Introdução
A Associação Para Acolher Todas as Crianças (APATE), localizada em Paris (França), foi criada por Cecile Herrou com o intuito de combater a exclusão de crianças das escolas, por qualquer motivo, em especial por causa de deficiência. As três instituições ligadas à APATE reservam um terço de suas vagas para crianças com deficiência.
A França, hoje, concentra suas políticas em relação aos estudantes com deficiência nas ações dos Conselhos Departamentais da Pessoa com Deficiência, que, a partir de um diagnóstico multidisciplinar, buscam garantir os direitos à educação por meio de um plano personalizado de escolarização, que determina se a criança receberá recursos adicionais de tecnologia assistiva ou a ajuda de um Auxiliar de Vida Escolar. Esse conselho também define se o estudante irá para a classe regular ou para algum dos modelos de classe especial implantados nas escolas regulares.
Herrou pretende ir além da legislação, em sua associação. Ela busca um modelo de educação inclusiva que permita ver e aprender com a diferença para levar cada criança a explorar seu potencial.
Um começo: a história de Cecile Herrou
Em 1977, Cecile Herrou começou a trabalhar como estagiária em serviço social no Centro de Atenção Precoce, na cidade de Paris, França. Tais centros recebiam as crianças com deficiência para tratamento ambulatorial. Raros eram os casos em que tais crianças conseguiam se inserir em instituições regulares da educação infantil, dependendo da boa vontade das professoras. Herrou focou seu trabalho, então, na tentativa de encontrar soluções nas creches para atender a essas crianças, pois acreditava que a inclusão seria benéfica não só a elas, como também às famílias.
Por um lado, ela acreditava que a convivência entre crianças com e sem deficiência traria ganhos no plano psicológico para ambas e as incentivaria a se superarem. Por outro, ela se preocupava com a situação das mães que precisavam parar de trabalhar para acompanhar o filho com deficiência, agravando a situação social de muitas delas.
Por isso, ela resolveu criar, em 1992, a Casa Dagobert, com a vocação de lutar contra a exclusão, particularmente das crianças com deficiência, mas também contra qualquer espécie de causa que fizesse com que a criança não pudesse viver em coletividade. Algumas certezas serviram como estopim para sua decisão 1:
- Inúmeras crianças não eram acolhidas nas instituições de educação infantil em razão de sua deficiência ou doença crônica, apesar do desejo de seus pais e das demandas das equipes de saúde;
- As crianças com deficiência e autistas se desenvolvem melhor no contato com outras crianças do que na situação de isolamento ou se sentindo causa de problemas familiares;
- Um bom acolhimento às crianças permitiria a reorganização familiar, possibilitando aos pais (sobretudo às mães) retomar sua vida social e profissional, necessária ao seu equilíbrio psicológico;
- A experiência de proximidade com a diversidade propiciaria às crianças sem deficiência a oportunidade de apreender diferentes abordagens da realidade, outras modalidades de viver;
- Fazia-se necessário uma instituição que pudesse servir de referência às equipes de saúde e assistência social sobre o acolhimento de famílias em situação de risco (incluindo pais alcoólatras, psicóticos etc.).
À Casa Dagobert, seguiram-se duas outras estruturas: a Escola Gulliver (aberta em 1998) e a Caverna de Ali Babá (de 2006). Essas três entidades, focadas na educação infantil, foram reunidas em uma associação chamada de APATE, sigla em francês para “Associação para Acolher Todas as Crianças”. A APATE recebe, hoje, 220 crianças, sendo aproximadamente 70 com deficiência, já que eles reservam 1/3 das vagas para esse público. Atendem principalmente crianças com deficiência intelectual, física e autismo.
A associação é privada e, de acordo com a lei de utilidade pública francesa, que a reconhece como entidade de interesse geral, é totalmente financiada por recursos públicos. Recebe verbas da prefeitura de Paris e do Fundo de Alocação Familiar, espécie de subvenção pública à família da Política de Seguridade Social Francesa. Seu estatuto permite à APATE manter a autonomia sobre suas ações, exigindo, como contrapartida, a gratuidade de seus serviços à população. Também são necessárias prestações de conta e relatórios de atividade ao governo francês.
