Alunos com e sem deficiência criam brincadeiras inclusivas para o ensino fundamental

O envolvimento de toda comunidade escolar nas atividades promovidas pela Escola Municipal Floriano Peixoto sempre foi um dos pontos fortes da unidade. Por isso, durante nossa participação no curso Portas Abertas para a Inclusão – educação física inclusiva, sabíamos que poderíamos contar com o apoio de um grupo unido e empolgado. Com a ajuda de todos, desenvolvemos um grande projeto de brincadeiras inclusivas que levou não só diversão para as crianças, mas conhecimento e informações sobre educação inclusiva para professores, gestores, funcionários, estudantes e familiares.

O vídeo está disponível com recursos de acessibilidade em Libras e audiodescrição.

Localizada na cidade do Rio de Janeiro (RJ), a escola oferece educação infantil e ensino fundamental I nos turnos matutino e vespertino. Na época do projeto, atendia cerca de 470 alunos. Desses, 17 apresentavam diagnósticos de transtorno do espectro autista (TEA), deficiência física, deficiência intelectual e Síndrome de Down e realizavam atendimento educacional especializado (AEE) no contraturno. Todos estudantes do ensino fundamental, com e sem deficiência, participaram juntos das atividades do projeto.

As ações foram planejadas com o objetivo de transformar toda a comunidade escolar por meio do conhecimento, da prática e da convivência. Antes da execução das brincadeiras inclusivas com as crianças, portanto, nossa primeira estratégia foi apresentar o projeto para a equipe da escola. Os educadores logo abraçaram a iniciativa por possuírem ao menos um estudante com deficiência em suas turmas. Com esse suporte, realizamos um encontro junto a familiares e representantes da Secretaria de Educação para trocar experiências e conhecimentos e criar uma boa rede de apoio dos agentes envolvidos no atendimento aos alunos.

 

As brincadeiras inclusivas

Na etapa seguinte, os estudantes experimentaram as brincadeiras inclusivas durante as aulas de educação física. A intenção era criar um grande repertório de atividades que permitissem a participação de todos. Para isso, eles poderiam criar ou modificar brincadeiras já conhecidas, mexendo em suas regras ou estratégias. Durante todo esse processo, dialogamos com as crianças sobre o que eram aquelas alterações e como elas criavam novas possibilidades para a participação de todos.

As brincadeiras inclusivas realizadas foram:

• Vôlei sentado: a modalidade foi flexibilizada com o uso de uma bola diferente e a criação de novas regras. Foi observada a necessidade de repetir o jogo mais vezes para que dois alunos com TEA se acostumassem com a participação. Veja como o vôlei sentado foi praticado.

• Futebol de pano: o objetivo era conduzir a bola até o gol adversário, balançando um grande tecido de TNT com marcações de um campo de futebol feitas com fita adesiva. Se a bola saísse da “quadra”, era colocada de volta, sem penalização. A atividade foi executada em várias versões: na primeira, todos jogaram sentados no chão. Como algumas das crianças em cadeiras de rodas tiveram dificuldade para se manterem eretas, passamos a realizar as partidas com todos sentados em cadeiras. Nas turmas em que não havia alunos cadeirantes, o jogo foi feito em pé. Confeccionamos alças para os jogadores que tiveram dificuldade em segurar o pano e realizamos testes com diferentes tipos de bola até encontrar a mais adequada. Confira como aconteceu o futebol de pano.

• Slackline: a brincadeira nasceu da parceria com a família, já que o equipamento próprio do esporte foi doado por uma mãe. Nossa intenção inicial era desenvolver o equilíbrio, mas, a partir da prática, descobrimos que outras habilidades e valores (como coragem, confiança, autoestima, autonomia e solidariedade) poderiam ser trabalhados. Na atividade, cada extremidade da fita foi presa a uma árvore do pátio da escola, a poucos centímetros do chão. Acima da altura da cabeça, instalamos uma corda. Foram criadas três modalidades. No slackline solidário, os estudantes fizeram a travessia segurando-se nas mãos de colegas. Na versão sem apoio, o único suporte era a corda acima da cabeça. Por fim, as crianças encararam o desafio com os olhos vendados, contando com apoio dos amigos. Saiba mais sobre o slackline.

