Qual é o histórico da educação inclusiva?

Quais são os paradigmas históricos?

Paradigmas são modos de compreensões da realidade que delimitam as formas de pensar e agir em um determinado contexto sócio-histórico.

A seguir, de acordo com estudos realizados e experiências compartilhadas no IRM, apresentamos a síntese de quatro paradigmas históricos relacionados às pessoas com deficiência.

Exclusão

A característica principal deste paradigma é que pessoas com deficiência são consideradas incapazes e sem condições de participar dos variados ambientes e contextos da sociedade.  Assim, estes sujeitos são privados de exercer seus direitos civis, políticos, sociais e educacionais.

Neste último âmbito, a exclusão se expressa pela negação da matrícula ou da permanência das pessoas com deficiência nas escolas. Elas são consideradas inaptas para aprender e se desenvolver da mesma forma que os demais estudantes e, portanto, não tem acesso ao ensino.

Ao longo da história, há registros de que indivíduos com deficiência eram abandonados por serem consideradas imperfeitos e indignos à vida. Ainda hoje são conhecidos casos em que vivem isolados em suas casas ou instituições assistenciais.

Segregação

Neste paradigma, considera-se que as pessoas com deficiência devem viver em ambientes separados pelo fato de apresentarem características que não as permitem conviver com os outros cidadãos. Assim, são constituídas instituições para abrigá-las e assisti-las de forma apartada.

Em virtude da pressão dos movimentos de famílias, que passaram a buscar espaços para que seus filhos com deficiência pudessem estudar, foram criadas escolas especiais para atendê-los de forma segregada. Essas organizações tinham projetos específicos, muitas vezes mais ligados à saúde do que à educação.

Ainda hoje existem entidades que atuam segundo a segregação, com a justificativa de que esse público demanda proteção e um acompanhamento orientado pelos tipos de deficiência. No entanto, grande parte da população que frequenta essas instituições acaba se mantendo excluída por toda a vida.

Integração

Na integração, as pessoas com deficiência podem participar das várias esferas da sociedade, desde que se mostrem aptas a isto, por méritos próprios. Ou seja, sem exigir alterações nos ambientes e nas práticas de convivência social. Para tanto, são submetidas a avaliações médicas.

Assim, estudantes com deficiência podem frequentar as escolas comuns somente se tiverem condições de acompanhar o que já está instituído na rotina, sem requerer mudanças estruturais ou pedagógicas. Muitas vezes, exige-se laudo médico ou diagnóstico clínico para definir se o aluno deve ser encaminhado a: (1) escolas especiais, (2) classes especiais ou (3) escolas comuns.

Atualmente, ainda fazem parte da realidade educacional: espaços segregados, currículos reduzidos de forma arbitrária, profissionais que atuam de forma substitutiva aos professores regentes, etc.

Inclusão

O paradigma da inclusão afirma que as pessoas com deficiência devem participar de cada uma das esferas da vida humana, independentemente de suas especificidades físicas, intelectuais, sensoriais, etc. O processo de transformação que viabiliza esse paradigma pressupõe que toda a sociedade se envolva na eliminação das barreiras existentes e na promoção da equiparação de oportunidades.

No âmbito da educação, os indivíduos com deficiência têm o direito de estudar em uma escola que não os segregue. A organização administrativa e o projeto pedagógico da instituição de ensino devem estar comprometidas com a participação, o desenvolvimento e a aprendizagem de todos.

Nas últimas décadas, as redes de ensino vêm se transformando com o objetivo de atender aos princípios do paradigma da inclusão, o que requer investimentos em políticas públicas amplas e contínuas voltadas a: (1) formação dos profissionais que atuam no campo da educação; (2) oferta de serviços de atendimento educacional especializado e apoio aos estudantes; (3) promoção de acessibilidade nos espaços físicos, nos meios de comunicação, nos materiais pedagógicos e demais elementos permeados por barreiras.

O Instituto Rodrigo Mendes desenvolve suas ações com base no paradigma da inclusão. Essa escolha é decorrente da compreensão de que os direitos humanos são inegociáveis e, por outro lado, de que é responsabilidade de toda a sociedade garanti-los.

Qual é a diferença entre integração e inclusão?

Apesar de comumente confundidos, os termos partem de um conjunto completamente diferente de pressupostos. 

Em uma perspectiva histórico-cronológica, na maioria dos países, a integração precede a educação inclusiva no que diz respeito às políticas e práticas. O modelo da integração é baseado na busca pela “normalização”. Nega-se a questão da diferença. A integração admite exceções, uma vez que é baseada em padrões, requisitos e condições. 

Já a educação inclusiva é incondicional. Uma escola inclusiva é uma escola que inclui a todos, sem discriminação, e a cada um, com suas diferenças, independentemente de sexo, idade, religião, origem étnica, raça e deficiência. Uma escola inclusiva é aquela com oportunidades iguais para todos e estratégias diferentes para cada um, de modo que todos possam desenvolver seu potencial. Uma escola que reconhece a educação como um direito humano básico e como alicerce de uma sociedade mais justa e igualitária. 

