Estratégias pedagógicas para a Educação Física inclusiva

A existência de alguns mitos com relação a estudantes com deficiência demonstra como o preconceito permeia a prática educacional. Ideias como “todo surdo é mudo”, “toda pessoa com deficiência visual tem tendência para a música”, “pessoas com deficiência são eternas crianças”, “não adianta ensinar, pois eles não aprendem” ou “eles estão no ambiente escolar apenas para a socialização” ainda estão na cabeça e permeiam as ações de muitos educadores. Isso porque a escola, historicamente contextualizada em um conjunto de práticas excludentes, valorizou tempos e ritmos fixos de aprendizagem, grades curriculares obrigatórias e disciplina e ordem em detrimento da formação humana.

Ao se propor uma prática inclusiva, é preciso entender que a diversidade é real para que se modifique o modo de olhar o outro. Estamos acostumados a enxergar a pessoa com deficiência identificando-a por sua limitação – quando deveríamos converter a dificuldade em ponto de partida para o desenvolvimento. Outro empecilho que a prática da educação inclusiva enfrenta é a dificuldade em se compreender que a ação da “deficiência” sobre o aluno é sempre secundária: são as barreiras sociais construídas e consolidadas nas interações com o outro que imprimem a marca da capacidade ou incapacidade.

Nesse contexto, o papel do professor é ser o elo entre o conhecido e o desconhecido. Ele deve criar desequilíbrios e desafios para que a criança construa o conhecimento. Em sua formação pessoal, o educador deve sempre estar atento às discussões atuais. Ensinar pressupõe a busca por diferentes estratégias de ensino e o intercâmbio de práticas e saberes entre os profissionais – afinal, trabalhar com inclusão é atuar de forma coletiva.

Deve-se desconstruir o ideal tradicional de aluno para, com base em um novo conceito, olhar a diversidade não como uma condição excepcional, mas com naturalidade. Isso implica reconhecer as diferenças de todos para buscar potencialidades. Nesse ponto, é preciso investigar previamente: qual o tipo de deficiência do estudante? Quando e como surgiu? Em quais funções ele necessita de auxílio? Qual seu grau de autonomia? Como é seu desenvolvimento cognitivo e motor? Como ele interage? Que outros serviços de apoio (fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisioterapia etc.) é preciso buscar para estabelecer um trabalho interdisciplinar?

No decorrer dos processos de ensino e aprendizagem, o professor deve estar atento às formas de interação que o estudante estabelece, ao seu grau de motivação nas atividades, às suas capacidades de persistência, esforço e concentração, às suas atitudes diante de situações de sucesso e fracasso e aos seus interesses e gostos. Tudo isso fornecerá pistas para que o educador se aproxime e conquiste a confiança do aluno, para que este se arrisque em novas aprendizagens.

Atenção ao planejamento

O planejamento, compreendido como um ciclo que envolve as etapas de organização, execução e avaliação, serve para prever situações e organizar intervenções, minimizando os receios que podem atrapalhar as experiências dos educandos. Não há como enfrentar desafios ou problemas sem um mínimo de segurança. O professor pode utilizar o improviso frente a situações inesperadas, mas não pode apostar nessa estratégia o tempo todo. É preciso haver uma organização condizente com a prática inclusiva que atente para a elevação gradativa do grau de dificuldade das atividades.

Na etapa de execução, devemos partir do princípio de que as aulas representam um exercício de convivência. Para isso, é preciso mudar o foco das incapacidades para as potencialidades, adotando a diferença como parâmetro balizador do plano de ensino.

A avaliação como parte desse ciclo possibilita melhorar as intervenções. O uso de estratégias avaliativas de forma contínua e reflexiva permite acompanhar os processos de ensino e aprendizagem para corrigir os rumos, identificar os pontos positivos e as dificuldades a serem superadas. Com o planejamento, afasta-se o risco de uma prática educacional baseada em mera repetição de modelos. Quando se fala de inclusão, não se pode recorrer a estruturas fixas.

