O Caso da Escola Helena Zanfelici – São Bernardo do Campo, São Paulo, Brasil

Introdução

Izabelly é uma estudante com paralisia cerebral. Ela frequenta a Escola Helena Zanfelici da Silva, em São Bernardo do Campo (São Paulo). Para poder fazer isto, ela se beneficia de uma política pública que garante transporte adaptado, atendimento escolar especializado (AEE), computador com acionador e ações de ensino colaborativas entre as professoras regentes, de AEE e da equipe de especialistas da Secretaria de Educação. Para que estudantes como Izabelly possam frequentar o ensino regular, tanto a Escola Helena Zanfelici quanto a Secretaria de Educação estão aprendendo a valorizar e incentivar a autonomia: da criança, em relação aos seus cuidadores; da escola, em relação aos seus recursos. É por meio da aquisição de autonomia que cada um dos atores pode alcançar o máximo de seus potenciais.

Izabelly

Izabelly ouvia atentamente a história que a avó lia, observando as figuras e tentando decifrar as letras e sílabas. Ela adora livros. Sua mãe conta que ela gosta mais de livros, canetas e cadernos do que de bonecas. A hora do almoço se aproximou. A avó vestiu-a com seu uniforme e, a seu pedido, passou um pouco de brilho nos seus olhos. A menina também escolheu um brinquedo para levar.

Almoçaram e chegou a van da prefeitura, que leva Izabelly para a Escola Municipal de Ensino Fundamental Helena Zanfelici da Silva. Elisângela Contardi, monitora de transporte, desceu para cumprimentar Izabelly enquanto o motorista descia o elevador para permitir que a cadeira de Izabelly fosse colocada dentro do veículo adaptado. Já havia outra criança, também cadeirante, dentro da van. Elisângela, interagindo o tempo todo com Izabelly e sua colega, fixou a cadeira dela com o cinto adaptado e, assim, começou mais uma jornada de desafios na escola.

A paralisia cerebral de Izabelly não permite que ela ande e compromete seus movimentos finos. Também afeta sua fala. Seus olhos se movem, espertos, porém nem sempre compreendidos. O primeiro desafio que enfrentou na escola foi o de fazer entender que ela não tinha deficiência intelectual. Tendo ido para a Escola Helena Zanfelici no ano anterior, sua primeira professora, Cristina Duran, se lembra de sua chegada:

Ela chegou num carrinho de bebê. Muito alheia a tudo. Então o primeiro momento foi esse: a gente entendê-la e se fazer entender por ela. E tive que conversar com o grupo de alunos, porque eles a viam como um bebê. ‘Não, ela não é um bebê, ela é igual a vocês. Apenas não fala e não anda, mas ela gosta das mesmas coisas que vocês gostam’. E no final do ano a gente tinha uma criança participativa, que interagia com seus amigos.

Cristina não enfrentou esse desafio sozinha. Tinha, a seu lado, os companheiros da escola e, como suporte, a equipe multidisciplinar disponibilizada pela Secretaria Municipal de Educação (SME) de São Bernardo do Campo.

18 anos de educação inclusiva

Maria do Carmo, diretora da EMEB Helena Zanfelici, conta que, quando foi criada, há 18 anos, a escola ocupava um barracão de madeira muito precário. Mas, desde sua fundação, recebeu alunos com deficiência no ensino regular. Naquela época, precisava recorrer a verbas da própria escola para fazer adaptações do mobiliário ou outras medidas necessárias para acolher esses alunos. Após muitos anos, a escola se mudou para um novo prédio, construído com acessibilidade. A legislação de 2008 auxiliou muito nas políticas de inclusão da escola, conforme testemunha:

Acho que, com a legislação, chegaram mais recursos. As secretarias têm a preocupação com o espaço físico da escola, mandar mais materiais. Antes nós tínhamos uma verba de acessibilidade, agora é a secretaria que providencia as compras do que a gente precisa.

