Localizada na cidade de São Paulo, a Escola Estadual Roldão Lopes de Barros foi uma das primeiras da região a receber estudantes com deficiência nas salas de aula comuns, no início dos anos 2000, e com tempo se estabeleceu como pólo de referência nesse atendimento, sobretudo na educação de estudantes surdos. A unidade funciona nos períodos da manhã, tarde e noite e oferece, respectivamente, o ensino médio, o ensino fundamental II e a educação de jovens e adultos (EJA). Por 15 anos, atuei como intérprete de Língua brasileira de sinais (Libras) em aulas regulares e como professora do atendimento educacional especializado (AEE). Por estar constantemente dentro de sala, conseguia identificar as dificuldades de aprendizado dos alunos e orientar os docentes na flexibilização dos conteúdos.
O projeto que relato surgiu da observação das aulas de língua portuguesa de uma turma da EJA. Na época, eu atuava como intérprete junto à professora da disciplina, já que dos 35 estudantes, oito tinham deficiência auditiva. Em geral, eles apresentavam dificuldades para se expressar em Libras e para escrever em português e, por isso, apenas copiavam a lousa, ainda que com muita dificuldade.
Durante uma atividade de literatura, a docente solicitou que um dos alunos surdos lesse um trecho do livro “A moreninha”, do escritor Joaquim Manuel de Macedo. Entretanto, ao realizar os sinais, ele percebeu que não conhecia a palavra “publicado”. Apresentei o significado do termo a ele e esclareci para todos que algumas pessoas com deficiência auditiva desconheciam alguns sinais da Libras. Após a aula, disse à professora que valorizar recursos de imagem poderia ser uma boa estratégia de aprendizado e, então, decidimos exibir o filme baseado na obra e criar uma peça de teatro sobre a história.
As atividades do projeto tiveram como objetivo promover um bom desenvolvimento da escrita em língua portuguesa e da leitura em Libras entre os jovens e adultos surdos. Além disso, as ações também tiveram como intenção apresentar a língua de sinais aos ouvintes para melhorar a socialização e comunicação entre todos da turma. As estratégias foram escolhidas por levarem os estudantes a conduzirem seu próprio aprendizado com base na vivência intelectual, sensorial e emocional.
Atividades em Libras e português
A aula seguinte aconteceu na sala de vídeo da escola, onde exibimos o filme “A moreninha”. Na época, alugamos uma fita VHS que não contava com recursos de acessibilidade. Compartilhei esse problema com a turma e me ofereci para fazer a interpretação simultânea na língua de sinais. Os alunos com deficiência auditiva, contudo, disseram que seria difícil prestar atenção em mim e na televisão ao mesmo tempo e, por isso, optaram por ver a produção sem legendas e sem a tradução em Libras.
Depois da sessão, recontei a narrativa com os sinais para todos. Enquanto eu gesticulava, os jovens e adultos surdos recordavam-se das cenas, demonstrando que de fato haviam compreendido o enredo, e os ouvintes associavam os acontecimentos aos sinais. Em seguida, a professora solicitou à classe que trabalhasse na elaboração de um resumo da história, destacando as principais cenas. Com base nisso, criamos um roteiro para uma peça de teatro.
Nas aulas seguintes, realizamos dezenas de ensaios. Estudantes com deficiência auditiva e ouvintes participaram em conjunto de todas as etapas de produção: escrita do roteiro, definição dos papéis, escolha do figurino, atuação etc. Esses encontros foram muito importantes para estimular a comunicação nas duas línguas e para formar laços afetivos entre eles.
O encerramento do projeto aconteceu em uma visita ao Museu da Imigração, onde os alunos encenaram a peça com os trajes de época, que podiam ser alugados para fotografias. Como produto final, elaboramos um livro que imita a estrutura dos filmes de cinema mudo, intercalando as imagens e as citações dos trechos mais importantes da narrativa.
Avaliação do projeto
O uso de recursos visuais e a integração das duas línguas nas atividades do projeto proporcionou um bom desenvolvimento linguístico aos estudantes com deficiência adutiva. Após aprofundarem seu contato com a língua portuguesa, eles passaram a ler, escrever e se expressar com mais facilidade. Ao vivenciar a história no vídeo e no teatro, eles puderam entender por completo a obra “A moreninha”.
Após o projeto, passamos a escrever mais nas duas línguas, dando oportunidade a eles para expor e conhecer essa segunda língua. Nos anos posteriores, realizei o mesmo projeto em turmas do ensino médio.