O que mudou no BPC?

Confira quais são os novos requisitos para a concessão do benefício direcionado a idosos e pessoas com deficiência, o que ficou como antes e o que é apenas boato

A imagem mostra uma pessoa em pé, com os pés visíveis, usando sapatos marrons de camurça. A pessoa está em uma superfície com piso tátil, que possui bolhas em relevo, indicando um caminho para pessoas com deficiência visual. Ao lado, há uma bengala branca com detalhes em rosa, sugerindo que se trata de uma pessoa surdocega. Fim da descrição
Em 2024, segundo o Portal da Transparência, 5,8 milhões de brasileiros receberam o Benefício de Prestação Continuada (BPC), totalizando o pagamento de R$ 102,1 bilhões. Crédito: Eren Li/Pexels via Canva.com

No final de 2024, foi sancionada a Lei nº 15.077, que modifica algumas das regras para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Apesar de as mudanças já estarem valendo, os novos critérios têm sido alvo de boatos, gerando dúvidas sobre o que de fato foi alterado nas condicionalidades que os beneficiários devem cumprir.  

Para contribuir com o debate, a equipe do DIVERSA entrevistou especialistas no tema. Confira a seguir o que se manteve no funcionamento do BPC e quais foram as alterações trazidas pela nova lei. Também identificamos o que é boato e discutimos como a disseminação de informações falsas pode dificultar a efetivação de direitos para pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade econômica.  

O que é o BPC? 

Trata-se de um benefício individual, não vitalício e intransferível, que garante o pagamento mensal de um salário mínimo à pessoa idosa, com 65 anos ou mais, ou com deficiência de qualquer idade, que comprove não possuir meios para prover o próprio sustento nem de tê-lo provido por sua família.  

Esse direito é assegurado pela Constituição Federal, promulgada em 1988, em seu artigo 203, inciso V, e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), Lei nº 8.742/93. Para ter acesso ao benefício, não é necessário ter contribuído previamente para a previdência social.  

O portal do Ministério do Desenvolvimento e da Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) esclarece uma dúvida bastante comum: “o BPC não é aposentadoria. Para ter direito a ele, não é preciso ter contribuído para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Diferentemente dos benefícios previdenciários, o BPC não paga 13º salário e não deixa pensão por morte”. 

Quem tem direito ao BPC? 

Brasileiros natos ou naturalizados e estrangeiros que residam no país, com idade igual ou superior a 65 anos, e pessoas com deficiência em qualquer faixa etária. Além desses critérios, o requerente precisa ter renda familiar per capita igual ou inferior a um quarto do salário mínimo. Em 2025, o salário mínimo é de R$ 1.518, e um quarto representa R$ 379,50.  

O cálculo deve considerar a soma de todos os rendimentos recebidos pelos membros do grupo familiar dividido pelo número de integrantes da família. 

Veja a seguir alguns cenários hipotéticos em que o BPC pode ou não ser concedido em função da renda per capita familiar: 

  • Família composta por dois membros: mãe trabalhadora e cuidadora, com renda de um salário mínimo e um único filho com deficiência. A renda per capita seria de R$ 759, portanto o filho não se enquadraria no critério de renda para receber o BPC; 
  • Família composta por quatro membros: pai com mais de 65 anos aposentado, com renda de um salário mínimo, mãe cuidadora, sem atuação profissional ou rendimentos, filha com deficiência e filho sem deficiência desempregado. A renda per capita seria zero (a renda do pai não entra no cálculo), portanto a filha se enquadraria no critério de renda para receber o BPC; 
  • Família composta por quatro membros: pai com 66 anos, sem rendimentos e beneficiário do BPC, mãe com 59 anos, cuidadora e sem atuação profissional ou rendimentos, filha com deficiência e filho solteiro sem deficiência, com 25 anos e desempregado. A renda per capita familiar seria zero, portanto, pai e filha se enquadrariam no critério de renda para receber o BPC. O valor que o pai recebe do BPC por idade não é computado no cálculo da concessão do BPC para a filha com deficiência. 