De acordo com o estatuto da APATE, a associação não deve fazer processos de seleção das crianças. Diz Herrou:
Só há uma condição – só uma, pois nós não as escolhemos – para a admissão das crianças: que elas estejam sendo supervisionadas por especialistas. Equipes de tratamento escolhidas pelas famílias que atendam as crianças. Há vários dispositivos para isso na França, como o Centro de Acompanhamento Médico-Social Precoce, o Centro Médico-Psicopedagógico, hospitais-dia, profissionais liberais… Em todo caso, nós nos asseguramos que seja uma referência médica. É preciso de uma referência assim, que seja interlocutora com o Conselho Departamental da Pessoa com Deficiência, que reúne tudo o que se relaciona com a política sócio-médica de acompanhamento da pessoa com deficiência. Esse acompanhamento das crianças com deficiência é obrigatório. Faz parte da lei.
Uma sociedade em mudança: a lei de 2005
A lei a que Herrou se refere é a lei nº 2005-102, de 11 de fevereiro de 2005, pela igualdade de direitos e de chances, a participação e a cidadania das pessoas com deficiência. A lei anterior, de 1975, focava sua atenção em compensar a deficiência, oferecendo tratamento, tecnologias assistivas e compensações financeiras através de subsídios. A nova lei utiliza o paradigma inclusivo: a sociedade deve mudar suas instituições para ser capaz de receber qualquer um. Philippe van den Herreweghe, delegado ministerial de pessoas com deficiência do Ministério da Educação Nacional da França, comenta o impacto da lei:
As pessoas com deficiência eram uma minoria que nunca falava. Era uma minoria que nós não ouvíamos. E me parece que o que houve na década de 2000 é que as pessoas com deficiência tomaram a palavra. E disseram: “Pare! Basta! Temos o direito de viver, como os outros”. Então, a lei de 11 de fevereiro de 2005 foi uma lei muito importante porque diz que toda criança é um estudante. Então o que se passou? Muitas famílias chegaram com seus filhos nos braços e disseram ao diretor da escola: “Tome minha pequena criança com síndrome de Down, miopática, com deficiências múltiplas, surda ou cega. Tome, eu vou confiá-la a você para que ela vá à escola.” E o que se passou? Houve um choque, porque a escola não estava pronta para acolher essas crianças. E, o que é muito positivo, foram recolocados em questão os costumes da escola, da Educação Nacional, sobre o acolhimento aos estudantes com deficiência. Os educadores foram obrigados a se colocar questões sobre suas práticas.
A partir da revolução causada por essa lei, a Educação Nacional 2 elaborou uma extensa política 3 visando a educação das crianças com deficiência. Essa política é coordenada nacionalmente por Herreweghe e, localmente, pelos Conselhos Departamentais para as Pessoas com Deficiência (CDPD). Tais conselhos são formados por uma equipe multidisciplinar de especialistas, que conta com médicos, psicólogos, assistentes sociais, entre outros. Seu papel é o de elaborar o percurso de escolarização das crianças com deficiência. Para isso, são definidas 3 etapas:
1. Análise das necessidades: realizada em conjunto com a família e os educadores, essa etapa tem como objetivo definir o melhor caminho para a escolarização da criança, considerando suas especificidades e riscos para sua saúde.
2. Elaboração do PPE (Plano Personalizado de Educação): com base na primeira etapa e no desejo da família e da criança, é elaborado um PPE, que define:
- A natureza e a qualidade do acompanhamento terapêutico que a criança irá utilizar;
- A necessidade de auxílio humano (individualizado ou grupal);
- A necessidade de material pedagógico adaptado;
- O dispositivo de escolarização a ser utilizado.
3. Acompanhamento e ajustes: é definida uma equipe de acompanhamento da criança, que avaliará de forma regular seu progresso escolar e terapêutico, além de servir de interlocutora entre as três partes envolvidas (família, escola e CDPD). Os ajustes podem ser feitos no decorrer do ano e o PPE passa necessariamente por uma avaliação anual.
