Dados de 2022 e 2023 do BPC na Escola devem ficar prontos até dezembro, afirma MEC

Quase 150 mil beneficiários de até 18 anos com deficiência estavam fora da escola em 2021, segundo último cruzamento feito entre os dados do programa e o Censo Escolar

De costas, garota branca, loira, de cabelos longos e com camiseta amarela está em uma cadeira de rodas posicionada entre duas fileiras de carteiras e cadeiras escolares. Na esquerda, está sentada uma garota branca de cabelos longos castanhos e blusa rosa. Na direita, está sentada uma garota negra, de cabelos trançados longos e camiseta cinza. Dois garotos estão de pé, um negro, de cabelo curto, camiseta cinza, calça jeans e mochila vermelha. O outro branco, de cabelos castanhos claros e camisa cinza. Fim da descrição
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O Ministério da Educação (MEC) se comprometeu a atualizar, até dezembro deste ano, os dados de 2022 e 2023 do BPC na Escola. O último pareamento — isto é, o cruzamento de informações da base de dados do cadastro do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e do Censo Escolar — foi realizado em 2021. Naquele ano, identificou-se que, dos 500.670 beneficiários com deficiência, entre zero e 18 anos, 70,06% (350.791) tinham registro de matrícula, enquanto cerca de 30% (149.879) estavam fora da escola. O monitoramento desses números é fundamental para saber se houve ou não avanço no acesso à educação para crianças e adolescentes com deficiência de famílias de baixa renda e para implementar estratégias para que ninguém fique fora da escola.  

A produção de informação detalhada sobre o perfil de pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, de zero a 17 anos, é uma das estratégias previstas na meta 4 do Plano Nacional de Educação (PNE)  prorrogado até dezembro de 2025 , que prevê a universalização do acesso à educação básica para esse público, preferencialmente na escola comum.  

Julia Ribeiro, oficial de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil e mestre em educação pela Universidade de Brasília (UnB), afirma que o programa BPC na Escola é uma maneira eficiente de identificar crianças e adolescentes que têm seus direitos básicos — como acesso à educação — negados. “A própria realização do pareamento demonstra a importância do cruzamento de dados para se chegar a informações importantes, como é o caso de meninas e meninos que não estão matriculados na educação básica, para rapidamente trazê-los para a escola.” Ela explica que, com esses dados, é possível realizar ações de busca ativa de maneira eficaz.  

Ao olhar para os dados de 2021, Cleuza Repulho, consultora da Diretoria de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (DGPE/FGV) e coordenadora técnica do Programa Juntos pela Educação em Pernambuco, avalia como desesperador o fato de três em cada dez beneficiários do BPC de zero a 18 anos não estarem matriculados em uma instituição de ensino.   

“Nenhuma criança, jovem ou adulto que não tenha tido oportunidade de estudar pode estar fora da escola. Precisamos saber onde essas pessoas estão”, comenta Cleuza, que já foi secretária municipal de Educação, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e diretora de políticas educacionais do MEC. Para ela, a demora na disponibilização dos dados tem sido uma barreira.  

Cleuza defende que esse levantamento seja disponibilizado antes do início de cada ano letivo e realizado em intervalos de seis meses. “Isso é crucial para que as redes de ensino possam ir atrás [de crianças e adolescentes que estão fora da escola] e principalmente desenvolver ações com outras pastas, como as da Saúde e da Assistência Social, para saber onde é que estão esses meninos e meninas. Os agentes comunitários de saúde são peças importantíssimas nesse processo”, reforça.  

Julia também cobra agilidade para que as informações estejam consolidadas. “O quanto antes esses cruzamentos de dados forem feitos, melhor. Eles precisam ser realizados com uma frequência e uma periodicidade específica para que os demais atores, que endereçam as outras políticas públicas, consigam avançar com essa identificação e com o trabalho de busca ativa para garantir que os direitos desses meninos e meninas sejam assegurados”, pontua. 

Um olhar para a evolução no acesso à escola 

Ao avaliar toda a série histórica, Cleuza lembra que, entre 2009 e 2011, houve uma queda significativa de beneficiários de até 18 anos do BPC fora da escola: de 70% para 31,29%. No entanto, a evolução na década seguinte não ocorreu na mesma velocidade, e chegamos a 2021 com um percentual parecido (29,94%), ou seja, três em cada dez beneficiários sem estudar. “Quanto mais próximos estivermos de universalizar o acesso [à escola], mais difícil se torna a busca ativa. Por isso, é fundamental ampliar o investimento nessa política pública. Esse é um tema que não pode sair da pauta”, comenta. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que forneceu as informações do gráfico a seguir, não divulgou detalhes a respeito do perfil de quem está fora da escola.   

