“Só podemos romper barreiras e preconceitos incluindo”

Para Samuel Sestaro, vice-diretor da Federação Down, a inclusão de pessoas com deficiência é a única forma de eliminar a discriminação e valorizar a diversidade

Samuel posa para foto de terno e sorridente. Seus braços estão apontados em uma banqueta a sua frente. Fim da descrição

Samuel Sestaro tem muitos planos para o futuro: voltar a trabalhar, casar no ano que vem e viajar por todo o mundo. Ele é administrador, graduado em design de moda e atua como modelo nas horas vagas. Atualmente está em uma imersão nos Estados Unidos para aprimorar o inglês. Ele tem deficiência intelectual e Síndrome de Down.

Samuel também é vice-diretor da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD) na região sudeste e luta pela educação inclusiva e pela efetivação dos direitos das pessoas com deficiência.

Quando criança, Samuel teve negado o seu pedido de matrícula na rede pública de ensino. Seus pais, então, abriram uma escola para mostrar aos gestores públicos da cidade de Santos que era possível construir uma educação inclusiva e de qualidade. A unidade escolar promovia a educação de alunos com e sem deficiência na sala regular. Baseada na experiência positiva, Santos passou a oferecer salas de aula inclusivas na rede municipal de ensino.

Para Antonio Carlos Sestaro, pai de Samuel e presidente da FBASD, a educação inclusiva é o único caminho para a construção de uma sociedade sem preconceitos e que valorize as diferenças.

Hoje eu tenho no Samuel uma referência de pessoa que enfrentou e superou desafios. Nós gostaríamos que os pais acreditassem nos seus filhos, as pessoas com deficiência acreditassem nelas e a sociedade simplesmente as respeitasse como cidadãos.

Desde 2018, entre os dias 21 a 28 de agosto ocorre a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla para debater e refletir sobre inclusão social. Neste ano, a Semana discute a importância da participação da família em todos os processos da vida dos filhos e na implementação de políticas públicas.Antonio Sestaro e Samuel posam para foto sorridentes e abraçados lado a lado de costas para uma lagoa. Fim da descriçãoConfira a entrevista com Samuel Sestaro. Ele fala de sua experiência na educação básica, dos direitos das pessoas com deficiência e dos seus sonhos.

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DIVERSA – Com a Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência e com a Lei Brasileira de Inclusão, houve uma valorização da educação inclusiva e o número de pessoas com deficiência matriculadas na escola regular aumentou bastante. Como foi a sua experiência na educação básica?

Samuel – A minha história de vida na escola começa aos cinco anos. Eu fui para a mesma escola em que meu irmão estudava. O nome dessa escola era Caminho, mas essa escola não aceitava crianças com deficiência no ensino básico. Então a minha mãe comprou uma escola, o Raio de Sol, e aí eu fui fazer a pré-escola junto com os outros alunos com e sem deficiência.

Com a experiência positiva no Raio de Sol, as escolas municipais de Santos resolveram aceitar a matrícula de crianças com deficiência, e aí eu fui para a escola pública. Eu estudei junto com várias crianças e foi muito bom para mim, eles me ajudavam bastante e a professora também.

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As dificuldades que eu tinha estavam relacionadas com as matérias em sala de aula. Eu precisava de um apoio. Foi importante para mim estar junto com os outros porque eu tinha desafios e isso me ajudou no meu desenvolvimento porque eu participava de grupos para fazer trabalhos da escola. Meus amigos nunca reclamaram de eu estudar junto com eles.

Depois dessa escola, eu fui fazer o ensino médio em um colégio particular. Lá, eu tinha uma professora que me ajudava nas aulas e também os meus amigos me auxiliavam bastante. Nas aulas de física, a professora fazia vários trabalhos práticos e me ajudava a aprender melhor. Eu aprendi velocidade e distância de forma prática e eu gostava bastante dessas aulas.

Houve uma época em que eu pensei em desistir da escola, porque o desafio no ensino médio era muito grande. Mas os meus amigos pediram para que eu não saísse. Eles me convenceram e eu continuei.

O insucesso não é culpa dos alunos com deficiência. Se coloca em cima da criança toda a culpa da não aprendizagem. Temos que achar um caminho para que todos possam aprender.

Embora as pesquisas mostrem um aumento de matrículas de pessoas com deficiência no ensino superior nos últimos anos, ainda estamos longe de garantir totalmente o acesso desse público às universidades. Como se deu a sua transição do ensino médio para a faculdade?

Quando o ensino médio estava acabando, eu questionei os meus amigos da escola sobre o que iríamos fazer pela frente. Perguntei se eles iriam ingressar no ensino superior. Eu queria fazer faculdade, assim como todos os meus amigos. E aí, minha mãe me ajudou a escolher o curso. Eu era modelo e desfilava para uma agência, então eu escolhi fazer faculdade de moda. Fiz um curso tecnólogo que durava dois anos.

