Educadores apontam caminhos para criar novas formas de relação entre estudantes, professores e intérpretes da língua de sinais
Estudantes surdos enfileirados em sala de aula, voltados para o intérprete de Língua brasileira de sinais (Libras). Os ouvintes, nos demais assentos, atentos ao professor. E quase nenhuma troca entre esses dois grupos, “como uma turma dentro de uma turma”.
É assim que docentes costumam descrever suas classes para Gabriela Alvarenga Costa, psicóloga especialista em língua de sinais. Gabriela oferece capacitação em Libras e, entre os públicos para os quais dá aulas, estão professores de escolas regulares. Cientes de que a estrutura de suas classes não são inclusivas, ela conta que eles chegam ao curso incomodados por não conseguirem se comunicar diretamente com os alunos surdos. “Eles se sentem muito dependentes dos intérpretes de Libras”, avalia.
A vivência dos educadores de Vila Velha e Vitória (ES), cidades onde a psicóloga atua, se repete em escolas regulares por todo o país. “Há inúmeros relatos de professores que, dispostos a lidar com as situações em sala de aula, manifestam o desejo de, não só se comunicar, mas, sobretudo, criar vínculos com seus estudantes, orientá-los, acolhê-los, a partir de uma relação direta, independente do intérprete”, destaca Alexandre Moreira, da equipe de formação do Instituto Rodrigo Mendes (IRM). Mas como favorecer a comunicação entre usuários de Libras e ouvintes na escola comum?
Os professores, mesmo sem fluência na língua de sinais, podem criar novas formas de relação entre alunos surdos, ouvintes e intérpretes. “A vontade é o principal requisito para melhorar a comunicação em sala de aula”, garante a psicóloga. E, em colaboração com os próprios estudantes e com a equipe, pequenas mudanças de atitude podem criar uma escola que valoriza as mais diversas formas de expressão.
Libras para todos
Sobre o papel do intérprete, Gabriela esclarece: “Não cabe a ele ajustar, aumentar ou dar mais detalhes na mensagem. Essas nuances têm que se dar entre o professor e o estudante”. Por isso, durante as aulas, o docente deve se dirigir diretamente ao aluno. Reginaldo Varella Patta, professor interlocutor da rede estadual de educação de São Paulo, acrescenta: “o intérprete tem um importante papel na mediação da comunicação, mas tem que ser um facilitador do processo e não burocratizar a relação”.
Outra sugestão que Gabriela costumar dar aos educadores é começar a considerar o uso da língua de sinais antes de entrar em sala de aula. Ela aconselha que os professores, em todas aulas, estabeleçam um conjunto de ideias referentes ao tema que vai ser abordado para que eles mesmos sinalizem em Libras. Para isso, é preciso aprender com o intérprete antecipadamente. “Essa postura faz o estudante surdo se sentir valorizado e desperta a curiosidade dos demais estudantes pela língua”, ela comenta.
Já Alexandre Moreira, do IRM, destaca: “é necessário e oportuno que a aprendizagem da língua de sinais seja difundida para toda a equipe (docente e não docente) e todos os alunos”. No DIVERSA, você encontra uma série de relatos de experiência de escolas que conseguiram criar espaços para ensinar Libras para todos.
Reginaldo também sugere que os professores, interlocutores ou não, invistam no potencial dos estudantes surdos, chamando-os para serem protagonistas, “incentivando a participarem de trabalhos em grupo, entrarem no grêmio, darem palestras etc. A surdez não é impeditivo para a participação dos estudantes na vida estudantil, social ou profissional”. Gabriela complementa: “Eles (os estudantes) podem desafiar a turma propondo alguma atividade em Libras, podem ir à frente da classe para contar o que aprenderam. O importante é que o docente não deixe que se institucionalize uma rotina onde ele dá aula para um grupo e outro grupo, na mesma sala, fica completamente dependente do intérprete.”
Articulação com o AEE
Outro importante aliado nessa tarefa é o atendimento educacional especializado (AEE). Douglas Neves é mestre em educação na cidade do Rio de Janeiro e tem experiência como profissional do AEE na rede pública. Segundo o educador, o serviço pode ajudar os professores a explorar o potencial comunicativo dos estudantes surdos. “O que vemos no dia a dia é muita mímica que se limita a entender ‘sins’ e ‘nãos’, ‘gostar’ e ‘não gostar’, ‘querer’ e ‘não querer’. Esse jogo não incentiva o aluno a expressar em sua plenitude seus pensamentos.”
No atendimento no contraturno, Douglas conta que costuma criar portfólios temáticos de sinais para seus estudantes. “Tem uma pasta sobre materiais escolares com fotos de caneta, estojo, borracha etc., e com os sinais em Libras ao lado. Outra pasta sobre as pessoas da escola: quem são os colegas? Os professores? Quais os sinais de cada um deles?”, explica. Esse material pode ficar à disposição para consulta na escola.
Já na sala comum, o AEE pode auxiliar os docentes a inovar em suas aulas, saindo do modelo tradicional de exposição oral. “Explorar muito mais recursos de imagem, de vídeo e outros tipos de ferramentas sensoriais, teatralizar os momentos de contar histórias” são algumas estratégias possíveis, ele aponta. Já na relação entre alunos, professores e intérpretes, o serviço de apoio deve ficar atento e observar se nenhum estudante está sendo privado do contato com todos.
E para inserir a Libras no dia a dia da escola, além de aulas para todos quando possível, Douglas destaca a importância de sinalizar os ambientes. “Devemos criar pontes para as pessoas com surdez, valorizando suas maneiras e formas de se comunicar, suas formas de ler e de contar”.