O que é e como surgiu o DUA

O Desenho Universal para a Aprendizagem, com origem na arquitetura, é uma das estratégias que podem ser usadas para enfrentar as barreiras que impedem a inclusão de todos os estudantes no processo educacional

O conteúdo acima é uma das videoaulas que integram um dos módulos do curso “Portas abertas para a inclusão, educação física inclusiva, iniciativa do Instituto Rodrigo Mendes (IRM), Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e da Barça Foundation. Com 40 horas de duração, a formação é autoinstrucional e está disponível gratuitamente na Plataforma de Formação do IRM. Os concluintes recebem atestado de participação. 

 

A arquitetura e o design legaram à educação uma contribuição bem maior do que a transformação dos espaços comuns em áreas de circulação livre para todos. Além de cooperar para a mobilidade e a simplificação dos ambientes, essa preocupação da arquitetura também provocou a amplificação de um conceito: o de Desenho Universal.  

Como citado no vídeo, o Desenho Universal foi concebido pelo arquiteto Ronald Mace como fonte do primeiro código de edificações acessíveis nos Estados Unidos e publicado pela Universidade da Carolina do Norte em 1973. Ele visava beneficiar a circulação do maior número possível de pessoas de maneira segura.  

Essa ideia de acessibilidade universal inspirou pesquisadores do Center for Applie Special Technology (Cast, na sigla em inglês, ou Centro Especial de Tecnologia Aplicada), fundado em 1984, a ampliar o conceito para o universo da educação: por que não criar meios para que professoras e escolas encampassem toda a diversidade possível, interagindo com variadas estratégias de aprendizagem, de modo que pudessem explorar ao máximo o potencial de todos os estudantes?   

Os líderes do Cast o educador e neuropsicólogo David Rose e a também educadora e psicóloga Anne Meyer , ambos interessados nos processos de cognição, motivação e aprendizagem, começaram seu trabalho com o uso de novas tecnologias. Porém, com olhar atento para descobertas então recentes, como as inteligências múltiplas de Howard Gardner, conceberam uma nova metodologia cujo ponto central seria a diversificação das formas de aprendizagem, pensadas já na elaboração dos currículos e explorando as diferentes habilidades cognitivas dos estudantes.  

Surgia assim o Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA), voltado para a oferta de novas alternativas de apresentação dos conteúdos escolares. Estratégias que pudessem sem excluir nenhum modo anterior fazer com que imagens, sons, novas mídias, objetos criados pelos próprios estudantes, entre outras coisas, viessem a se juntar ao texto escrito e falado.  

Para isso, o DUA se ancora em três princípios norteadores que têm como base estudos de neurociência: 

  1. Proporcionar modos múltiplos de representação (o “o quê” da aprendizagem);
  2. Proporcionar modos múltiplos de ação e expressão (o “como” da aprendizagem);
  3. Proporcionar modos múltiplos de implicação, engajamento e envolvimento (o “por quê” da aprendizagem).

Veja a seguir uma versão editada do infográfico que detalha esses princípios (a versão completa pode ser acessada aqui): 

 

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Resumidamente, podemos sintetizar esses princípios como uma apresentação dos conteúdos curriculares que traga, além de textos e da comunicação oral, por exemplo, vídeos, fotografias e objetos (para explorar a textura ou os cheiros), expandindo assim a percepção por meio de todos os sentidos para permitir que todos compreendam. Com isso, estão presentes os elementos que levam à ação e à expressão desses novos conhecimentos com os quais os estudantes estão em contato. Assim, é possível deixar que eles mostrem de que maneira querem se engajar nos processos de conhecimento e como podem expressar aquilo que aprenderam. E importante: esse processo é extensivo a todos os estudantes, não se tratando de uma adaptação voltada a uma pessoa com algum tipo de deficiência.  

O professor e pesquisador Eladio Sebastián-Heredero, autor do livro “Desenho Universal para Aprendizagem (DUA): Uma Abordagem Curricular Inclusiva”, organizado em parceria com Jacqueline Lidiane de Souza Prais e Celia Regina Vitaliano, ilustra o desafio de planejar considerando o DUA. Primeiro, ele sugere pensar em uma turma que tenha, entre os estudantes, uma pessoa cega e outra surda, uma terceira com deficiência intelectual, uma pessoa com transtorno do espectro do autismo (TEA) e outra com altas habilidades. “Aí você começa a planejar. Você pode pensar: ‘Vou apresentar uma lição do livro’. E a pessoa cega, como fica? ‘Ah, eu vou explicar ao mesmo tempo’. E aquele aluno que é disruptivo? Você vai vir apenas com o livro e a sua apresentação? ‘Vou tentar apresentar um vídeo e uma imagem para ver se capto a atenção desse estudante.’ Proporcionar diferentes maneiras de apresentar o conteúdo significa que, logo de saída, eu apresento os conteúdos de forma escrita, oral, gráfica, com imagens etc.”, explica.  

