No processo de aprimorar a discussão sobre o monitoramento de indicadores sobre pessoas com deficiência no Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou o Panorama nacional e internacional da produção de indicadores sociais. O documento apresenta o estado da arte sobre dados relativos a diversos grupos, como jovens, idosos, povos indígenas e pessoas com deficiência, além das abordagens étnico-racial, de gênero, entre outras. Um de seus objetivos é “contribuir para a identificação de eventuais lacunas nas abordagens temáticas empreendidas”.
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No que tange aos desafios para a produção de indicadores sobre pessoas com deficiência, o panorama traz o histórico da definição e da classificação dessa parcela da população; em seguida, as recomendações internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a construção de indicadores ao longo das últimas décadas; a experiência de alguns países na coleta de dados desse segmento da população; e, por fim, a experiência do Brasil.
A grande novidade aparece no percentual das pessoas com deficiência no Brasil. Utilizando a mesma base de dados do Censo 2010, o IBGE aponta que a proporção das pessoas com deficiência na população é de 6,7%, bem inferior aos 23,9% anteriores. Quais as explicações para essa redução drástica?
Nova margem de corte
A partir de sugestões do Grupo de Washington (GW) de Estatísticas sobre Deficiência (vinculado à Comissão de Estatística da ONU), dentro do Censo é medido o “grau de dificuldade em domínios funcionais centrais para participação na vida em sociedade”. Na resposta às questões, o entrevistado é convidado a avaliar a dificuldade que tem em relação a enxergar, ouvir, caminhar ou subir escadas, a partir de uma escala que contém os seguintes itens: “nenhuma dificuldade”, “alguma dificuldade”, “muita dificuldade” e “não consegue de modo algum”.
Considerando os mesmos dados coletados em 2010, o IBGE mudou a forma de interpretá-los, criando um novo indicador. Na margem de corte anterior, foram contadas as pessoas que responderam ter alguma dificuldade em pelo menos um dos quesitos. A proposta atual é que sejam agrupadas apenas as pessoas que têm “muita dificuldade” ou “não conseguem de modo algum”.
Além disso, foi feita uma adaptação do questionário proposto pelo GW: uma parte da pergunta principal foi transformada em orientação auxiliar, sendo lida de forma opcional pelo agente censitário. No formato original, a pergunta proposta pelo Grupo é “Você tem dificuldade de enxergar, mesmo usando óculos?”. Já a adotada no Censo ficou: “Tem dificuldade permanente de enxergar? (se utiliza óculos ou lente de contato, faça sua avaliação quando os estiver utilizando)”. Com essa mudança, há a possibilidade de a dificuldade ser alta mesmo na inexistência de deficiência, como no caso de pessoas que utilizam lentes corretivas com grau elevado.
Em que pese os novos índices convergirem com os dados obtidos na primeira Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), em 2013, que estima a porcentagem de 6,2% de pessoas com deficiência no Brasil, é importante ressaltar que a metodologia dessa pesquisa privilegiou o modelo biomédico de conceituação de pessoa com deficiência e se afastou da perspectiva social adotada no questionário do Censo.
Alinhamento ao modelo social da deficiência
O lançamento do Panorama nacional e internacional da produção de indicadores sociais com as características apresentadas tem como seu principal ponto positivo mostrar a busca por aprimoramento de indicadores sociais no Brasil e a preocupação em mensurar a significativa parte da população que possui deficiência. Sua importância, considerando sua riqueza de contextos históricos, internacionais e metodológicos, está justamente na oportunidade de visibilizar dados e possibilitar debate social qualificado, configurando-se como ferramenta de pressão dos órgãos oficiais do governo na geração de políticas públicas.
E, nesse sentido, o documento remete à necessidade de alinhamento com o que está posto na Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência (ONU), que no Brasil faz parte de nossa Constituição federal, e a urgência em realizar “consulta a organizações de pessoas com deficiência para a definição das prioridades a respeito da necessidade de dados”. Em termos da educação como direito de todos, como pretende-se mostrar em um próximo artigo, a obtenção de dados sobre crianças e adolescentes com deficiência na população, estratégia da meta 4 do Plano nacional de educação, é imprescindível para a universalização do acesso à educação básica.
Lailla Micas é jornalista pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e está há nove anos no terceiro setor, atuando em gestão de projetos de educação. Faz parte da área de consultoria do Instituto Rodrigo Mendes.
Liliane Garcez é mestre em educação, licenciada em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) e administradora pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atua como gerente de programas no Instituto Rodrigo Mendes.
Luiz Henrique de Paula Conceição é mestre e graduado em psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). Atua como pesquisador e coordenador do programa de formação em educação inclusiva no Instituto Rodrigo Mendes.
Artigo originalmente publicado no blog “Educação e etc” em 21/06/2018, disponível em bit.ly/ibge-nova-margem-corte.
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