A Escola Municipal Professora Primorosa Jorge do Nascimento, localizada no bairro Vila Santo Antônio em Ferraz de Vasconcelos (SP), oferece ensino fundamental, ciclo I e II, para 837 alunos. Desses, 27 estudantes com deficiência física, intelectual e transtorno do espectro autista (TEA) estão matriculados no atendimento educacional especializado (AEE).
Nos documentos que organizam a educação na rede municipal está posta a perspectiva da ação colaborativa, que induz o envolvimento de docentes, gestores, equipe técnica, supervisores e família na tomada de decisões e execução da política. Desse modo, há objetivos comuns que visam favorecer a participação de todos no processo educativo. Nessa concepção, o plano pedagógico e o plano de atendimento educacional especializado seriam de responsabilidade conjunta do professor de AEE, do professor da sala de aula e do coordenador pedagógico.
Conhecendo o estudante
O estudante Caio de Jesus de Oliveira, de 15 anos, tem diagnóstico de Distrofia Muscular de Duchenne. O adolescente apresenta limitações físicas que o impedem de andar. Às vezes ele cai. Às vezes tem que ser carregado no colo pelos funcionários da escola.
Na sala de aula do 9º ano, em geral, sentava-se na última carteira e pouco estabelecia diálogo com seus colegas. Mostrava-se triste, com autoestima baixa e procurava não ser o centro das atenções. A maior dificuldade apontada no processo de escolarização de Caio era que “ele não aceitava nada” que o ajudasse a se locomover. Assim, “recusava-se” a sair da sala de aula, “recusava-se” a ficar com a professora fazendo alguma atividade. Mesmo sendo um garoto que sabia ler, escrever e falar, ainda que com dificuldades, como quase não atendia os questionamentos dos educadores, parecia não aproveitar as intervenções pedagógicas.
Essa não-vontade de participar da rotina escolar não melhorou nem mesmo com o atendimento educacional especializado. Avaliamos que o fato da professora atender Caio individualmente acabava por reforçar uma espécie de exclusão que cada dia só piorava a convivência do estudante na escola. Segundo essa docente, ele se isolava na sala e, por mais que os amigos o chamassem para ficar em grupo e participar das atividades, ele se sentia à vontade apenas com um grupinho específico. Faltava muito por sua dificuldade de locomoção e logística familiar, o que também dificultava o estabelecimento de laços.
O estudante recebia o AEE no mesmo turno em que frequenta a escola, enquanto os demais colegas estavam na aula de educação física. De fato, ele se negava a participar dessa atividade por causa das dores; e essa recusa era validada por um atestado médico que dizia que Caio não deveria ser forçado a fazer as aulas. Vale dizer que sua mãe nos contou que em casa ela já não sabia o que fazer para tirá-lo desse estado de isolamento e pediu apoio.
O DIVERSA presencial
A rede municipal vivenciava algumas dificuldades em efetivar uma educação realmente inclusiva. Parecia que faltava diálogo e corresponsabilidade de todos os envolvidos. Surgiu, então, a grande oportunidade de integrar o projeto DIVERSA presencial.
O grupo da escola foi composto pela professora de AEE, uma professora de geografia e a coordenadora pedagógica. No primeiro encontro ficamos muito chocadas, porque começamos a repensar absolutamente tudo que estávamos fazendo. E isso não era nada do que imaginávamos. Achamos que iríamos chegar na formação e haveria uma receita de “como lidar com o Caio”. Mas não tinha…
Percebemos que a tal “receita” tinha que partir de nós, da escola. Foi quando iniciamos uma conversa entre as educadoras que estavam no projeto e que conheciam o estudante. Nos reuníamos antes das aulas e elaborávamos atividades juntas, nas quais não só o Caio participava, mas a sala toda. Novos olhares e novas reflexões surgiram. O trabalho em ação colaborativa e adaptações de pequeno porte, que anteriormente ficavam nos documentos, foram colocados em prática, proporcionando mais estímulo e maior desenvolvimento cognitivo para o Caio e para todos os envolvidos.
Resultados do trabalho colaborativo
A equipe que participava do DIVERSA presencial decidiu conversar com os outros professores e membros da escola sobre o Caio. Desses diálogos surgiram mais parcerias, com atividades adaptadas e, de fato, inclusivas.
Porém, durante o desenvolvimento da formação, o estudante caiu e deixou de ir à escola. Como forma estratégica de acioná-lo, a equipe escolar decidiu, então, pedir aos colegas mais próximos que fossem a sua casa para conversar e ver como ele estava. Na oportunidade, a mãe reiterou inúmeras barreiras e disse que seria muito difícil mantê-lo na escola, pois até mesmo levá-lo à assistência médica estava complicado por conta da queda. Diante desse relato, decidimos, com a atuação firme do diretor, viabilizar transporte no trajeto de sua residência até a unidade.
O estudante voltou a frequentar as aulas e passou a frequentar as aulas. Parecia se sentir novamente pertencente a sua turma. Em um determinado dia, ao ter seu grupo de trabalho apontado como “aquele que não estava fazendo nada” em uma atividade proposta, ele respondeu: “Como não? Olha aqui, estamos trabalhando!”. Ele começou a aparecer, a se manifestar e a falar suas opiniões. Resgatamos Caio. Descobrimos que ele tinha algo dentro dele que estava falando, mas que nós não compreendíamos.
Também começou a frequentar as aulas de educação física, exceto nos dias em que efetivamente está com muita dor. O Caio passou a ser um novo Caio. Aliás, não foi um novo Caio que surgiu – foram novas educadoras, uma nova escola.
Ocorreram grandes modificações atitudinais na rede. A participação de todas juntas no DIVERSA presencial nos fez rever, repensar, reorganizar e recomeçar. Hoje sentimos que a rede atua com mais conhecimento, segurança e objetividade. Agora o maior desafio em 2017 é levar esses conhecimentos, por meio de formação continuada, ao interior de outras unidades educacionais, para que todos vivenciem que a inclusão dá certo.
Projeto participante do DIVERSA presencial.