“Como funciona o professor habitualmente? De maneira regressiva. Ele apresenta o conteúdo oralmente. Aí observa que três alunos não aprenderam e mostra uma ficha escrita ou uma imagem e diz que isso pode ajudar na aprendizagem. Ou seja, ele trabalha em recuperação constante. Se ele planejasse a apresentação desses conteúdos de diferentes maneiras desde o início, muito provavelmente captaria a atenção de todos. Mas ele pode falar: ‘Eu não tenho na minha sala nenhum aluno cego’. Certo, mas provavelmente tem sete ou oito estudantes que não são cegos, mas não querem ver os conteúdos escritos no quadro. E, se você colocar uma imagem, captará a atenção deles”, complementa. Esse seria o primeiro princípio do DUA.  

Sobre o segundo princípio, que indica a necessidade de possibilitar ao estudante que expresse o que aprendeu como ele quiser, Eladio afirma ser preciso um pouco mais de tempo. Não estou falando de fazer uma avaliação, e sim de expressar o que aprendeu. Se o aluno adquire a confiança, pode tentar descrever, fazer um desenho, um áudio, um vídeo, uma redação, seja lá o que ele quiser, mas que apresente o que aprendeu. Assim estou dando a possibilidade de que cada um se expresse como quiser. Estão entrando os diferentes estilos de aprendizagem, mas também as diferentes inteligências que os estudantes têm”, aponta o pesquisador.   

O último princípio, que é o de motivação, está relacionado a como engajar os estudantes a aprender. “Sempre pergunto aos docentes: ‘Vocês não acreditam que, se apresentarem o conteúdo de diferentes maneiras, sendo criativos e trazendo materiais que possam ser manipulados, vão chegar a 99% dos estudantes de sua sala?’. ‘Se permitirem que o aluno expresse o que aprendeu, será que isso não serve como motivação?’”, finaliza.  

A inovação do DUA está, portanto, em mudar a lógica usual de planejamento. Em geral, os educadores planejam pensando em um estudante padrão e depois fazem diferenciações pedagógicas para aqueles que não se encaixam nesse padrão. Com o DUA, a ideia é já de início planejar para a diversidade e desenvolver a proposta de maneira coerente com isso.  

Como colocar o DUA em prática

No processo de aprendizagem, crianças, adolescentes e adultos se defrontam com uma série de barreiras de natureza diversa, que restam como desafio para que os educadores os ajudem a eliminá-las, sejam pessoas com deficiência ou não. Uma delas, como aponta o psicólogo Augusto Galery, gerente da área de Gestão Educacional do IRM, é a questão atitudinal, a ser superada tanto por professores como por famílias, sociedade e os próprios estudantes. Isso ocorre quando, por exemplo, o professor limita o acesso ao currículo por presumir que o estudante não será capaz de entendê-lo.

No Brasil, onde os estudos e a aplicação do DUA ainda são incipientes, começam a avançar algumas propostas, como no caso da dissertação de mestrado em educação inclusiva da professora Rosana Kelly Baldan, defendida na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Presidente Prudente em 2023. Rosana, além de ter feito levantamento sobre teses e dissertações sobre DUA apresentadas no período de 2018 a 2021, tendo encontrado seis trabalhos de doutorado e 17 de mestrado, propõe em sua pesquisa a elaboração de uma sequência didática em língua portuguesa. Ela apresenta um raciocínio que pode inspirar o planejamento para outros componentes curriculares (confira o trabalho aqui).  

Como revela o professor Eladio na entrevista deste especial, esse tem sido o caminho mais comum de construção dos currículos que utilizam DUA mundo afora: começar com sequências didáticas para, aos poucos, ir construindo um novo currículo, mais abrangente e inclusivo (acesse a entrevista completa aqui).  

Ruptura com formato tradicional de aula  

“O Desenho Universal para a Aprendizagem é exemplo de uma abordagem educacional mais condizente com nossa convicção de que toda pessoa tem o direito de estudar e buscar o seu melhor como ser humano.

Ao mesmo tempo, dialoga com a proposta de ressignificação do papel do professor, enxergando-o como um mediador do processo de aprendizagem. Ou seja, favorece a ruptura do formato tradicional de sala de aula, caracterizado por fileiras de estudantes sentados diante de um professor a quem é delegada a missão de transmitir o conteúdo e, posteriormente, verificar se ele foi absorvido por meio de provas. 

Como todo modelo, o DUA é imperfeito por definição. No entanto, representa uma interessante ferramenta para que as equipes pedagógicas planejem suas aulas de forma mais criteriosa, almejando o acesso de todos ao conhecimento, e deem conta da crescente diversidade presente nas escolas”, diz Rodrigo Hübner Mendes, superitendente do IRM, em artigo (confira o texto completo aqui). 

Para saber mais:  

Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA): Uma Abordagem Curricular Inclusiva”, organizado por Eladio Sebastián-Heredero, Jacqueline Lidiane de Souza Prais e Celia Regina Vitaliano. 1ª ed. São Carlos (SP): Editora de Castro, 2022. 173 páginas. Disponível para venda aqui. 

“A Diferenciação Curricular e o Desenho Universal na Aprendizagem como Princípios para a Inclusão Escolar”, de Marcia Denise Pletsch, Flavia Faissal de Souza e Luis Fernando Orleans. Revista Educação e Cultura Contemporânea, v. 14, n. 35, 2017. Disponível aqui.   

 

 

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