Douglas Ferrari, doutor e professor de história, demonstra o potencial do estágio supervisionado para que futuros professores promovam práticas cada vez mais diversificadas
O ensino de história é fundamental para a formação integral dos estudantes. É na escola, no contato com essa importante área do conhecimento, que se aprende a interpretar o mundo, a compreender os processos e fenômenos sociais, políticos e culturais e atuar de forma ética, responsável e autônoma.
Para o doutor em educação e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Douglas Ferrari, trata-se de uma área de conhecimento essencial para que crianças e adolescentes se reconheçam como sujeitos históricos e possam exercer plenamente a cidadania: “ao conhecê-la, refletimos sobre o nosso passado, o da nossa família e da comunidade, e começamos a entender nosso lugar no país e no mundo”.
Para assegurar que todos aprendam, o planejamento pedagógico deve mirar o desenvolvimento de práticas e metodologias inclusivas que assegurem a aprendizagem de toda a turma, sem deixar ninguém para trás. Isso vale para o público-alvo da educação especial, que deve ter acesso ao mesmo currículo que os demais estudantes.
Desenvolver práticas pedagógicas inclusivas exige estudo, dedicação e, principalmente, apostar no potencial que toda pessoa tem de aprender. “O ponto principal para uma educação inclusiva é o interesse de professores, gestores e demais profissionais de educação para que ela aconteça. Precisamos ultrapassar a barreira atitudinal. Não adianta ter recursos acessíveis, infraestrutura e não ter vontade de fazer acontecer”, defende Douglas Ferrari.
Garantir a educação inclusiva também requer investimento em formação de qualidade para todos os profissionais que atuam na escola. Contudo, este é um importante desafio a ser superado no país. Um dos exemplos é o fato de 94,2% dos professores regentes que atuam na educação básica em 2022 não terem formação continuada em educação especial, como aponta o Painel de Indicadores do DIVERSA.
Sobre este aspecto, Douglas destaca também que a formação, tanto a inicial como a continuada, é essencial para uma prática pedagógica inclusiva. Segundo ele, a “ausência da inclusão de forma transversal na grade curricular da formação inicial é um dos grandes desafios para que a inclusão na prática. A pessoa que se forma na área da educação tem que sair da universidade com esse olhar inclusivo.”
Rompendo barreiras para a inclusão
Em 2020, buscando promover um ensino consistente com os diferentes percursos de aprendizagens, os pesquisadores Douglas Ferrari e Miriã Lúcia Luiz, ambos da Ufes, propuseram que seus estudantes desenvolvessem um projeto durante o Estágio Supervisionado, que articulasse a educação especial de modo transversal na formação inicial dos futuros professores de história.
Individualmente ou em grupo, os futuros professores, deveriam descrever o contexto da escola e da turma em que o estágio foi realizado; justificar e apresentar o tema escolhido para cada projeto; indicar como ele foi desenvolvido; qual foi a repercussão; e, por fim, apresentar as considerações finais.
Durante a realização dos projetos alguns desafios precisaram ser superados, como a resistência de escolas e professores que não estavam acostumados com a metodologia de estágio proposta, que pressupõe “intervenção na realidade escolar, na disciplina de História ou em diálogo com outras disciplinas”.
Apesar deste obstáculo, Douglas e Miriã avaliam que “mesmo assim, os alunos estagiários se viram na condição de ter que negociar com o corpo docente e a equipe pedagógica para a aplicação do projeto, situação comum que vivenciariam como futuros professores”.
O resultado desta experiência foi sistematizado no artigo O ensino de História e a Educação Especial na formação inicial de professores, publicado na Revista Educação, da Universidade de Santa Maria, em 2021. No texto, eles demonstram como o estágio supervisionado pode ser uma ótima oportunidade para que futuros professores se apropriem dos conceitos e marcos legais ligados à educação inclusiva e ao ensino de história e, principalmente, coloquem em prática estratégias pedagógicas que favoreçam a aprendizagem de todos os estudantes. Confira abaixo duas delas:
Quadrinhos no ensino da história
Uma das experiências destacadas no artigo foi realizada com estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA), do período noturno, em uma escola no Espírito Santo. O projeto “As histórias em quadrinhos como apoio didático-pedagógico ao ensino de história para os alunos surdos” foi proposto por um estudante da graduação de história da Ufes durante o estágio supervisionado.
A proposta teve como objetivo assegurar que todos da turma, sem exceção, ampliassem seus conhecimentos sobre importantes marcos da história brasileira, como a independência do Brasil, a Proclamação da República e o descobrimento da América. Para isso, foi proposto a utilização de histórias em quadrinhos da Turma da Mônica, que abordavam esses fatos históricos.
A decisão de utilizar recursos mais visuais foi tomada por haver estudantes surdos na turma. Ao justificar o uso desse material como instrumento didático, o futuro professor indicou que as histórias em quadrinhos, entre outros aspectos, são visualmente descritivas e servem como esquema de leitura, oferecendo ao estudante surdo e ao intérprete de Libras “elementos propícios ao processo de ensino e aprendizagem da disciplina de história”, superando, assim, barreiras existentes de comunicação.
Ao final do semestre, com o fim do estágio, ele reviu o potencial de uso dos quadrinhos, constatando que a utilização de recursos visuais beneficiaria, não só estudantes surdos, mas a turma inteira. O uso de imagens favorece a construção do conhecimento ao ampliar as possibilidades de conexão entre imagens e texto, superando, assim, possíveis barreiras de comunicação.
Livro da comunidade
Em outra experiência, também em uma escola do Espírito Santo, duas professoras em estágio aproveitaram que o educador regente de história estava construindo com os estudantes um livro sobre o bairro da escola e decidiram torná-lo acessível aos estudantes com deficiência visual.
O livro é resultado de uma pesquisa sobre a história de Jacaraípe (bairro da cidade de Serra, no Espírito Santo), que recupera fatos históricos desde a colonização do Brasil, com foco nas memórias dos moradores da região e figuras locais.
Durante a realização do projeto “Jacaraípe, um lugar de todos”, as professoras em estágio reuniram um grupo de 12 alunos do 8º e 9º ano para descrever 177 desenhos que retratavam os períodos históricos da região, os marcos de sua paisagem e os desenhos da própria escola.
A intervenção das estudantes universitárias se deu pela descrição das imagens e desenhos contidos no livro. Além das crianças cegas, a descrição das imagens auxiliou pessoas com dislexia e com deficiência intelectual.
Ao avaliar a proposta, Douglas e Miriã afirmam que “além da dimensão procedimental da proposta – fundamental por permitir o acesso de todos os estudantes às imagens do material produzido -, destacamos as possibilidades do trabalho com as memórias dos estudantes e moradores do bairro. Essa abordagem, construída em perspectiva crítica, permite assumir as memórias espontâneas dos estudantes como objeto de estudo e de possibilidades de recriação.”
Ao desafiar futuros professores a tornar o currículo acessível a todos e todas durante o estágio supervisionado, Douglas e Miriã buscaram trabalhar aspectos da educação especial de forma transversal na formação inicial dos docentes. Essas práticas, segundo os autores, “sinalizam ações promovidas em direção a um ensino de História menos excludente e mais sensível aos diferentes percursos de aprendizagens”.
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