, conversando e acolhendo o que ele estava sentindo. É um trabalho constante e muito natural para nós”, diz ele, que também é uma pessoa com TEA.  

Para a professora Maria Augusta Marques, que dá aula para uma turma de 5º ano com três estudantes com deficiência, a relação com as colegas do Ameei é de confiança. “Apesar de haver momentos do nosso HTPC que são destinados a essa troca, sempre que preciso bato na sala de recursos e elas também falam comigo. Essa articulação faz toda a diferença porque é por meio dela que alinhamos as estratégias para trabalhar com as crianças”, afirma. 

Trocas evidenciam avanços 

Victoria, que acompanha Ana Sophia no 1º ano, diz ser frequente o diálogo com Miriane, que é a professora que atende a pequena no Ameei. “Aproveitamos toda ‘janelinha’ de tempo para trocar informações do tipo: ‘Olha, Ana fez isso e aquilo’, e a gente vai comentando os resultados daqui e de lá. Isso acontece em diversos momentos, como quando ela busca Ana na sala, na hora do recreio ou por mensagens no celular. Outro dia, por exemplo, eu mandei para ela uma foto de uma escrita que Ana fez”, conta.  

Para ela, que é professora há quatro anos, não há dúvidas de que o trabalho do Ameei é complementar ao da sala de aula e que a conexão entre eles evidencia os avanços dos estudantes. “Acho que, aqui na escola, olhamos para a mesma direção e todos nós estamos fazendo o melhor para que as crianças se desenvolvam, aprendam e avancem, sempre visando a sua autonomia. Ana, por exemplo, é uma criança que faz tudo sozinha”, reforça.  

Até o começo deste ano, Victoria nunca tinha tido alunos com TEA. Por isso, tinha a preocupação de planejar atividades que contribuíssem de fato com o desenvolvimento de Ana Sophia.   

“Ela chegou ao 1º ano pré-silábica, só usava as letras do nome dela para escrever palavras e lia globalmente. Em pouco tempo, já atribuía uma sílaba para cada letra. Há alguns dias fiz uma sondagem, e ela está silábico-alfabética. Por exemplo, para escrever ‘camelo’, ela usou K-M-L-O, então já conseguiu tomar posse do princípio alfabético”, avalia a professora. “Ao longo desse percurso, preparei vários recursos concretos, trabalhei com letras móveis e fizemos jogos, porque entendo a importância do concreto para ela. E isso fluiu muito bem. Ela não apresentou qualquer dificuldade, e hoje o processo de alfabetização dela está dentro do esperado, junto com toda a turma”, completa a professora.  

Para Pedro e Elaine, avanços como esse acentuam a importância de Ana Sophia frequentar a escola comum. “É interessante que ela estude em uma escola onde possa conviver com crianças diferentes, e não em uma escola especial apenas para pessoas com deficiência. Conforme for crescendo, ela vai conhecer todo o tipo de pessoa, então é importante que já tenha esse convívio com os outros”, finaliza o pai.  

Parceria com escola de vela: interação, convívio e diversão 

“Quando estou no barco, controlando o leme, me sinto calmo e feliz.” É como José Pedro, de oito anos, observa a si mesmo enquanto veleja em uma das praias de Ilhabela. Com fascínio especial por histórias de navios e naufrágios, ele é uma criança com altas habilidades que tem demonstrado facilidade e confiança ao conduzir um barco a vela — sempre com um profissional adulto ao lado. Desde o ano passado o menino é um dos estudantes público-alvo da educação especial que têm aprendido e praticado o esporte, graças a uma parceria entre a EM Prof. José Antonio Verzegnassi e uma escola de vela da cidade.

A diretora Bruna explica que a ideia da parceria surgiu a partir da escuta dos pais e responsáveis, que relataram dificuldades ao fazer determinadas atividades com os filhos, e do contexto no qual a escola está inserida: Ilhabela é conhecida nacionalmente como a capital da vela. “Essas famílias deixam de fazer muitas coisas com as crianças por conta do julgamento da sociedade. Elas não vão à praia por receio de que as crianças possam ter uma crise, por exemplo. A lógica é a do cuidado, mas isso acaba excluindo e prejudicando o desenvolvimento dos meninos e meninas”, pontua a diretora. “Foi então que pensamos: por que não levar as crianças para velejar?”

Bruna avalia que foi uma ideia ousada, uma vez que algumas pessoas têm mais sensibilidade sensorial. “Nos perguntamos como levar as crianças com TEA para a praia, que é um ambiente aberto, com barulho, areia, água gelada e vento. Mas decidimos que valia tentar, que eles precisavam se sentir pertencentes ao lugar onde vivem e fazer coisas que qualquer outra pessoa pode fazer”, acrescenta. Os desafios não foram poucos. “Muitos fatores estão associados ao movimento de tirar não só os estudantes, mas também as famílias de uma zona de conforto”, diz a gestora. 

Na prática, as “velejadas” ocorrem periodicamente, de forma gratuita, por cerca de duas horas e meia. O combinado é que, embora professores regentes e do Ameei e outros funcionários da escola participem, as famílias são responsáveis por levar as crianças e, se desejarem, também podem participar das atividades. São cerca de quatro barcos, onde vão um instrutor da escola de vela, duas ou três crianças e um adulto de sua confiança — que pode ser um parente ou um profissional da escola.  

Questionada sobre o porquê de não envolver todos os estudantes nesse projeto, a diretora explica que, em outras atividades externas e excursões, ninguém fica de fora. “No passeio de vela, priorizamos as famílias e os alunos público-alvo da educação especial, porque entendemos que eles ainda precisam desse momento só deles.” 

Aos poucos, a gestão tem ampliado a participação e proporcionado a experiência a outras crianças, que podem ser irmãos que estudam em outro ano ou escola, ou que vivem situações desafiadoras — dentro e fora da sala de aula. É o caso de Joana, de sete anos, que está no 2º ano e faz tratamento oncológico.  

“Ela não é uma aluna da educação especial e, portanto, não precisa de atendimento no Ameei, mas precisa que a escola a estimule a continuar frequentando as aulas. Então, todas as vezes em que percebemos que alguma criança está precisando desse tipo de suporte, seja por qualquer motivo, a vela é uma maneira de acolhê-la, de trazê-la para perto, de mostrar que a escola se preocupa e quer o seu bem-estar”, afirma Bruna.  

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