O PPE irá indicar, de acordo com as necessidades da criança e consenso das partes, um dos seguintes dispositivos de escolarização:
- Escolarização coletiva:
- Escolarização nas classes regulares;
- Escolarização nas classes para inclusão escolar;
- Escolarização individual;
- Escolarização em estabelecimento médico-social;
- Ensino à distância
Há, ainda, os Polos de Acompanhamento à Escolarização de Alunos Surdos, destinados a permitir que os alunos com deficiência auditiva sejam escolarizados no ambiente de ensino regular, respeitando a opção do modo de comunicação tomada pela família (em francês ou em Língua de Sinais Francesa – LSF).
Em relação à escolarização nas classes para inclusão escolar, Herreweghe explica que existem classes nesse formato tanto no fundamental quanto no médio, que se localizam dentro das escolas regulares. São chamadas de Classes de Inclusão Escolar – CLIS – quando concernentes ao ensino fundamental e Unidades Locais de Inclusão Escolar – ULIS – quando se referem ao ensino médio. Existem 4 tipos desses dispositivos, especializadas em diferentes deficiências. Elas têm, em média, 11 a 12 alunos, que podem ficar nas classes em tempo integral ou dividir o tempo entre as classes de inclusão e as classes regulares.
O PPE também pode indicar a necessidade de um Auxiliar de Vida Escolar (AVE). Esses profissionais passam por um curso de formação de 60 horas para acompanhar os alunos, amparando-os em sala de aula, tanto nos cuidados pessoais como em tarefas pedagógicas. Eles podem, por exemplo, ajudar o aluno a escrever, a prestar atenção na aula ou em tarefas que exigem movimentos difíceis para a criança. São objetivos dos AVEs promover a autonomia do aluno, ajudar na integração com as outras crianças e elevar seu rendimento escolar.
Cerca de 40% das crianças com deficiência utilizam esse tipo de ajuda humana, num total aproximado de 50 mil AVEs. No entanto, não existe esse cargo de trabalho na Educação Nacional e tais profissionais são recrutados por meio de contratos temporários de três anos, renováveis apenas uma vez. Por isso, Herreweghe ainda convive com a dificuldade de manter os AVEs:
Isso é um problema. A questão do acompanhamento do estudante com deficiência na escola é um problema porque não temos ainda como garantir a essas pessoas contratos estáveis, longos. E nós não regulamentamos esse cargo ainda, na França, porque, efetivamente, é algo que custa muito caro.
Há mais uma dificuldade sentida por Herreweghe: a resistência de parte dos professores em relação à educação inclusiva. Essa resistência se reflete, por exemplo, na falta de interesse nos cursos de formação em educação inclusiva.
A formação, hoje, dos educadores é um problema grave, porque ela não é demandada. Mesmo se ela estiver disponível ela não é demandada. Porque os educadores ainda não entenderam completamente que terão, no próximo ano escolar, uma criança trissômica, uma criança autista ou uma criança com dispraxia. Ele ainda não entendeu. “Os acidentes nas estradas só acontecem com os outros, nunca conosco”. Aqui é um pouco a mesma coisa: “Na volta às aulas não terei esse problema”. Aí, chegamos à sala de aula e dizemos aos alunos para ficar de pé, mas dois deles não o conseguem e não entendemos; então, somos obrigados a nos virar sozinhos. É o problema que enfrentamos hoje. Por isso temos que pensar numa espécie rápida de formação sob medida, para os educadores que encontraram dificuldades, evitando que as passem para os alunos, para os quais não encontraram solução – e é preciso encontrá-la.
Para Herrou, a lei serve para incentivar esses professores a repensar suas posições:
Toda lei é importante, porque ela dá uma orientação e introduz a ideia forte de que estamos diante de possibilidades. Ao mesmo tempo, é uma injunção. Diz às pessoas, às instituições, aos cidadãos: “é assim e não de outra forma”. Mas dá, ao mesmo tempo, uma autorização: “você é capaz”! O legislador, a lei diz “isso se deve fazer porque pode ser feito, porque você tem a capacidade”.