Definição de família adotada pelo BPC 

O cálculo da renda familiar per capita para concessão do BPC não foi alterado pela nova lei. Ela continua levando em conta os rendimentos dos seguintes integrantes da família, desde que residam sob o mesmo teto:  

  • o requerente (pessoa idosa com 65 anos ou mais ou com deficiência de qualquer idade);  
  • o cônjuge ou companheiro;  
  • os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto;  
  • os irmãos solteiros;  
  • os filhos e enteados solteiros; 
  • os menores tutelados.    

Rendimentos que não entram no cálculo do BPC 

Somente poderão ser descontados do cálculo da renda per capita para concessão do BPC os seguintes valores previstos nos parágrafos nono e 14º do artigo 20 da Lei 8.742/93: 

  • de outro BPC ou de benefício previdenciário de até um salário mínimo recebidos no mesmo grupo familiar (aposentadoria de até um salário mínimo, por exemplo);  
  • de contratos de aprendizagem (como, por exemplo, o Programa Jovem Aprendiz);  
  • de estágio supervisionado; 
  • recebidos a título de auxílio financeiro temporário ou de indenização por danos sofridos em decorrência de rompimento e colapso de barragens. 

Definição de deficiência adotada pelo BPC 

Para concessão do benefício, é considerada pessoa com deficiência “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”, conforme prevê a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), de 2015, em seu 2º artigo. Essa definição está consonante com o modelo social da deficiência proposto na Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil em 2007 e que passou a ter status de emenda constitucional em 2009. 

Como solicitar o BPC? 

A pessoa interessada em receber o BPC e todos os integrantes da sua família precisam ter o Cadastro de Pessoa Física (CPF) ativo. Isto posto, a primeira etapa para solicitar o benefício é ir ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras) ou ao posto de atendimento do Cadastro Único (CadÚnico) para realizar o cadastro. Em caso de dúvidas, os profissionais do Cras estão habilitados para fornecer informações à população sobre como solicitar o benefício.  

Concluído o CadÚnico, o requerente deve solicitar o BPC pelo site do INSS ou pelo aplicativo Meu INSS. Ele também pode ligar na central 135 ou comparecer pessoalmente a uma das agências da Previdência Social. 

Em seguida, o INSS agendará a avaliação biopsicossocial para comprovar a condição de deficiência. Ela será realizada por um perito médico federal e por um assistente social. 

O INSS é a autarquia responsável pela operacionalização do BPC. A gestão e o monitoramento do programa são de competência do MDS. 

Obrigatoriedade de biometria para solicitar o BPC 

Outra alteração trazida pela Lei nº 15.077/24 foi a de tornar obrigatório o cadastro biométrico para concessão, manutenção e renovação de todos os benefícios da seguridade social. Essa medida já valia para o BPC desde setembro do ano passado, quando foi publicada a Portaria Conjunta MDS/INSS nº 28 de julho de 2024. Essa decisão também foi reiterada na própria Loas (art. 20, § 12-A; alteração incluída pela Lei nº 14.973, de 16 de setembro de 2024).  

Segundo Renan Alves Viana Aragão, coordenador-geral de regulação e análise normativa do Departamento de Benefícios Assistenciais da Secretaria Nacional de Assistência Social do MDS, quem já é beneficiário ainda não precisa apresentar documento com registro biométrico. Contudo, ele ressalta que a biometria é obrigatória para novos requerimentos do BPC. “Essa nova previsão, que vai obrigar a biometria para a manutenção [e renovação], ainda não está sendo aplicada, pois depende de regulamentação”, complementa, ao defender que a medida é importante para evitar fraudes.  

Não é o INSS que faz a biometria. O registro biométrico é realizado em três bases de dados nacionais: quando são emitidas ou renovadas a Carteira de Identidade Nacional e a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ou na Justiça Eleitoral.  

Se um requerente do BPC não tiver ainda o cadastro biométrico em uma dessas três bases, ele pode solicitar o benefício no INSS. Porém, terá um prazo de 120 dias para regularizar essa pendência e conseguir a concessão do BPC. Caso a medida seja cumprida, o pagamento será feito de forma retroativa a partir da data de solicitação do benefício. 