Em nota enviada por sua assessoria de imprensa, o MEC informou que o BPC na Escola está em processo de atualização e alinhamento entre a pasta, o MDS e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ligado ao MEC. “As três entidades estão construindo Nota Técnica para regular o acesso e o compartilhamento de dados de beneficiários com deficiência, na faixa etária de zero a 18 anos, para realizar o pareamento anual do Programa.” As ações de identificação das barreiras que dificultam o acesso de estudantes com deficiência à escola seguem acontecendo, de acordo com a assessoria.   

Questionado sobre o que levou ao atraso dos pareamentos de 2022 e 2023 e sobre qual a previsão para a realização e divulgação do pareamento dos dados de 2024, o MEC não forneceu mais detalhes. A expectativa é que, a partir do próximo ano, seja regularizada a liberação anual dessas informações.  

Os relatórios anuais de gestão do MEC de 2019 a 2022 não citam o programa BPC na Escola, o que pode sinalizar um período de descontinuidade de suas ações, como o pareamento. “Como passamos por um governo que pouco cuidava dos dados, isso traz um impacto agora, o que exige organizá-los novamente. Acho que por isso estamos com esse delay e precisamos ajustar”, comenta Cleuza. 

Em junho deste ano, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação chamou a atenção para a demora na disponibilização das informações do programa em seu relatório de monitoramento dos dez anos do PNE. Naquele momento, os últimos dados disponíveis eram os de 2017. De acordo com a publicação, o cruzamento dos cadastros do BPC com as informações do Censo Escolar não é suficiente para identificar todas as pessoas de quatro a 17 anos (faixa etária de escolarização obrigatória) com deficiência que estão fora da escola, afinal o levantamento é restrito às famílias de baixa renda que solicitaram o benefício. Mas ressalta que esses dados serviriam como estimativa mínima, se fossem divulgados em formato acessível, com diferentes níveis de desagregação de modo a favorecer o acompanhamento da meta 4 do plano.  

O programa 

Criado em 2007 por portaria interministerial, o BPC na Escola tem como objetivo garantir o direito à educação para crianças e jovens de até 18 anos com deficiência que recebem o BPC (leia reportagem sobre o que é o benefício e quem pode acessá-lo). Para isso, é realizado um trabalho de identificação do que impede ou dificulta o acesso e a permanência desse público na escola. Com base nessas informações, são desenvolvidas ações intersetoriais, envolvendo políticas de assistência social, de educação, de saúde e de direitos humanos em prol dos beneficiários.  

Desde que foi lançado, o programa prevê o pareamento de dados entre as informações coletadas no Censo Escolar, realizado pelo Inep, e o banco de informações do BPC, gerido pelo MDS, a fim de mapear os índices de inclusão e exclusão escolar dos beneficiários do BPC.   

Para identificar as barreiras de acesso e permanência, são aplicados questionários aos beneficiários durante visitas domiciliares. Posteriormente, é realizado o acompanhamento dos beneficiários e de suas famílias pelos técnicos dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e das ações intersetoriais desenvolvidas pelos grupos gestores locais do programa nas cidades e estados que aderiram a ele. 

De acordo com o MDS, até 16 de setembro deste ano, todos os 26 estados, o Distrito Federal e 5.083 municípios (91,26% do total no país), incluindo todas as capitais, aderiram ou renovaram a adesão ao programa.

BPC é importante, mas não suficiente

Para Julia, o BPC na Escola é uma importante política pública que colabora com a garantia dos direitos de crianças e adolescentes. “Acreditamos que os esforços conjuntos de uma política pública intersetorial podem contribuir de maneira mais efetiva para melhorar a qualidade de vida de meninos e de meninas”, afirma.   

A especialista comenta que o Brasil tem hoje um grande desafio no que se refere à inclusão e permanência de crianças e adolescentes com deficiência na escola e cita a estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que 15% da população vive com algum tipo de deficiência, mas que, “quando olhamos para os dados de acesso e permanência de meninos e meninas, não temos esse percentual da população representada nas escolas brasileiras”. Vale lembrar que todos têm direito à educação e nenhuma instituição de ensino pode negar a matrícula a uma criança ou adolescente com deficiência.  

Por outro lado, é importante frisar que só o BPC não é suficiente para assegurar o acesso e a permanência de estudantes com deficiência na escola e a conclusão dos estudos. Julia defende que, além da articulação entre políticas públicas intersetoriais — como educação, saúde, assistência social e direitos humanos —, a escola deve estar preparada para receber essas crianças e adolescentes desde a sua infraestrutura até a formação dos profissionais que lá atuam. “O BPC contribui, mas não é o único responsável. É preciso gerar condições efetivas de infraestrutura física, pedagógica e humana de forma muito mais ampla para assegurar a permanência desses meninos e meninas na escola”, reforça.   

  

 

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