A APATE segue a legislação e utiliza o apoio que ela oferece, mas é radicalmente mais inclusiva do que a atual política nacional. Ela questiona, por exemplo, a tentativa de algumas instituições de adequar os estudantes às suas normas.
Nós já aceitamos de maneira total que a criança deve aceitar a regra social, a coletividade. Mas num primeiro momento, somos nós que devemos acolher a criança, nós que devemos nos adaptar a ela. Eu penso que a regra deve ser questionada, que as normas sejam desarranjadas. E a pessoa com deficiência desloca a linha da norma. Nossa sociedade se enriquecerá por esse requestionamento de suas normas.
Repensando a norma: o exemplo da Escola Gulliver
Todas as manhãs, Ghada Uba, diretora adjunta da Escola Gulliver, e sua equipe de educadores abrem as portas da Escola Gulliver, às 8h30, para acolher as crianças e seus pais. Uba explica:
Temos 39 crianças que são divididos em três salas. Essas crianças são acompanhadas pelos pais todas as manhãs até sua sala de aula, onde há 2 pessoas para acolhê-las. São 2 pessoas porque é necessário que se acolham as crianças, por um lado, e os pais do outro. O tempo de acolhimento é muito importante na Gulliver. Dedicamos meia hora aos pais: eles chegam às 8h30 e ficam até as 9h00. É um tempo bem limitado em relação às salas, mas as pessoas que podem ficar um pouco mais vão para o hall, tomar um café conosco, discutir uma porção de coisas, assuntos variados como a política, deficiência, as crianças, a pedagogia.
Esse espaço de convivência aumenta o vínculo entre eles, como exemplifica Herrou:
Há muitos laços sociais entre as pessoas que podem se tornar bem concretos numa ação, se eles quiserem… Por exemplo, há uma mãe na Caverna de Ali-Babá que é professora de alemão e ela dá curso de alemão aos pequeninos. No ano anterior foi um curso de inglês por uma mãe que é professora de inglês. Há um pai que é músico que vem dar aula de música. Mas o importante não é isso. É o quotidiano que partilhamos. As pessoas se conhecem, se convidam entre elas, as crianças festejam seu aniversário; as crianças com deficiência também participam dos aniversários, o que não é nada evidente! Eles convidam para seus aniversários, eles são convidados, os pais se conhecem, viajam juntos. Há uma solidariedade verdadeira entre as pessoas que é muito importante.
A convivência com os pais deu à Gulliver uma visão positiva daquelas pessoas:
São pessoas que compreenderam que a diversidade é uma experiência muito interessante. Não são pais que colocam seus filhos, que vão bem, com as crianças com deficiência, com intuito de agradar a essas últimas. Não é assim que funciona. Eles colocam suas crianças porque estão convencidos que é isso trará uma capacidade de adaptação e de reflexão desde o berço a esses pequenos antropólogos, a partir da questão da alteridade. Não penso que eles o fazem por doação deles mesmos, através de seu filho, não se trata disso, absolutamente: há uma convicção, que é igual à nossa, de que isso importa.
Das 9h às 10h da manhã, as crianças ficam em sala com os educadores que fizeram o acolhimento. É um período menos estruturado, onde jogos e atividades ficam à disposição dos alunos. Alguns pais continuam na escola durante esse período, que também é bastante dedicado à conversa com os alunos. Os educadores procuram entender como foi a noite (ou o fim de semana) deles, como está o ambiente doméstico, e incentivam que eles interajam entre si.
“Às 10 horas, as crianças mudam de sala, de grupo e de acompanhamento”, explica Uba. “Nesse momento, começam as atividades, digamos, escolares”. “São trabalhos para deixá-los prontos para a aprendizagem escolar, que demandam mais concentração”, complementa Melanie L’Huiller, educadora na escola. “Nós os agrupamos por nível e iniciamos os trabalhos voltados propriamente para o conhecimento”. Os alunos são agrupados em grupos de cerca de cinco crianças, de acordo com a metodologia implantada por Uba há cerca de 10 anos:
É um funcionamento entre o que chamamos fechamento total, ou seja, ficar em sua sala com a criança, sem sair e a abertura total, ou seja, um espaço completamente aberto; fala-se disso em relação às atividades pedagógicas; fala-se de abertura total, quer dizer, um espaço totalmente aberto, em que propomos atividades diversificadas e as crianças tomam a iniciativa de se mover de uma atividade a outra. Quis implantar uma maneira de funcionar que esteja entre o fechamento total e a abertura total.