• Jogo de passes: em duplas, os jogadores ficaram de frente um para o outro e trocaram passes deslocando-se para frente e para trás, de costas. Essa atividade foi bastante interessante. É frequente nas aulas de educação física que muitos alunos demonstrem medo de pegar uma bola lançada a eles. Porém, em equipe, entrou em jogo a valorização e responsabilidade para com o outro, o que fez com que eles superassem esse receio. Conheça o jogo de passes.

• Pique sensorial: com todos vendados, um jogador “pegador” deveria encontrar os demais, orientando-se pelo barulho produzido pelos guizos que foram distribuídos para os estudantes em pulseiras. A brincadeira fez com que todos experimentassem a sensação de, sem a visão, usar outros sentidos pouco requeridos em atividades motoras. Crianças como a Vitória e o Davi – que têm Síndrome de Down e autismo, respectivamente – participaram com muita alegria. O garoto não conseguiu ficar com os olhos vendados por muito tempo, mas fez questão de brincar, utilizando a venda na testa. Assista à prática do pique sensorial.

• Corrida sensitiva: em duplas, os alunos realizaram uma corrida com estafeta: um com os olhos vendados e o outro como guia. Depois, os papéis eram invertidos. O objetivo era estabelecer relações de confiança, segurança, respeito e responsabilidade. Em um primeiro momento, o caráter competitivo da atividade nos atrapalhou, uma vez que os alunos que conduziam, na ânsia de ganhar, correram sem se preocupar com as limitações dos parceiros. Depois de uma breve interrupção para reflexão, eles perceberam que o equilíbrio do time era fundamental para o sucesso da ação e, então, adequaram a velocidade. Joubert, um de nossos estudantes com TEA, demonstrou vontade de participar junto dos colegas, o que era raro. Mesmo com dificuldades motoras para correr e insegurança para ficar vendado, ele participou o tempo todo da brincadeira nos dois papéis. Veja como a corrida sensitiva foi praticada.

• Reaction ball: ou jogo da reação, foi praticado com uma bola diferenciada, que quica de maneira irregular e muda bruscamente de direção, por dois times de seis crianças cada. Os jogadores deveriam lançar a bola para o campo adversário. Do outro lado, os alunos só poderiam pegá-la depois que quicasse uma vez no chão. Dependendo das características do grupo, a quadra foi dividida por uma rede baixa, como no tênis, ou alta, como no vôlei. A proposta era desenvolver habilidades de deslocamento e atenção. Eduardo, outro aluno com autismo, que antes evitava estar em destaque nas aulas, foi o responsável por sugerir boa parte das regras e orientou seu time nas discussões e execução da atividade. Conheça o reaction ball.

 

Continuidade das ações

Na última etapa do projeto, compartilhamos as brincadeiras inclusivas criadas pelos estudantes com a comunidade escolar. Ao longo de um dia, pais, professores, funcionários e as crianças puderam participar de um grande circuito, formado com parte do repertório experimentado nas aulas de educação física. As atividades escolhidas para esse momento foram o futebol de pano, o slackline e o reaction ball.

Por conta de um forte sentimento de humanidade, a Escola Municipal Floriano Peixoto sempre procurou ter um olhar cuidadoso com relação às diferenças. Mas foi a partir do curso Portas Abertas que adquirimos o conhecimento e o embasamento legal necessários para realizarmos o sonho de uma educação para todos. Ao levar esses novos saberes para o dia a dia, questões relativas à inclusão passaram a ser parte de todas as discussões da unidade.

Tivemos dificuldades, é claro, e se pudéssemos, mudaríamos algumas ações. Mas, conforme fomos nos dando conta ao longo do projeto, não devemos olhar somente para as dificuldades, pois assim, empacamos nelas. O melhor é buscar as soluções, pois essas sim serão transformadoras.

 

Projeto participante do curso Portas Abertas para a inclusão 2015. Esta experiência faz parte da Coletânea de práticas 2015.

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