A escola, como outras, trabalha com um planejamento anual que define metas de aprendizagem. Essas metas seguem as orientações do currículo proposto pela Secretaria Municipal de Educação, mas são adaptadas à realidade da escola. Como comenta Éder Garcia, coordenador pedagógico da escola: “A gente tem que casar onde é que a escola está com a proposta da rede que a gente tem que atingir. Assim, vamos formatando o currículo e vamos avaliando”. O projeto é revisto nos planos trimestrais. Semanalmente, as equipes dos ciclos reveem essas metas mais amiúde, explica Camila Leonel, também coordenadora pedagógica da escola.

Quando um novo aluno é matriculado, os oficiais de escola conversam com os pais para tentar identificar necessidades educacionais específicas e passam essas informações para a equipe de gestão que, sempre em contato com os pais, buscam condições para a escola receber aquele aluno, indo atrás dos recursos e conhecimentos necessários.

Facilita o planejamento didático, na escola, as atividades em equipe realizadas durantes os horários de trabalho pedagógico coletivos (HTPC). São nesses espaços que a visão inclusiva da direção da escola pode ser apresentada para os professores. É forte na escola a ideia de que cada estudante é único, o que significa que as atividades precisam ser pensadas para todos e cada um. É um desafio, como afirma Éder:

A dúvida é: como é que eu faço, numa sala de aula, para que todos aprendam? Isso não é muito tranquilo de fazer, com aluno com deficiência ou não. Não tem faculdade que te ensina isso… Eu acho que a gente já está superando isso. Você não pode mais encarar como um aluno com deficiência porque você está falando de educação para todos! Então, ele tendo deficiência ou não, qual é o papel da escola? Ela tem que ter estratégias diferentes para atingir a todos os alunos. Se você tem que fazer adaptações para todos, cai por terra essa história de aluno com deficiência.

Assim, a escola – e a rede municipal – tem investido em 4 estratégias para possibilitar a educação inclusiva.

Estratégias para a educação inclusiva

Entre as práticas que têm auxiliado a Escola Helena Zanfelici a se tornar inclusiva, destacam-se: o uso do portfólio, a formação em grupos, o apoio de equipe multidisciplinar e o ensino colaborativo.

Portfólio

Todos os alunos da escola são acompanhados por meio de um portfólio, que traz relatórios de professores, trabalhos escolares e outros documentos afins. Éder explica seu funcionamento:

Todos os alunos aqui na escola tem um portfólio, desde que ele começa. O professor começa a construir um portfólio. Por mais que ele mude de ciclo, vá para o ensino fundamental… A gente leva para a outra escola o portfólio que é a vida escolar dele. Tem todo o registro, todo o material desse aluno, guardado em pastas. E tem os relatórios dos professores. Então quando eu pego uma nova classe, para todos os alunos, está o portfólio dele lá: quais são as dificuldades que ele tem, o que ele aprendeu, o que ele não aprendeu.

O portfólio registra, portanto, o processo de aprendizagem do aluno. Por isso, tem sido essencial para possibilitar a avaliação dos estudantes da escola, incluindo os alunos com deficiência, já que permite fazer uma análise processual do desenvolvimento do aluno. Nas palavras de Éder:

A avaliação tem que ser processual. A escola leva um portfólio dos alunos para o conselho da escola. A gente tem que perceber como o aluno iniciou, como ele está, o que está faltando… Está caindo por terra aquela avaliação em que o aluno tem que mostrar o registro de uma coisa, pois muitos alunos – com deficiência, por exemplo – não conseguem registrar no papel. Vai fazer verbalmente? Vai fazer através de um desenho? Vai avaliar o relacionamento dele em sala de aula? Não, tem que avaliar o aluno como um todo. Você tem um objetivo, faz, avalia, volta e vamos pensar em outra coisa. E aí, o registro do professor vale muito!

Os relatórios dos professores devem registrar esse processo, em todas as áreas (acadêmica, social etc.) e, para que se possa garantir uma unidade de avaliação, a coordenação pedagógica construiu coletivamente com os educadores uma série de “observáveis”, que são os parâmetros do que deveria estar presente num bom relatório, relativos aos aspectos de aprendizagem de cada aluno em relação aos objetivos de ensino. A definição conjunta foi essencial para os professores, como explica Camila:

Essa construção favoreceu bastante esse relatório, porque elas mesmas [as professoras] já analisam as informações que eu tenho que colocar no relatório para que eu realmente demonstre o processo que a criança teve de aprendizagem e para o próximo professor que receber o aluno saber de onde ele vai partir.

