Todos sabemos que, apesar da complexidade dos desafios enfrentados pelo Brasil, determinados argumentos parecem ser compartilhados. Um deles diz respeito ao papel da educação na construção de um país mais igualitário. Em linhas gerais, acredita-se que a redução das desigualdades econômicas e sociais é diretamente dependente da garantia de acesso à educação de qualidade a qualquer brasileiro.
Essa constatação nos leva a uma pergunta que deveria estar presente na pauta de gestores públicos que usufruem do poder de decidir sobre os rumos a serem tomados pela educação de nosso país, quer seja: que tipo de educação precisamos?
Nos últimos anos, tenho viajado para diversas regiões do mundo em busca de experiências consistentes de educação inclusiva. Com esse objetivo, tive a oportunidade de visitar escolas que se destacam por implementar propostas pedagógicas orientadas não só pelo desempenho escolar, mas também pelo acolhimento das diferenças humanas. Além de entrevistar os professores e diretores dessas instituições, sempre me aproximo dos gestores públicos responsáveis pela educação da respectiva cidade ou país.
Ao perguntá-los sobre o tipo de educação que almejam, observo a existência de uma aparente dicotomia entre duas vertentes: uma defensora da meritocracia e do desenvolvimento de competências cognitivas voltadas às demandas tradicionais do mercado de trabalho; outra comprometida com a igualdade de direitos, pautada pelo desenvolvimento de competências socioemocionais e a construção de uma sociedade inclusiva. Em outras palavras, parece haver uma tensão binária entre a educação para o mercado e a educação para a cidadania.
Tenho refletido muito sobre essa suposta dicotomia e acredito que seja resultado de uma falta de visão. Sejam quais forem os referenciais políticos e ideológicos que nos guiam, todos somos conscientes da amplitude de demandas que nos impactam a cada instante. Somos chamados a planejar, calcular, analisar, estruturar e persuadir. Ao mesmo tempo, somos convocados a ponderar, tolerar, respeitar, ressignificar e ceder.
Não se trata, portanto, de escolher entre competitividade ou cidadania. Meritocracia ou tolerância. Competências cognitivas ou competências socioemocionais. Trata-se de assumirmos a necessidade de uma visão mais ambiciosa de sociedade e, consequentemente, de educação.
Há alguns anos, tive a chance de conversar com Pirjo Koivula, integrante do Ministério da Educação, da Finlândia, país que tem se destacado em rankings internacionais sobre qualidade de ensino. Ao perguntá-la sobre como conciliar a busca por desempenho acadêmico com o acolhimento das diferenças, Pirjo explicou que a Finlândia investe continuamente em suporte ao aluno. Seja qual for o background, todo aluno pode em algum momento precisar de atenção individualizada e os professores são orientados a identificar diariamente aqueles que precisam de apoio. Pessoas com deficiência fazem parte desse processo. São tratadas como iguais. Uma das evidências dessa abordagem não discriminatória é a opção por abandonar a expressão “educação especial”. Assim como as outras, uma criança com deficiência pode precisar de “suporte” e é isso que buscam oferecer.
Outra fonte notável de ideias para uma educação inclusiva é o Professor Thomas Hehir, membro da Harvard Graduate School of Education. Segundo ele, os professores precisam ter em mente as diversas necessidades e desafios que os estudantes podem enfrentar. Um aluno disléxico, por exemplo, ou um aluno que sofre de ansiedade, pode sentir-se constrangido quando chamado para uma leitura oral em classe. É papel do professor conhecer a história de cada aluno e evitar esse tipo de situação. Ao mesmo tempo, Hehir argumenta que todos os estudantes podem se beneficiar de estratégias de ensino criadas a partir de um conceito de desenho universal de aprendizagem. É o caso das pessoas que preferem utilizar tecnologias que transformam textos escritos em textos falados, ao invés de utilizar a leitura convencional. Esse é um recurso normalmente adotado por pessoas cegas, mas que pode ser útil para todos.
Voltando à nossa reflexão inicial, nenhuma das referências aqui citadas rendeu-se à dicotomia “educação para mercado X educação para cidadania”. Mais do que isso, indicaram que é possível transcender a armadilha representada pela escolha simplista entre dois extremos e perseguir uma educação baseada na soma.
Sob outro ponto de vista, assumo a crença de que a educação que precisamos não deve se contentar com a formação de pessoas que se limitam a seguir as regras do jogo, a enxergar o mundo tal como o herdamos. Precisamos buscar um tipo de educação que nutra o desenvolvimento de cidadãos críticos e incomodados. Isso implica considerarmos a formação de seres humanos capazes de romper com visões dicotômicas e interferir positivamente na complexa tessitura de uma sociedade coesa e igualitária.
Rodrigo Hübner Mendes é fundador do Instituto Rodrigo Mendes, organização que desenvolve programas de educação inclusiva. É mestre em administração pela Fundação Getúlio Vargas (EAESP), membro do Young Global Leaders (Fórum Econômico Mundial) e Empreendedor Social Ashoka.
Artigo originalmente publicado no portal UOL em 22/07/2016 e disponível em bit.ly/mercado-ou-cidadania.
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