Atualização do CadÚnico a cada dois anos 

A Lei 15.077/24 torna obrigatória a atualização a cada dois anos das informações no CadÚnico. Antes, isso deveria ser feito a cada quatro anos. A inscrição ou atualização podem ser feitas nos Cras ou nos postos de atendimento do CadÚnico em cada município. 

Avaliação da deficiência e obrigatoriedade da CID 

Uma das novidades trazidas pela Lei 15.077/24 é que a avaliação da deficiência para solicitantes com menos de 65 anos deve incluir o registro do código da Classificação Internacional de Doenças (CID).  

“Essa medida já era obrigatória para as concessões administrativas [pedidos aprovados via INSS], e agora passou a ser também para as decisões judiciais [que nem sempre traziam essa informação]. O objetivo é garantir mais precisão e transparência no processo de concessão do benefício”, comenta Renan. 

Ele lembra que a CID já era registrada no instrumento da avaliação da deficiência do BPC, “mas acontecia, muitas vezes, de as concessões judiciais e as mais antigas, especialmente anteriores a 2009, não terem CID, porque a avaliação da deficiência foi mudando nesse período. Inclusive, em alguns períodos, ela foi realizada fora do INSS”. 

Caso o BPC seja negado pelo INSS, é possível recorrer? 

Sim. Todo cidadão tem um prazo de até 30 dias para contestar uma decisão do INSS após a negativa. A solicitação pode ser feita por meio de um pedido de recurso administrativo no próprio site da autarquia ou pelo aplicativo Meu INSS, no qual é possível anexar laudos, exames e outros documentos que possam contribuir para a análise do processo. Se mesmo assim o benefício for negado, o requerente pode solicitar uma nova contestação, desta vez à Câmara de Julgamentos, um órgão de segunda instância.  

Também é possível contestar judicialmente, por meio da contratação de advogado privado ou acionando a Defensoria Pública da União, que oferece assessoria jurídica gratuita no âmbito de benefícios federais, como o BPC, em caso de vulnerabilidade econômica ou social do requerente. 

+ Leia mais: O papel da defensoria pública no acesso à justiça  

Cuidado, é fake news! 

Grau de Deficiência: A Lei nº 15.077 não exige que a deficiência seja classificada como grave ou moderada para a concessão do BPC. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou o trecho do projeto de lei que originalmente previa essa restrição, após acordo com congressistas e ampla resistência de movimentos sociais. O critério de acesso, portanto, permanece inalterado. 

Conceitos de Deficiência e Família: A definição de deficiência para fins de acesso ao BPC e os critérios para definir a composição familiar para o cálculo da renda per capita também não sofreram alterações. 

Fonte: Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome 

Importância do BPC para o enfrentamento das desigualdades 

Em 2024, segundo dados do Portal da Transparência, 5,8 milhões de brasileiros receberam o BPC, totalizando o pagamento de R$ 102,1 bilhões. Esses números vêm crescendo paulatinamente ano a ano. A previsão orçamentária para 2025 está na casa dos R$ 112 bilhões, mais do que o dobro verificado em 2019, que foi de 55,3 bilhões.  

Segundo Renan, nesse período, “as condições sociais do país se tornaram um tanto mais exíguas, sobretudo durante a pandemia, o que trouxe uma busca maior de pessoas por benefícios sociais de uma maneira geral”. Ele reconhece que outros fatores também contribuem com a ampliação da demanda pelo BPC, como a melhora na expectativa de vida e a consequente tendência de envelhecimento da população no país, além dos avanços nos direitos das pessoas com deficiência.  

“O BPC é o principal benefício para [idosos e] pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade e visa garantir a subsistência dessas pessoas”, avalia Renata Tibyriçá, defensora pública do Estado de São Paulo, especialista em direitos humanos, doutora em distúrbios do desenvolvimento e pós-doutora em educação especial.  