Além do portfólio, há um segundo documento, este específico para as crianças com deficiência, em especial quando precisam de atenção na área da saúde. É o Registro de Acompanhamento Específico (RAE). Ele é usado quando o caso precisa ser discutido com outros profissionais de outras especialidades, como o médico, psicólogo, fisioterapeuta ou terapeuta ocupacional. Pode ser iniciado a partir de informações dadas pela família ou por laudos médicos. No entanto, o educador também pode iniciá-lo a partir de sua observação em sala de aula. A partir daí, toda conversa a respeito daquele aluno será registrada no RAE, incluindo as recomendações dos profissionais parceiros para aquele aluno. Por exemplo, se o aluno é cadeirante, o RAE registrará de quanto em quanto tempo ele deve ser tirado da cadeira, as recomendações de como fazer sua locomoção etc. É um documento oficial da Secretaria de Educação para assegurar que todas as escolas tenham o mesmo procedimento de registro do histórico das crianças, já que elas podem mudar de escola.

Formação em grupos

Tanto escola quanto secretaria de educação apostam na formação dos professores como um dos pilares da educação inclusiva. Mas, para maximizar o alcance do conhecimento, a EMEF Helena Zanfelici optou por fazer formações em grupo utilizando a metodologia da Aprendizagem Baseada em Problemas e Projetos, que foi trazida após a participação dos dois coordenadores pedagógicos em um curso na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. A equipe se dividiu em grupos, onde cada um deles estudou um tema ligado à inclusão. O formato utilizado foi o de projeto de pesquisa, realizada durante os HTPCs, e durou cerca de seis meses, terminando com uma série de seminários onde cada grupo compartilhou o que aprendeu com os outros educadores da escola.

Apoio de equipe multidisciplinar

Na escola Helena Zanfelici, o educador é amparado por diversos profissionais para ajudá-lo em seu planejamento e em sua prática. A escola conta com sala de recursos multifuncionais e duas professoras de Atendimento Educacional Especializado (AEE) – uma dedicada à Educação Infantil e outra ao Ensino Fundamental – todos os dias da semana. Cecília Prado, chefe da Divisão da Seção de Educação Especial da SME de São Bernardo do Campo, explica que a secretaria garante a presença do profissional de AEE para o atendimento do público-alvo da educação especial, de 2 a 5 jornadas por semana, dependendo do número de alunos na escola. Além disso, há profissionais itinerantes que acompanham o trabalho de inclusão. É o caso de Ana Maria Diniz, terapeuta ocupacional, que trabalha na equipe de orientação técnica da Secretaria, também composta por fonoaudiólogos, psicólogos, assistentes sociais. Seu papel é contribuir para que os estudantes com deficiência possam participar integralmente das aulas regulares. Ela explica seu trabalho:

Quando estou na clínica, eu posso ter o objetivo de fazer tal atividade para essa criança adquirir marcha, por exemplo. Quanto eu estou dentro de uma escola, eu vou pensar é na locomoção, não vou pensar em aquisição de marcha, porque esse é um objetivo terapêutico.  Eu vou à escola fazer a observação da criança na rotina escolar, leitura dos relatórios… Quer dizer, se apropriar do caso. Converso com as pessoas envolvidas na escola, professora de sala de aula, do AEE, coordenadores pedagógicos e direção… E pensar no que você pode auxiliar dentro do seu conhecimento específico àquela criança.

Em relação à Izabelly, por exemplo, Ana Maria explica que, no início, o principal era garantir a acessibilidade, já que sua deficiência é motora. Izabelly conta com diversas tecnologias assistivas dentro da sala, como um colchão específico, feito de pequenas bolas de isopor, para que a menina possa descansar da cadeira de rodas, “cantinho” com tilt, para que ela possa ficar na mesma altura das outras crianças em atividades em que todos se sentam no chão, próteses, jogos adaptados, entre outros. Muito importante em termos de acesso pedagógico, Izabelly também tem à sua disposição um computador para ser utilizado como caderno eletrônico.