Conforme os documentos nacionais e internacionais que resguardam os direitos universais, a educação é um dos direitos básicos e inalienáveis de toda e qualquer pessoa. 

Ao contrário da integração, na qual o aluno deve se adaptar às condições da escola, a inclusão prevê sua transformação de modo a garantir o acesso, a permanência e a aprendizagem de todos. Garantir esse direito implica que o sistema de ensino seja reestruturado e que as escolas trabalhem a partir de uma nova cultura, concretizada por meio de ações articuladas e da participação de todos – autoridades, gestores públicos, gestores escolares, educadores, técnicos, funcionários, estudantes, familiares e toda a comunidade. 

Por que a integração ainda se manifesta no dia a dia das escolas?

Tornar uma escola inclusiva implica transformar a cultura escolar, ou seja, as políticas, as práticas e, inclusive, as pessoas que fazem parte dela, para garantir o direito de todos à educação. Implica mudar a visão da homogeneidade para a diversidade, acreditar que todos podem aprender e reconstruir a escola de forma que seja, de fato, para todos. 

Acontece que nem todas as escolas estão dispostas a mudar tanto assim. Por isso, assumem a inclusão como um projeto adicional, atrelado às práticas já existentes. Elas se autodefinem inclusivas simplesmente pela presença de estudantes com deficiência – o que não é suficiente para caracterizar a inclusão. 

A educação inclusiva não é “mais” um objetivo a ser priorizado, nem diz respeito somente ao acesso (matrícula e presença). Ela é o próprio projeto e diz respeito ao direito de todos de participar e aprender em igualdade de condições. Por isso, exige a transformação da escola a partir do reconhecimento da diferença como um valor intrinsecamente humano e do direito de cada um ser como é. 

Na integração, por outro lado, os estudantes têm que se moldar a um padrão estabelecido pela escola, que, por sua vez, continua a mesma, com valores e modos de organização baseados na expectativa – ilusória – de homogeneidade, concebendo a diferença como exceção. A inserção é parcial e condicional, caracterizando-se pela existência de escolas e classes especiais destinadas aos estudantes não considerados aptos a frequentar uma escola ou sala de aula comum. 

Mas nem sempre a discriminação é tão explícita. Agrupamentos ou a categorização de turmas com base na performance acadêmica, um currículo adaptado ou estratégias pedagógicas diferenciadas somente para as pessoas com deficiência, e até mesmo a atribuição de notas com base em parâmetros de desempenho pré-estabelecidos, também são exemplos de práticas integracionistas fadadas à exclusão. 

Por isso, apesar de o modelo da integração preceder a educação inclusiva, ou seja, já ter sido superado no que diz respeito às leis, normas e políticas vigentes, na prática se mantém na maioria das escolas, e, muitas vezes, sob a insígnia da inclusão. 

 

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O que muda na educação especial com a perspectiva da inclusão?

No contexto nacional, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, criada pelo Governo Federal brasileiro em 2008, é um importante marco regulatório para a garantia da matrícula das pessoas com deficiência na escola regular e para o estabelecimento de um novo modelo de educação especial. Ela deixa de ser substitutiva, assumindo caráter complementar, suplementar e transversal ao ensino regular, perpassando todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, para a eliminação das barreiras à plena participação dos estudantes com deficiência, Transtorno do Espectro Autista (TEA) e altas habilidades/superdotação. 

Trata-se de uma mudança radical, estruturante. A educação especial deixa de se configurar como um sistema paralelo, passando a integrar a proposta pedagógica da escola, apoiando a plena inclusão de todos por meio de recursos, serviços e do Atendimento Educacional Especializado (AEE) para seu público-alvo. 

O quadro abaixo sintetiza algumas das diferenças entre a educação especial e a educação especial na perspectiva inclusiva: 

 

Educação especial  Educação especial na perspectiva inclusiva 
Sistema separado, paralelo ao regular  Faz parte da proposta pedagógica da escola. Perpassa todos os níveis, etapas e
modalidades de ensino. Por isso, é tida como transversal 
Substitui o ensino regular  Complementa ou suplementa o processo de escolarização em sala de aula 
Dinâmica independente, total ou parcialmente dissociada do ensino regular  Dinâmica dependente, totalmente articulada com o trabalho realizado em sala 
Restritiva e condicional. Somente os alunos considerados aptos para o ensino regular podem frequentá-lo  Incondicional e irrestrita. Garante o direito de todos à educação e à plena participação e aprendizagem 
O referencial é o que se convenciona julgar como “típico” ou estatisticamente mais frequente  Parte do pressuposto de que a diferença é uma característica humana 
Baseia-se no modelo médico de deficiência. Foca nos aspectos clínicos, ou seja, no diagnóstico  Baseia-se no modelo social de deficiência. Foca na articulação entre as características da pessoa e as barreiras à sua participação presentes no ambiente 
Nem todos os estudantes conseguem se adaptar à escola. Nem todos correspondem ao padrão estabelecido por ela  A escola deve responder às necessidades e interesses de todos os alunos, sem exceção, partindo do pressuposto de que todas as pessoas aprendem 
Estratégias pedagógicas diferentes para somente alguns estudantes  Diversificação de estratégias pedagógicas para todos 

 

SAIBA MAIS SOBRE A EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA INCLUSIVA 

Quem é o público-alvo da educação especial na perspectiva da educação inclusiva?

