No Dia Internacional das Línguas de Sinais, especialistas reforçam conscientização sobre a diversidade presente nessa forma de comunicação
Com objetivo de conscientizar sobre acessibilidade para as pessoas com deficiência auditiva, desde 2018 é comemorado o Dia Internacional das Línguas de Sinais em 23 de setembro. O dia foi definido pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Para celebrar a data, o DIVERSA entrevistou pessoas surdas sinalizantes e intérpretes das línguas brasileira e americana de sinais para explicarem a diversidade existente nas línguas ao redor do mundo e a importância das diferentes formas de comunicação para garantir a inclusão plena de todas as pessoas na sociedade.
As línguas de sinais possibilitam a comunicação entre pessoas surdas não oralizadas e ouvintes (que não têm deficiência auditiva) e podem, ainda, ser usadas entre pessoas sem deficiência para interação sem uso de sons:
“Às vezes pensamos que a única forma de comunicação é a verbal, quando na verdade nos comunicamos de várias formas diferentes. Entender que a comunicação pode ser visual ou até tátil (no caso de pessoas surdo-cegas) é fundamental para eliminar preconceitos e barreiras”, explica Brian Zimmerman, intérprete da Língua Americana de Sinais (American Sign Language – ASL).
Entenda o que é língua de sinais
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), há mais de 466 milhões de pessoas com deficiência auditiva em todo o mundo, mas nem todas optam por utilizar as línguas de sinais como meio de comunicação. Além das pessoas que não tiveram oportunidade de aprender a língua de sinais de seu país, há surdos oralizados, que fazem leitura labial e que utilizam aparelhos auditivos ou implante coclear, dispositivo implantado cirurgicamente que fornece a percepção do som.
A partir disso, é imprescindível também saber que a língua de sinais não é universal. Existem os Sinais Universais, que facilitam a comunicação de surdos de diferentes regiões do mundo, como explica a professora de Libras Alicy Queiroz: “Esse sistema se apoia em códigos visuais, por exemplo: sinais para beber alguma coisa, comer… São gestos mais gerais, menos específicos, que tornam possível a comunicação e a interação.”
Diferentemente do que algumas pessoas podem pensar, a comunicação por sinais não está relacionada à mímica, conforme explica o portal Libras:
Mímica é a expressão do pensamento por meio de gestos, expressões faciais e corporais, representando objetos e situações através de imitações. A mímica teve origem no teatro grego e é muito utilizada no meio artístico. Alguns sinais da Libras realmente representam a forma de um objeto (sinais icônicos), mas isto não se aplica a todos, e nem sempre são iguais aos utilizados na mímica. Libras é uma língua, com estrutura gramatical própria, natural e complexa, assim como as línguas orais.
Portanto, a variação linguística, assim como nos diferentes idiomas falados de cada país, também está presente nas línguas de sinais. O site Ethnologue: Languages of the World estima a existência de mais de 140 línguas de sinais oficiais em diferentes países. No Brasil, por exemplo, a Lei nº 10.436/2002 reconheceu a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de comunicação e expressão dos surdos.
As diferenças nas línguas de sinais são acentuadas pelas características regionais e dialetos de cada país. Em Portugal, mesmo que haja semelhanças no idioma falado, as pessoas com deficiência auditiva se comunicam por meio da Língua Gestual Portuguesa (LGP), e não por Libras. Assim como existe a Língua de Sinais Espanhola (LSE) e a Língua Mexicana de Sinais (LSM).
Nos Estados Unidos, é utilizada a American Sign Language (ASL). Alguns sinais da ASL são similares aos da Libras e Vânia Santiago, intérprete de Libras, explica o motivo:
“A Língua de Sinais Americana é muito próxima da Língua de Sinais Brasileira, porque as duas línguas tiveram origem na língua francesa. A estrutura da língua de sinais é parecida, mas também tem os falsos cognatos, que você acha que é uma coisa e não é.”
Origem da língua de sinais
Embora a real origem da língua de sinais não seja conhecida, informações da Superinteressante (2011) apontam que o primeiro registro de utilização de língua de sinais foi na França, em 1755.
O abade Charles-Michel inaugurou a primeira escola para estudantes surdos no país e desenvolveu um sistema de sinais para ensinar o alfabeto com gestos manuais, descrevendo letra por letra: “esse sistema serviu de base para o método usado até hoje”, afirma a redação do portal.
Ainda de acordo com a reportagem, em 1856, o conde francês Ernest Huet, que possuía deficiência auditiva, trouxe a língua de sinais francesa ao Brasil. A língua foi aperfeiçoada ao longo dos séculos e os sinais também passaram a representar conceitos, como fome ou sono. Posteriormente, o conde fundou o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), no Rio de Janeiro.
