Como fazer da área externa um local de aprendizado e inclusão
Uma das vencedoras do Prêmio Educador Nota 10, a professora Nadine, de Blumenau (SC), criou estratégias para crianças explorarem o contato com a natureza e fazerem do espaço um campo de pesquisas
Ao assumir, no ano passado, o cargo de professora de apoio pedagógico no Centro de Educação Infantil Nazaré, em Blumenau (SC), Nadine de Andrade percebeu que a menina Anabel, que tem 2 anos e é uma pessoa com Síndrome de Down, interagia pouco com seus colegas de turma. “Ela gostava de ficar escondida embaixo da mesa e não brincava muito com as outras crianças.” Pensando em promover situações que ampliassem a convivência entre a turma, a docente teve a ideia de construir uma barraca na sala. “Isso já trouxe um ganho na interação. As crianças ficavam com ela brincando e levavam livros e bonecas lá para dentro”, comemora Nadine.
A escola conta com uma área externa grande, com trilha, barranco, galinheiro e árvores frutíferas como amoreira e bananeira. Foi na trilha, por sugestão de outra educadora, que Nadine buscou gravetos para incrementar a barraca. “No local senti o cheiro diferente, [escutei] o canto dos pássaros e me provoquei sobre o motivo pelo qual nós estávamos levando elementos da natureza para o lado de dentro da sala, sendo que poderíamos trazer as crianças para fora e permitir que elas vivenciassem esse espaço que também é delas”, relembra a professora.
A área, porém, não era utilizada desde a época da pandemia e precisou ser reorganizada, em um processo que envolveu gestores e professores. “Fizemos isso com as crianças e para elas. Antes, o local estava abandonado, com trechos um pouco obstruídos pelos galhos no chão, por exemplo”, conta Nadine.
Com o ambiente renovado, as professoras passaram a criar estratégias para promover atividades de exploração e pesquisas, compondo o projeto Do barro ao papel: a natureza como lugar de pertencimento e desenvolvimento, um dos três vencedores na categoria sustentabilidade da 25º edição do Prêmio Educador Nota 10, realizado pelo Instituto Somos e pela Fundação Victor Civita e que conta com o apoio do Instituto Rodrigo Mendes. As crianças brincaram de escalar e escorregar no barranco, colheram amoras, descobriram a sensação de passar a pena de uma galinha no rosto ou de mexer com o barro e perceberam qual a textura das árvores ou o barulho provocado ao pisar no fruto da caneleira. Também acompanharam contações de história embaixo das árvores.
Muitas das atividades foram criadas a partir das experiências e vontades das crianças. Nadine conta, por exemplo, o caso de um menino que ficava isolado juntando folhas e galhos, enquanto os outros brincavam no barranco. “Cheguei perto dele e perguntei o que estava fazendo. Ele disse que era uma fogueira. Daí surgiu a ideia de, em outro momento, fazer uma fogueira com todas as crianças”, relata a professora. Depois, o grupo utilizou as cinzas para fazer tinta e, com ela, criar obras de arte. “O fundamental é ouvir o que as crianças têm para nos dizer. Quando o professor consegue fazer a mediação, sem impor nada, a criança adquire de fato um conhecimento”, afirma a educadora.
Aprendizado para e com todos
Nadine explica que a proposta foi pensada, desde o início, para que toda a turma aprendesse, apesar de reconhecer que a provocação para o desenvolvimento dele partiu da situação de Anabel, que precisava avançar na socialização. Além de Anabel, o grupo incluía outras duas crianças com deficiência: João, com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e Evelin, com Síndrome de Down. “Muitas vezes há o costume de isolar a criança com deficiência que está na escola regular, deixando-a apenas sob os cuidados do professor que a está apoiando. O projeto da professora Nadine mostra que outro caminho é possível”, afirma Maria Paula Zurawski, especialista em educação infantil, professora no Instituto Vera Cruz e selecionadora do Prêmio Educador Nota 10.
Outro ponto de destaque da iniciativa foi colocar o contato com a natureza no cotidiano das crianças, o que as ajuda a compreender a importância de respeitar a fauna e a flora. E isso vale para todas as turmas da escola, uma vez que a exploração da área externa se tornou, intencionalmente, parte do planejamento de todas as docentes. “Isso não acontece por acaso. É um trabalho muito bem feito pelas educadoras e que dialoga com as diretrizes da educação infantil”, diz Zurawski, lembrando que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que norteia a elaboração dos currículos de toda a educação básica, traz a necessidade de os professores promoverem esse tipo de vivência, mais explicitamente no campo de experiência Espaços, tempo, quantidades, relações e transformações. A Base também indica seis direitos de aprendizagem na educação infantil — brincar, conviver, participar, explorar, expressar e conhecer-se —, todos contemplados no projeto.
A questão da convivência, por exemplo, gerou aprendizado para todos. “As outras crianças sempre me viam auxiliando Anabel e, com o tempo, começaram a querer fazer isso também. Nós trabalhamos muito a questão do afeto. As crianças se ajudavam de acordo com as suas necessidades”, conta Nadine. Segundo ela, para Anabel, essas interações resultaram em ganho nas habilidades socioemocionais e evolução no desenvolvimento motor. “Quando começamos o ano letivo, ela não caminhava. Hoje ela já consegue fazer isso”, comemora a professora, pontuando que o trabalho foi realizado em conjunto com a terapeuta da menina. Durante os percursos na trilha, Nadine oferecia o corpo como apoio para Anabel, que aos poucos ia percorrendo os espaços. A educadora se mantinha atenta ao olhar da pequena, que também possuía autonomia para ir a lugares da trilha que seus amigos porventura ainda não tivessem explorado.