O público-alvo da educação inclusiva orientada pelo direito universal à educação, envolve todas as pessoas, independentemente de suas particularidades. 

As pessoas com deficiência têm sido um dos principais focos da área, porque foram historicamente privadas da participação nas redes de ensino. Bem como por estarem associadas a um estigma de “atipicidade”, o que acentua o processo discriminatório e a exclusão. Por essas e outras razões, a legislação determina que o público-alvo da educação especial na perspectiva da educação inclusiva corresponde aos estudantes com deficiência, Transtorno do Espectro Autista (TEA) e altas habilidades/superdotação. 

Mas é importante reforçar que a educação inclusiva diz respeito a todas as pessoas, sem exceção. Ou seja, todos as alunas e alunos, com ou sem deficiência, têm direito ao acesso (matrícula e presença), à participação em todas as atividades da escola e à aprendizagem, com equiparação de oportunidades para o pleno desenvolvimento de seu potencial. 

Qual é o histórico dos marcos legais da educação inclusiva?

Nos últimos anos, uma série de leis e regulamentações acerca da educação inclusiva entraram em vigor em nosso país. Conheça cada uma delas detalhadamente e saiba como garantir esses direitos. 

 Nas últimas décadas, muitos países têm passado por significativas transformações referentes a políticas e práticas voltadas à educação inclusiva. No Brasil, as principais mudanças foram decorrentes da publicação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, feita pelas Nações Unidas (ONU) em 2006. 

Inspirado nesse documento, o Ministério da Educação (MEC) lançou, em 2008, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Seu objetivo foi estabelecer diretrizes para a criação de políticas públicas e práticas pedagógicas voltadas à inclusão escolar. Uma das principais contribuições dessa medida foi reformular o papel da educação especial por meio do estabelecimento do Atendimento Educacional Especializado (AEE). 

Em 2008, a Convenção da ONU foi ratificada no país com equivalência de emenda constitucional, passando a atuar como um referencial a ser respeitado por todas as leis e políticas brasileiras. 

Em 2014, foi promulgado o Plano Nacional de Educação (PNE), que prevê a universalização do acesso à educação básica e ao AEE para o público-alvo da educação especial até 2024. 

Em 2015, finalmente, foi aprovada a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), que traz uma série de inovações, como a proibição da negação de matrícula e de cobrança de taxas adicionais em casos de estudantes com deficiência. 

Como consequência direta dessas leis, o número total de matrículas dos estudantes com deficiência na educação básica cresceu substancialmente nesse período, particularmente no contexto inclusivo. 

No entanto, é preciso considerar que, de modo geral, essa trajetória não é linear. Não se trata de uma sequência lógica, sistemática e progressiva de mudanças. Os muitos e inegáveis avanços são resultado de um processo marcado por controvérsias, contradições e, muitas vezes, retrocessos. Isso porque a educação inclusiva desafia a lógica excludente que rege os valores e a organização das redes de ensino (públicas e privadas) e exige sua transformação para que o direito de participação e aprendizado no contexto escolar se torne, de fato, uma realidade para todos no Brasil e no mundo. 

 CONFIRA A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO FEDERAL PARA A EDUCAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA 

Qual o contexto atual da educação inclusiva no Brasil?

Desde a publicação da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, em 2006, pelas Nações Unidas (ONU), o Brasil tem passado por grandes transformações no que diz respeito à educação inclusiva. 

Há importantes conquistas que precisam ser reconhecidas e celebradas, principalmente no aspecto legal. Nesse período, o país construiu e aprovou um conjunto de leis bastante avançadas, baseadas na Convenção e coerentes com os princípios da educação inclusiva, fundamentais para a garantia do direito de todos à educação. 

Outro aspecto que merece destaque é da matrícula e presença de estudantes com deficiência na educação básica. Segundo o Censo escolar de 2020 (INEP), o número total dessas matrículas apresenta um crescimento de quase 70% nesse período, beirando 1.300.000 matrículas na educação básica brasileira. O percentual de matrículas em ambientes inclusivos atinge a expressiva marca de 88%, contrapondo um contexto anterior oposto, ou seja, de predominância em escolas e classes especiais. 

No entanto, as inegáveis e relevantes vitórias, convivem com grandes desafios. No ensino médio e no superior, esses percentuais são menores, revelando um verdadeiro funil para a progressão de estudantes com deficiência na educação. Recentemente, em 2020, o governo brasileiro publicou o Decreto nº 10.502, chamado pela sociedade civil de Decreto da Exclusão, que traz retrocessos de direitos e retoma o incentivo à cultura de segregação do público-alvo da educação especial. O decreto foi considerado inconstitucional e está suspenso pelo Supremo Tribunal Federal. 

Ou seja, ainda há muitos desafios a serem superados. E todos nós, sem exceção, temos papel fundamental nessa luta.

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