Criamos um grupo de 5 a 6 crianças cada vez e neles colocamos também crianças com deficiência, que precisam de ajuda, de apoio; se uma criança em particular necessita de ajuda, colocaremos com ela crianças bastante autônomas, para que o adulto que gere uma atividade não fique em dificuldade, quer dizer, essa pessoa vai conseguir ajudar a criança que precisa de ajuda e, ao mesmo tempo, ter uma visão global e uma visão do resto do grupo.
L’Huiller aprova os pequenos grupos, por permitir a atenção individual a cada criança:
Funciona bem com pequenos grupos, mas principalmente individualmente, com cada criança, para que eles possam avançar tranquilamente, pois somos nós que nos adaptamos à criança e não o inverso. Eu fico em função das crianças. Temos objetivos para o fim do ano. Nós buscamos atendê-los, mas a forma é individual, com cada aluno. Quer dizer que se há uma criança em um nível que tem dificuldade em leitura, eu trabalho mais a leitura com ele. Com outro trabalho mais sobre números ou com outra coisa, porque eu sei o que está acontecendo e quais são as necessidades. Eu não posso planejar com rigidez, pois depende do ambiente que estaremos hoje, como o dia decorreu, como estarão as crianças, se estão nervosos ou não… Então estou em função do grupo e em função de cada criança. A vantagem é trabalhar com o indivíduo, com a criança, e não unicamente com um grupo grande de crianças.
Entre 11h00 e meio-dia a equipe e as crianças almoçam em conjunto na cantina. O espaço é compartilhado e as crianças auxiliam a colocar os pratos e talheres e a servir a comida. Depois disso, vem um período de siesta até às 13 horas. Nesse período, 2 educadores tomam conta das crianças que não quiserem descansar, enquanto 1 fica no quarto com os adormecidos.
A rotina da tarde é bem diferente da matinal. Ela é bastante voltada às atividades educacionais. Um quadro marca que atividades serão realizadas em que horários e por quais educadores.
Nessa mesma tabela, ficam definidos os grupos com os quais cada professora irá trabalhar. As crianças que integram cada grupo se modificam de uma atividade para outra. Trimestralmente, esse quadro é revisto, a partir das observações que a equipe da Gulliver fez da evolução das crianças, podendo ser acrescentadas ou enfatizadas algumas atividades. As crianças, no entanto, não são colocadas em situação de teste.
Uba explica como exerce a função de educadora junto às crianças:
Minha intenção é deixar a criança explorar ao máximo suas capacidades. Por exemplo, com o grupo dos grandes, tenho a responsabilidade de tudo o que se refere ao aprendizado escolar para prepará-los para entrar no fundamental. Este ano temos, no grupo dos grandes, 3 crianças com deficiência. Pessoalmente, tento ajudar as crianças a confiar nelas mesmas para alcançar o máximo de suas capacidades. Acredito sempre que as crianças têm muitas capacidades. Cabe ao adulto ajudá-los a fazer aparecerem essas capacidades, a explorá-las.
Por exemplo, explico globalmente a lição a todas as crianças da mesma maneira, e tento adaptar as explicações a nossa vida cotidiana, a nossa vida diária, para reconduzir a criança à realidade e tentar colar a explicação à vivência da criança. Não dou explicações que a criança não vai entender. Por exemplo, quando falo de quadro de entrada dupla, em matemática, utilizo o edifício onde moramos: há os andares (entrada vertical), os patamares (entrada horizontal), os vizinhos (posições)…
Logo, minhas explicações são sempre adaptadas ao que a criança pode ver e visualizar. O elevador que sobe do 1º ao 10º andar – então, começamos com o número 1, que é o menor; o 10 é o maior. Logo, adapto minhas explicações em função da lógica de cada criança. Quando percebo que há uma criança que não entendeu, deixo os outros fazerem seu trabalho, sento-me ao lado dessa criança e me esforço para encontrar uma explicação adaptada a sua lógica. O resultado é que, no fim do ano escolar, não preciso mais explicar em particular às três crianças com deficiência; eles interiorizaram o sistema de explicação das outras crianças e atingiram um nível em que não precisam que eu lhes explique em particular a maneira de fazer.
