A realidade brasileira tem sido marcada por avanços legais no que diz respeito à possibilidade de inclusão de todas as pessoas no ambiente escolar. Com as políticas inclusivas, que garantem a matrícula de estudantes com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades/superdotação em classes regulares, novos desafios são colocados à escola. E muitos professores vêm manifestando suas dificuldades e angústias em trabalhar com esse público, que explicita de maneira contundente suas diferenças. Nesse sentido, quais são as perspectivas e possibilidades rumo à uma educação matemática inclusiva para nós, educadores matemáticos?
A matrícula e permanência de crianças e jovens com deficiência em classes regulares não configuram, necessariamente, um contexto inclusivo. Mesmo frequentando o ambiente escolar, muitos deles seguem excluídos dos processos de aprendizagem e desenvolvimento. E como explicitam o dia a dia das escolas, os índices de reprovação e as avaliações externas, é preciso avançar para que a inclusão de todos os alunos nos processos de ensino e aprendizagem matemática seja uma realidade. Estaríamos ratificando a ideia platônica de que o estudo de cálculo, de aritmética e de medições não é para as massas, mas para poucos selecionados? Estaríamos não só excluindo como também categorizando os estudantes de acordo com suas “capacidades” para aprender a disciplina?
Uma matemática inclusiva remete à aprendizagem por todos os alunos, em um ambiente caracterizado e enriquecido pelas diferenças e que propicie a interação, a linguagem, o pensamento, as mediações. Na busca por possibilidades para alcançá-la, venho atuando em pesquisas e estudos que envolvem a psicologia histórico-cultural e o desenho universal, desenvolvendo, a partir dessa interlocução, o conceito de desenho universal para a aprendizagem.
Deficiência e desenho universal
Historicamente, a deficiência vem sendo entendida como uma limitação sob a forma de incapacidade, deformidade etc., que impede a plena participação do sujeito na vida social. Essa concepção tradicional, ao partir da ideia de que deficiência é sinônimo de imperfeição, restringe e limita o desenvolvimento da criança. Na escola, essa visão gera expectativas negativas em relação a seu aprendizado, o que tem reflexos no trabalho pedagógico desenvolvido.
Para a psicologia histórico-cultural, entretanto, a deficiência não é apenas orgânica, mas resultado da interação da pessoa e de suas limitações com as barreiras impostas pelo ambiente físico e cultural. Assim, o desenvolvimento da criança com deficiência não depende diretamente de suas particularidades orgânicas. Pelo contrário. Conforme afirma o psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky, cujos estudos são referência na busca por práticas pedagógicas inclusivas há 100 anos, “onde o desenvolvimento orgânico se resulta impossível, há infinitas possibilidades para o desenvolvimento cultural”. Nessa perspectiva, cabe à educação inclusiva orientar-se por uma concepção de diferença pautada em questionamentos acerca de sua produção cultural e social, em sua mutabilidade constante e na valorização de ambiente instigantes, participativos e desafiadores para todos.
Para tanto, o desenho universal (DU) – conceito definido como o design de produtos e ambientes que podem ser usados por pessoas de todas as possíveis idades e habilidades – procura conceber um mundo projetado a priori para as diferenças constitutivas da humanidade. E para além da arquitetura, área na qual se originou, essa ideia pode ser usada com intencionalidade pedagógica na educação. Com o desenho universal para a aprendizagem na escola, o professor se torna aquele que cria ambientes e ferramentas para que todos possam participar das atividades em igualdade de condições, de modo que o conhecimento matemático de cada um e de todos possa avançar, ser ressignificado e ampliado.
Matemática inclusiva e os jogos com regras
Diversas pesquisas têm ratificado a importância do jogo para a aquisição de conceitos matemáticos. Envolvendo a participação de dois ou mais jogadores, com papéis interdependentes, opostos e cooperativos, o jogo com regras (aquele no qual as regras e o objetivo são fixos) é uma atividade coletiva e colaborativa. Nele, os estudantes trabalham juntos, interagindo, podendo trocar ideias, discutindo, questionando e interferindo nas jogadas dos colegas. Ou seja, os alunos estão realmente juntos, em uma relação social e pedagógica.
Contudo, não basta à criança estar na escola com seus colegas para que essa aprendizagem aconteça. Para isso, a atuação do professor enquanto sujeito mediador das relações é fundamental. O docente é a pessoa que intencionalmente guia o processo de aprendizado dos estudantes, possibilitando (ou não) um contexto pedagógico que favoreça aprendizagens matemáticas cada vez mais complexas. Assumindo sua função de mediador, ele planeja e trabalha com os jogos matemáticos em sala de aula de forma desafiadora, cooperativa e problematizadora.
Para isso, ele incentiva o diálogo, conversa e escuta os alunos, questiona-os e interage concretamente. O jogo é, também, espaço no qual o professor pode avaliar seu trabalho, aprendendo sobre ele. Dessa forma, atuará na perspectiva do DU, criando contextos e ferramentas pedagógicas com a intenção de que todos possam participar das atividades propostas. Assim, acreditamos que o desenho universal para aprendizagem aponta caminhos para a constituição de uma educação matemática inclusiva nos espaços escolares.
Dicas de jogos com regras
Para conferir sugestões de atividades, confira o capítulo “Uma reflexão sobre a práxis” da pesquisa “Os jogos com regras na perspectiva do desenho universal: contribuições à educação matemática inclusiva”. O estudo investigou a aplicação desses jogos em turmas do 1º ao 4º ano em uma escola pública de Natal (RN), do planejamento à avaliação.
Cláudia Rosana Kranz possui licenciatura em ciências com habilitação em matemática pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e mestrado e doutorado em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). É professora adjunta da UFRN na área de didática e ensino de matemática. Desde 1989, já foi professora em classes da educação infantil e dos ensinos fundamental, médio e superior. Também atua com formação continuada de professores nas áreas de educação matemática e educação inclusiva.
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