A faculdade era a UniMonte, em Santos. Lá, tinha estágio e eu ajudava na parte de eventos e desfiles de moda. O problema da faculdade é que quem me ajudava nas matérias era a minha mãe. Eu não encontrei outros alunos com deficiência na sala de aula, mas tinha em outros cursos.

De acordo com as últimas pesquisas do Ministério do Trabalho, nos últimos anos houve aumento da participação das pessoas com deficiência no mercado do trabalho, mas ainda há muito por avançar. O que ainda falta para o direito ao trabalho ser efetivo para as pessoas com deficiência?

 

Samuel desfila em passarela de evento de moda. Do seu lado esquerdo, plateia assiste ao desfile. Fim da descrição.

Atualmente, eu trabalho na área de eventos como mestre de cerimônias, inclusive nos dias 19 e 20 de setembro vou trabalhar em um evento da APAE em São Paulo como mestre de cerimônias. Eu já trabalhei na prefeitura de Santos, em um hospital da Santa Casa de Santos, no banco Itaú e por último na biblioteca do colégio Stela Maris. No Itaú, trabalhei com recursos humanos e gerenciamento de grandes escritórios.

Ainda é difícil para uma pessoa com deficiência conseguir trabalho, porque muitas empresas ainda não aceitam. É difícil quebrar o preconceito de algumas empresas. A sociedade deve incluir as pessoas com deficiência em todos os setores sociais, e o trabalho é algo muito importante. E não basta apenas contratar, é preciso incluir dentro do ambiente de trabalho para que a pessoa com deficiência possa se desenvolver em sua plenitude.

As pessoas com deficiência ainda lutam para terem efetivados inúmeros direitos. Um deles é o direito à constituição de uma família, tanto que a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla 2019 traz o tema “Família e pessoa com deficiência, protagonistas na implementação das políticas públicas”. Quais são seus planos para o futuro em termos de família?

 

Samuel Sestato posa para foto segurando terno sobre o ombro. Fim da descrição.

Eu tenho uma noiva chamada Isabela e nós vamos casar no final do ano que vem. Nós vamos morar sozinhos, mas perto dos meus pais. A Isabela é de Ponta Grossa, no Paraná. Nós nos conhecemos na Expedição 21, um projeto que reuniu jovens com Síndrome de Down para desenvolverem autonomia.

Não podíamos nos comunicar com quem estivesse fora da casa. No projeto, mostramos que temos capacidade de morar sozinhos. Lá, eu e a Isabela começamos a nos conhecer. Depois da expedição 21, continuamos a conversar por vídeo. Hoje já estamos há 8 meses juntos. Falamos muito sobre ter ou não filhos também e entendemos que é uma responsabilidade muito grande.

Eu quero viajar para outros países e ajudar os meus pais com a aprendizagem de outras línguas. Atualmente estamos em um período de imersão nos Estados Unidos para aprimorar o meu inglês. Voltando para o Brasil, pretendo arrumar um emprego na área de administração ou gerenciamento para poder casar e ter mais autonomia.

Quais são suas atribuições como vice-diretor da Federação Down? Você acha que é importante as pessoas com deficiência fazerem parte do movimento?

Ser vice-diretor da região sudeste é representar a Federação em alguns eventos. Já fiz muitas palestras a convite do Ministério da Educação (MEC) para contar a minha experiência com a educação inclusiva em Santos, para falar que era possível sim a inclusão.

É importante que as pessoas com deficiência participem do movimento porque quem conhece as pessoas com deficiência são elas mesmas.

Recentemente você fez uma apresentação no Senado, em Brasília. Você falou sobre a importância do movimento das pessoas com deficiência não deixar ninguém para trás. Falou também que todos devem ter a oportunidade de demonstrar a sua capacidade. Como podemos criar uma cultura inclusiva em nossa sociedade para que todos possam demonstrar as suas capacidades?

O tema da minha fala foi sobre a importância de não deixar ninguém para trás. A gente já cansou de dizer que basta respeitar a lei para criar uma cultura inclusiva.

Todos temos o direito de sermos incluídos em todos os espaços da sociedade, mas a sociedade acaba excluindo determinados grupos e pessoas. A sociedade precisa me reconhecer como cidadão, precisa me oferecer oportunidade de demonstrar minhas capacidades. Só podemos romper barreiras e preconceitos incluindo as pessoas com deficiência na sociedade e assim elas poderão mostrar suas capacidades.

Qual o recado que você deixa para a comunidade DIVERSA?

Como mensagem final para os pais de pessoas com deficiência, é para dar oportunidades para os seus filhos, para eles mostrarem do que são ou não são capazes. Para as pessoas com Síndrome de Down, para acreditar que ele é capaz e que ele pode fazer todas as coisas, porque ele só aprende fazendo.

Os pais de pessoas com deficiência devem dar oportunidades para os seus filhos, porque estes são capazes de falar por eles mesmos, não precisam deixar alguém falar por eles. É importante que as pessoas com deficiência falem por elas mesmas para romper preconceitos e lutar contra barreiras.

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