A escola Gulliver funciona em período integral, das 8h30 às 17h30 diariamente, a não ser às terças-feiras, quando as atividades terminam meia hora mais cedo para dar lugar à reunião de equipe. Os temas dessa reunião podem ser sobre uma turma, sobre uma criança, sobre a orientação para o trimestre ou ano seguinte. São também locais de apoio para que os professores possam colocar questões sobre sua prática.
Eu acho que é importante – eu não trabalho sozinha, eu não posso. Tenho uma equipe ao redor de mim. Eu acho que o trabalho em equipe é o que sustenta. A coesão da equipe, poder trocar com seus colegas que são capazes de dizer “não faça assim, talvez se você fizer assim será melhor; talvez eu tenha percebido um detalhe, que essa criança pode responder melhor com a massa de modelar, você pode usar isso para trabalhar com ele, ele vai ficar mais interessado”. Com só uma visão é difícil. Eu acho que são necessários outros olhares de outros profissionais que não têm a mesma história que eu e que tenham outro olhar. Isso vai me mudar. Isso é importante, não estar sozinha nesse momento, não estar sozinha frente à deficiência ou à criança. É importante poder partilhar tudo isso. E poder dizer “escute, eu não sei como fazer, eu não entendi, eu estou perdida”. O outro vai encontrar algo a me dizer: “escute, e isso e aquilo, talvez?”.
Desafios
A proximidade da APATE com as famílias de seus estudantes fez com que ela tomasse contato com as dificuldades que esses pais têm, hoje, na educação de seus filhos. Mas como essa proximidade poderia auxiliar a associação a ajudar ainda mais esses pais? Indo além, como aproveitar as próprias experiências dessas famílias para fortalecer a rede de apoio formado pela comunidade que participa da associação? Esse é um desafio que Herrou e sua equipe quer transformar em projeto para os próximos anos.
Um projeto como o da APATE, onde a educação inclusiva é posta em prática, esbarra, ainda hoje, na cultura dos franceses, que, de acordo com Herreweghe, não estão acostumados a conviver com a pessoa com deficiência e carregam diversos preconceitos a respeito do potencial dessas pessoas. Por isso, são raras as iniciativas inclusivas nas escolas públicas francesas.
Para Herreweghe, o sistema criado para a educação especial na França é aceitável, porque consegue respeitar o desejo da família e garantir o acesso a algum tipo de educação. No entanto, ele ressalta que ainda existem muitos desafios. Um dos problemas apontados por ele, por exemplo, é o fato de os estudantes com deficiência não terem perspectiva de prestar um curso superior. Herrou também nota que as classes especiais (CLIS e ULIS) muitas vezes são estigmatizadas dentro das escolas.
A sociedade aos poucos muda, mas fica o desafio: como acelerar essas mudanças para não manter o prejuízo no qual vive a atual geração de pessoas com deficiência no país?
Notas
Esse caso foi desenvolvido a partir de depoimentos dos envolvidos. Os casos do Projeto Diversa têm como finalidade ser utilizados por mediadores, em cursos de formação continuada, como base para discussões. Não servem, portanto, como endosso, fonte de dados primários ou de práticas pedagógicas efetivas ou inefetivas.
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1 De acordo com o site da APATE (http://www.apate.fr/projasso.html).
2 Refere-se às ações do Ministério da Educação.
3 Essas informações encontram-se no site do Ministério da Educação Francês: http://www.education.gouv.fr/cid207/la-scolarisation-des-eleves-handicapes.html#dispositifs-de-scolarisation.
Sobre o autor
Augusto Galery é psicólogo, mestre em administração, doutor em psicologia social e pesquisador em sociedade inclusiva. Foi coordenador do programa DIVERSA Pesquisa de 2011 a 2015.