O parquinho da sua escola é acessível?
Quando equipados com brinquedos que permitem a todas as crianças brincarem juntas, esses espaços colaboram para o desenvolvimento motor e das capacidades de conviver e respeitar o próximo
Subir e descer na gangorra, mover-se no gira-gira ou no balanço e descer por um escorregador são experiências típicas da infância e que promovem o desenvolvimento motor, dos sentidos e da imaginação, além das capacidades de conviver em grupo e respeitar o próximo. Sendo assim, se visamos uma sociedade inclusiva, não dá para privar nenhuma criança da possibilidade de participar dessas brincadeiras e interagir com os colegas e os adultos nos parquinhos.
Por isso, em 2017, foi aprovada no Brasil a Lei nº 13.443, que alterou a Lei nº 10.098, de 2000, para determinar a obrigatoriedade da adaptação de, no mínimo, 5% dos brinquedos e equipamentos dos parques de diversão, públicos e privados, às necessidades das pessoas com deficiência, inclusive visual, ou com mobilidade reduzida.
“O brincar é inclusivo em seu conceito: todo mundo brinca. Se todos brincam, os espaços precisam estar preparados para acolher qualquer criança”, afirma Ester Asevedo, formadora de professores e coordenadora pedagógica na União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (UNAS). “Logo, quando eu penso em um ambiente externo de brincadeira, como um parquinho, preciso prepará-lo ou adaptá-lo com algum outro recurso para que a criança com deficiência tenha a possibilidade de brincar com o colega.”
Mas como fica esse cenário na educação infantil pública do país? Segundo o Censo Escolar de 2023, dentre as instituições privadas que ofertam educação infantil, 81,1% possuem parque infantil, enquanto na rede pública esses equipamentos estão presentes em apenas 40,7% dos estabelecimentos da rede estadual e 38,5% da rede municipal — números que ressaltam a desigualdade de infraestrutura e acesso.
No entanto, não há números oficiais de quantos desses parquinhos estão equipados com brinquedos acessíveis. O único dado que o Censo revela é genérico e aponta que 73,9% das escolas privadas que ofertam educação infantil possuem algum recurso de acessibilidade ante 61,7% na rede municipal e 55,5% na rede estadual.
Desenho universal em parquinhos
Mas, afinal, o que são os parques acessíveis? O primeiro ponto é que eles devem se guiar pelo Desenho Universal, ou seja, os espaços e brinquedos devem ser concebidos de modo a garantir sua utilização pelo maior número possível de pessoas, independentemente de suas características, e, assim, permitir que crianças com e sem deficiência brinquem juntas. Eles também devem favorecer a comunicação por meio de imagens e texturas, o desenvolvimento corporal, a interação com alturas e distâncias distintas e o convívio social.
Cada parque pode ter suas próprias características, mas entre as soluções inclusivas encontram-se mapa tátil indicando a posição dos equipamentos, brincadeiras sensoriais, como um metalofone que emite notas musicais, e acessibilidade estrutural, como rampas, plataformas e degraus de transferência com medidas específicas para facilitar o acesso e a movimentação de todas as crianças.
Por exemplo, gira-gira, gangorra ou balanço devem trazer uma plataforma na qual se pode encaixar uma cadeira de rodas, possibilitando que a criança com deficiência também se divirta. Os escorregadores podem contar com plataformas de transferência que permitam às crianças transitarem diretamente para suas cadeiras de rodas.
Tendo atuado como gerente de educação inclusiva na prefeitura de Santo André (SP), Ester conta que a decisão de implementar um equipamento acessível no parque infantil escolar pode ser da secretaria de educação ou da própria escola. “Na minha experiência, foi uma decisão político-pedagógica da secretaria que elegeu algumas escolas para instalar os brinquedos e tornar a rede mais acessível. Mas a iniciativa também pode partir da unidade de ensino, que pode pleitear esse mobiliário por meio de programas de transferência de recursos como o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE).”
O PDDE fornece assistência financeira às escolas públicas das redes estaduais e municipais e às escolas privadas de educação especial mantidas por entidades sem fins lucrativos. O objetivo desses recursos é a melhoria da infraestrutura física e pedagógica, o reforço da autogestão escolar e a elevação dos índices de desempenho da educação básica. Desse modo, a aquisição de mobiliário inclusivo pode ser solicitada por meio dele.
Parques infantis acessíveis na rede paulistana
Em São Paulo, cidade que atende mais de 29 mil estudantes que são público-alvo da educação especial, as escolas municipais possuem autonomia para implantação de parquinhos, levando em consideração a estrutura de cada unidade. Para isso, elas contam com o Programa de Transferência de Recursos Financeiros (PTRF), cuja verba pode ser utilizada para manutenção e pequenos reparos, aquisição de materiais e equipamentos para os projetos pedagógicos e materiais de consumo necessários ao funcionamento da instituição. Em 2023, as escolas da rede receberam mais de R$ 560 milhões do PTRF.
A verba é enviada diretamente para o caixa das escolas e utilizada para o que a instituição de ensino julgar necessário. A autorização para o uso do dinheiro tem de passar pelo conselho de escola que, na cidade, conta com a participação de pais e responsáveis, estudantes, professores, gestores e funcionários.
André Panachi, vice-diretor da EMEI Armando de Arruda Pereira, localizada no bairro da República, em São Paulo (SP), adaptou o parquinho de sua escola utilizando o programa da prefeitura. Ele explica que, quando realizou a compra, em 2020, o processo foi extremamente burocrático.