Para ela, os números do BPC precisariam ser ainda maiores para garantir o direito à subsistência mínima a todos os brasileiros que precisam. “Sabemos, porém, que é um benefício muito restrito e que uma parcela da população, mesmo tendo dificuldades de se sustentar, não têm acesso [a ele], já que a concessão depende da análise não só da condição da pessoa com deficiência, mas também da renda da família per capita, que deve ser inferior a um quarto do salário mínimo”, avalia Renata. 

Lei sancionada manteve principais regras do BPC 

O projeto de lei que altera o BPC foi discutido no Congresso Federal juntamente com outras propostas que compunham o chamado “pacote de cortes de gastos” do governo federal. O texto sofreu mudanças ao longo da sua tramitação na Câmara e no Senado. Após pressão da sociedade civil e de organizações que atuam em defesa do direito das pessoas com deficiência, foi feito acordo entre o Legislativo e o Executivo que resultou em vetos da Presidência da República na versão final da Lei 15.077, excluindo, por exemplo, o trecho que limitava a concessão do BPC utilizando critérios de graus de deficiência.  

A defensora pública afirma que essa e outras sugestões de mudanças, como alterações na composição familiar considerada no cálculo da renda per capita, poderiam prejudicar as pessoas com deficiência, já que têm o potencial de restringir ou dificultar o acesso ao BPC.  

Para Renata, a forte mobilização dos movimentos sociais e entidades de pessoas com deficiência foram fundamentais para que essas medidas fossem retiradas da versão final da lei aprovada, mantendo os critérios anteriores. “O objetivo das mudanças, segundo informações do governo, era aumentar a fiscalização. Porém, algumas delas geravam restrição de acesso”, critica a defensora. 

Ao avaliar a redação final da lei, Renan argumenta que o texto não reduziu direitos. “Ninguém ficou de fora automaticamente. Por isso, não podemos dizer que foi uma medida de economia. Talvez, inicialmente, essa tenha sido a percepção, porque foi anunciada num contexto de discussão econômica”, explica. “Mas a redação final tem muito mais a ver com aperfeiçoamento da gestão, a dar mais segurança às informações que são públicas. Queremos, na verdade, que as pessoas sejam avaliadas corretamente e que o benefício seja pago a quem é de direito.” 

Renata Tibyriçá defende que é necessário ampliar o BPC. Ela lembra que “há projetos de lei em tramitação que visam aumentar o número de beneficiários propondo que o recorte de renda familiar seja inferior ou igual à metade do salário mínimo”.

Segundo ela, essa mudança permitiria, por exemplo, que uma pessoa com deficiência, que reside apenas com sua mãe trabalhadora e recebe um salário mínimo, possa ser elegível para o benefício. “No cenário atual, se for uma família com uma mãe, um pai e dois filhos, sendo um com deficiência, em que a mãe ou o pai trabalhe e recebe pouco mais de um salário mínimo, o filho com deficiência não terá acesso ao BPC. E sabemos do impacto da deficiência sobre a renda, o quanto ela eleva os gastos da família, que, nesse caso, não contará com nenhum apoio financeiro”, critica a defensora. 

Efeito colateral das fake news  

Com tantas idas e vindas na tramitação do projeto que resultou na sanção da Lei nº 15.077/24, muitos boatos com falsas informações passaram a circular, prejudicando, segundo os especialistas, os principais beneficiários.  

“Entendo que as tentativas de mudança [durante a tramitação] geraram medo de restrição do benefício, pois as pessoas que têm BPC dependem totalmente desses valores para viver e esse medo acaba gerando boatos. Por isso, é importante as pessoas buscarem informações em órgãos oficiais e veículos idôneos, evitando receber notícias falsas que geram desespero e causam sofrimento”, avalia a defensora pública.

Sobre esse cenário, Renan afirma que “o mais danoso nesse tipo de desinformação é que a confusão em relação às regras leva muitas pessoas a procurarem intermediários e serviços privados que supostamente irão ajudá-las, mas acabam gastando dinheiro à toa”.  

Segundo ele, ainda há o desconhecimento de que a solicitação do benefício pode ser feita diretamente em uma agência do INSS ou pelo celular, no aplicativo ou no site. “É uma situação de desproteção social, porque a pessoa acaba pagando por um serviço que é gratuito”, diz o coordenador. 

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