Acessibilidade comunicacional e atitudinal
De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Locomotiva em parceria com a Semana da Acessibilidade Surda, só no Brasil são mais de dez milhões de pessoas com deficiência auditiva. Contudo, a falta de acessibilidade comunicacional pode acabar impedindo que essas pessoas tenham acesso à informação e, assim, exerçam sua autonomia para uma participação plena na sociedade.
Joaquim Barbosa, especialista em inclusão e acessibilidade, afirma que todas as formas de comunicação são válidas e são o que permitem nos relacionar com outras pessoas:
“Não apenas a Libras em si, mas a comunicação estabelece vínculo emocional, vínculo social, ela estabelece vínculo. Esse vínculo é o que nos faz seres sociais, seres capazes de trocar, de transmitir informações, emoções, histórias, conhecimento, experiência…”
Em consonância, a educadora Alicy afirma que existem várias possibilidades de comunicação, que podem envolver a escrita, o uso de símbolos, de desenhos e a própria língua de sinais, mas que a disponibilização desses diferentes tipos de comunicação ainda é escassa e se torna uma grande barreira para que as pessoas com deficiência auditiva estejam em espaços comuns:
“O ponto importante é que a sociedade esteja aberta para comunicação, que os ouvintes também possam aprender língua de sinais para se comunicarem conosco, e isso é algo que leva tempo. Que a sociedade ouvinte também entenda a necessidade de comunicação das pessoas surdas.”
Para ela, a falta de informação da sociedade sobre as pessoas com deficiência e sobre acessibilidade reforçam essas barreiras em locais de serviços essenciais, como hospitais, delegacias e supermercados:
“Quando a gente vai no hospital, é necessário que tenha um intérprete para comunicação ali, porque não tem. A gente sabe que são poucos os lugares que têm acessibilidade. Então é importante que exista um projeto linguístico para que em diferentes espaços sociais a língua de sinais esteja presente, para que as pessoas que façam atendimento tenham o mínimo de língua de sinais.”
Para auxiliar nessa questão, algumas plataformas digitais oferecem cursos gratuitos de Libras, como é o caso da Universidade de São Paulo (USP) e do Kultivi. Em ambos as aulas são on-line, voltadas à aprender o que é Libras, esclarecer conceitos e nomenclaturas, conhecer sinais básicos para comunicação do dia a dia e aprender alguns sinais de objetos e lugares.
Joaquim reforça, ainda, que a acessibilidade atitudinal, de se permitir comunicar, aprender e entender a situação do outro, é imprescindível: “Muita gente chama apenas de empatia, mas a gente não precisa apenas de empatia, a gente precisa de ação”, destaca.
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Língua de sinais na escola
“O melhor recurso que a gente tem para que a gente possa se desenvolver como cidadão é a educação”, é o que acredita Joaquim. Pensando na área educacional, Vânia afirma que muitas conquistas foram realizadas:
“A gente vê cada vez menos a escola não aceitando a matrícula de uma criança surda, porque quando isso acontece, ela é autuada imediatamente. Então sabemos que a legislação que temos hoje proporciona esse direito de forma bem assertiva. Nesse caso, a gente vê que foi um avanço muito grande de a criança surda poder estar na escola comum, com acessibilidade, com atuação do intérprete.”
Por sua vez, o intérprete da Língua Americana de Sinais, Brian, argumenta que um dos principais avanços ainda necessários é garantir que realmente todos tenham acesso à língua de sinais:
“A partir do momento em que o ensino da língua de sinais for obrigatório para todos os estudantes, a sociedade como um todo se beneficiará. Qualquer um poderá se comunicar melhor. Por exemplo, bebês e crianças em idade não-verbal, idosos com perda de audição, pessoas com dificuldade de fala e, claro, surdos.”
Ele também acredita que a língua de sinais torna possível a inclusão de estudantes com deficiência auditiva em escolas comuns, permitindo que eles tenham acesso ao conteúdo pedagógico por meio de intérpretes nas salas de aula e nas salas de recursos multifuncionais.
Segundo o especialista Joaquim, “a língua de sinais na escola é imprescindível e é urgente”, pois muitas vezes a criança surda é deixada para trás no processo de ensino-aprendizagem por não conseguir se comunicar e apreender o conteúdo passado.
Ele ressalta que o ensino da língua de sinais precisa ser inclusivo, não segregacionista: “Uma educação de fato inclusiva é quando você inclui todos no ambiente educacional. Então educação bilíngue inclusiva é a educação em que você aprende tanto português quanto Libras. Se você tem um processo de educação bilíngue inclusiva, você coloca todas as pessoas para aprender a língua, que é uma língua brasileira. Ela não vai perder nada. Ela vai ter possibilidade de se comunicar com qualquer pessoa no Brasil, sendo surda ou ouvinte”.
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