“Antes, o programa determinava uma porcentagem que podia ser gasta com a compra de equipamentos e outra parte com a manutenção. Um brinquedo inclusivo custa entre 30 e 40% mais do que os comuns, portanto, excedia o limite que podíamos gastar com a compra de bens materiais. Por isso, a gente precisou de uma autorização especial. Hoje está mais fácil, e cada um gasta o dinheiro da forma que julga necessário”, conta.
Outra dificuldade foi encontrar opções de empresas que ofereciam os brinquedos acessíveis. Em São Paulo, é obrigatório apresentar orçamentos de no mínimo três empresas para que a escola opte pelo melhor preço. “Uma das empresas que encontramos não era nem de São Paulo. Foi um sufoco encontrarmos três, passamos bastante tempo procurando”, lembra André.
Com o recurso, além da aquisição de um gira-gira e uma gangorra acessíveis, também foi construída uma plataforma que permite ao cadeirante percorrer o espaço do parque onde estão esses brinquedos. Sem o equipamento, ficaria difícil transitar pelo local, já que o chão é todo de terra.
Na EMEF Hipólito José Da Costa, que fica no Jardim Fontalis, em São Paulo (SP), e atende 1.430 estudantes, sendo 50 com deficiência, o primeiro brinquedo acessível foi instalado em 2020. A diretora Walkiria dos Santos, que é pós-graduada em educação inclusiva pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), consultou a comunidade escolar para entender quais eram as prioridades para a reforma do espaço onde as crianças brincavam. “A primeira coisa que surgiu foi a revitalização do espaço, pois os brinquedos eram todos de madeira e estavam se deteriorando”, conta.
À medida que as conversas foram acontecendo, a equipe gestora se deu conta de que, entre os brinquedos que tinha à disposição, não havia nenhum acessível. Mas reivindicar essa mudança não foi tão fácil. “Havia educadores que questionavam o motivo de o cadeirante ter um brinquedo para ele”, lembra Walkiria.
Em diálogo com a comunidade escolar, ela explicou o óbvio: “Brincar também é um direito das crianças com deficiência, e devemos fazer o necessário para que toda a turma brinque junta. Geralmente, depois dessa conversa, a pessoa se dava conta do quanto o que ela estava questionando era absurdo”, conta.
Hoje, a escola conta com apenas um brinquedo acessível: um balanço com uma área específica para que nela seja colocada uma cadeira de rodas.
A EMEF Assad Abdala, que fica na Vila Matilde, zona leste de São Paulo (SP), tem apenas duas crianças com deficiência, mas a diretora Evelin Malinosky afirma que o currículo da cidade assegura a inclusão e a integralidade de todos. “O número de estudantes com deficiência não importa, temos de garantir que todos possam realizar as atividades e vivenciar as experiências por completo.”
Com o auxílio do Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (Cefai), a diretora definiu qual brinquedo seria mais adequado à realidade da escola. O escolhido foi o balanço acessível. “Nós não temos aqui uma criança com deficiência visual, por exemplo, mas, se fosse o caso, teríamos de comprar outro tipo de brinquedo mais adequado a essa especificidade”, explica.
Acessibilidade em rede
A rede de Currais Novos (RN) tem 307 crianças com deficiência matriculadas e adquiriu parquinhos adaptados para mais da metade das escolas: eles estão instalados em 17 das 24 instituições de ensino municipais.
As compras dos brinquedos foram feitas a partir de um levantamento das escolas com matrículas de estudantes com deficiência. Também foi necessário o apoio da procuradoria-geral do município para dar amparo jurídico ao pedido de aquisição e à organização da licitação, bem como às ações para comunicar o município das normas referentes à inclusão presentes na Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Os brinquedos foram adquiridos em 2022 e custaram pouco mais de R$ 500 mil. A verba para a compra veio do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
Fatima Azevedo, diretora da Escola Municipal Francisco Leones Gomes de Assis, localizada no município, comenta os impactos positivos: “É um momento em que as crianças se sentem muito bem e nós também, porque antes da mudança a gente encontrava dificuldade em propor atividades no parque que envolvessem todas elas”, conta.
O espaço também é utilizado durante outras atividades, principalmente as de educação física. A partir do diálogo entre o profissional do atendimento educacional especializado (AEE) e o professor regular foram desenvolvidos diversos trabalhos que visavam o pleno desenvolvimento das turmas. “Foi nos parquinhos que a gente conseguiu avançar no desenvolvimento da consciência corporal das crianças com deficiência. Elas desenvolveram noção de espaço por meio do gira-gira e de brincadeiras em que diferenciam o lugar alto do lugar baixo e o lado esquerdo do direito”, explica Rafael Martan, docente da escola e pós-graduado em educação inclusiva.
Por mais importantes que esses equipamentos sejam, Ester lembra que a falta de brinquedos adaptados nos parquinhos não deve ser um impeditivo para o brincar inclusivo. “O professor, ao observar as habilidades e limites das crianças com deficiência, pode oportunizar possibilidades de brincadeira e propostas pedagógicas no parque ou na área externa envolvendo todas as crianças. Montar cantinhos com brinquedos heurísticos [objetos e materiais do cotidiano ou elementos da natureza que permitam às crianças criar, experimentar ou inventar brincadeiras], por exemplo, é outra ótima estratégia”, defende.