No que diz respeito à efetivação de uma prática de Educação Física inclusiva, quatro estratégias pedagógicas são essenciais. Vale ressaltar que os exemplos abaixo não devem ser encarados como receitas, mas como um possível ponto de partida para o fomento de diferentes práticas.

Metodologia

O uso de atividades que simulam situações de deficiência é uma excelente forma de fazer com que os educandos tenham conhecimento das possibilidades e dos limites enfrentados pelo outro. Tais experiências também podem ser a base para a discussão e criação de estratégias de inclusão que partam do próprio grupo. Outra atividade pertinente são os jogos cooperativos, que diminuem as chances de experiências negativas, estimulam a descontração e promovem o respeito às diferenças.

É interessante propor ações que valorizem as habilidades dos alunos com deficiência, utilizar estratégias de reforço positivo e evitar atividades eliminatórias. Alguns cuidados também devem ser observados para não se “adaptar demais”, pois o excesso descaracteriza o exercício e desmotiva os estudantes. Vale a pena destacar uma regra de ouro para as adaptações: manter o propósito original da atividade.

O educador pode variar as técnicas de ensino e oferecer oportunidades adequadas de prática (como circuitos e estações de aprendizagem). Em relação à ajuda física, é importante que  o professor e os colegas se revezem nessa função para que todos tenham a oportunidade de colaborar. É vantajoso diminuir a assistência progressivamente para estimular a independência do aluno.

Por fim, é fundamental que o professor esteja atento a posturas preconceituosas para intervir sempre que necessário, mantenha um ambiente agradável e lúdico que estimule a aprendizagem e estabeleça metas e desafios para os estudantes, instigando-os a buscarem o seu melhor sem comparações com os demais. Um cuidado especial: não perpetuar práticas que desmereçam o aluno com deficiência, tratando-o, por exemplo, como um boneco a ser manipulado.

Comunicação e expressão

A prática inclusiva deve incorporar as diversas formas de expressão e comunicação para favorecer interações mais eficientes. À medida que o estudante com deficiência se comunica e percebe em seu interlocutor uma reciprocidade, sua manifestação expressiva se desenvolve. Seu corpo transborda expressões, supera desafios, e ele demonstra a necessidade de participar das atividades propostas. Para maximizar a interação, alguns cuidados são pertinentes na hora de organizar os grupos, como dar as orientações e utilizar mecanismos sensoriais para o ensino e diversificar as formas de comunicação com adaptações específicas para abranger a diversidade.

Organização do espaço

Nesse ponto, é preciso atentar para questões de segurança – como o uso de materiais de proteção, bloqueio de escadas e proteção de pilastras – e ajudar o aluno a fazer o reconhecimento prévio do ambiente em que a aula de educação física acontece e da escola como um todo.

Recursos materiais

Aqui, criatividade é a palavra chave. Pode-se utilizar objetos de diferentes formatos, tamanhos e pesos. Uma boa alternativa é criar, junto com a turma, os recursos materiais para as aulas, tornando-os mais significativos. Podem ser usados, por exemplo, pneus, bolas, balões, arcos, garrafas pet, jornal, papelão, cabos de vassoura, latas, bolas de meia, sacos de areia, velcro, luvas etc. Diferentes pesos e texturas proporcionam uma riqueza sensorial maior e melhoram a aprendizagem motora dos estudantes.

O trabalho com a diversidade forma gerações para viver sem preconceitos e barreiras em um mundo tão diverso. Enfrentar as questões da inclusão exige, além de adaptações materiais e estruturais, um trabalho conjunto entre todos os agentes educativos. A presença de alunos com deficiência nas escolas comuns representa mais do que um desafio – ela estabelece a possibilidade de aprendizagem e o enriquecimento para aqueles que conseguem tirar os “óculos” da padronização e enxergar com os “óculos da diversidade”.

 

Fernanda Pedrosa de Paula é professora de Educação Física na Escola Municipal José de Calasanz, em Belo Horizonte (MG). Em 2011, foi vencedora do Prêmio Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita, com o projeto Respeitável público: um circo da escola!

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