Ana Maria coordena o treinamento do acionador para a menina. Ela comenta:

Na questão do caderno, pela questão motora e principalmente pensando em longo prazo na vida escolar dela, é interessante ela ter um caderno eletrônico, que a gente chama: o computador. Esse computador também pode ser utilizado para a comunicação, você chegando numa possibilidade de vocalizador com ela. O próximo passo, nesse momento, é o treinamento com ela, junto com as professoras, no computador. Ela vai acessar o computador através do acionador e, futuramente, com o software de varredura. Nesse momento, ela também vai poder se comunicar e mostrar seus desejos.

O treinamento do acionador ocorre na sala de AEE e na sala de informática. Nessa última, há diversos softwares lúdicos que auxiliam a despertar em Izabelly o interesse pelo uso do computador. A professora regente e a auxiliar, em sala de aula, utilizam o computador para que Izabelly possa fazer atividades de letramento, reforçando a aprendizagem do uso do acionador. Todo o processo é coordenado por Ana Maria.

A possibilidade de comunicação para Izabelly tem sido uma preocupação que envolve vários parceiros, pois é necessário que ela desenvolva uma forma de se comunicar que possa ser entendida em seus diversos lugares sociais: na escola, em casa, na comunidade etc. Mesmo na escola e com um vocabulário se restringindo a “sim” (dar um sorriso) e “não” (mostrar a língua), ainda aparecem dúvidas sobre o significado de suas expressões faciais.

Além do treinamento com o computador que possibilitará o uso de um software de vocalização, estão sendo preparadas pranchas de comunicação para a estudante, num processo que envolve os educadores, a equipe de orientação técnica da SME e a família, em um esforço para produzir um vocabulário comum. Para auxiliar, a família da estudante também comprou um computador e está conversando com a escola e a terapeuta ocupacional.

O olhar da terapeuta ocupacional auxilia a escola a ter uma visão mais completa das necessidades das crianças com deficiência. Afirma Ana Maria:

Meu trabalho vai ser para ela ter o acesso. O trabalho das professoras vai ser pensar como ela vai aprender, dentro do projeto pedagógico.

Ensino colaborativo

Os profissionais do AEE são orientados pela secretaria de educação a oferecer dois tipos de auxílio: um, diretamente ao estudante, é oferecido no contraturno da aula regular e diz respeito às especificidades de aprendizagem de cada aluno, devido às suas deficiências. Maria Antônia Gazinato, professora da sala de recursos da EMEF Helena Zanfelici, por exemplo, especialista em deficiência intelectual, explica sua atuação no contraturno:

Eu atendo o aluno que está em sala de aula regular no contraturno. Então, ele vem para mim, e eu tenho que trabalhar com ele habilidades e ajudá-lo a desenvolver o processo dele, para que ele, em sala, não tenha tanta dificuldade. Eu trabalho com eles de uma forma diferente da de sala. Não é a mesma coisa que sala. E nem é aula de reforço.

A segunda forma de atendimento do AEE visa auxiliar o professor. É denominado ensino colaborativo. Na EMEF Helena Zanfelici, o profissional (professor de AEE ou especialista da equipe multidisciplinar da SME) observa o estudante no ambiente da sala de aula, com intuito de dar feedbacks ao professor de como atuar didaticamente para melhorar sua aprendizagem. Como coloca Maria Antônia:

No ensino colaborativo, eu entro em sala junto com a professora. Eu sou como uma agente da inclusão. Eu observo aquele aluno no grupo e aí eu posso trocar com a professora quais são as necessidades do aluno. Eu converso com a professora, vejo se ela tem alguma necessidade, vejo qual a observação dela sobre o aluno e conto o que eu observei. E se ela tiver alguma necessidade, alguma dúvida, se eu puder resolver na hora, eu resolvo. Se não, eu pesquiso e depois levo para ela. É o básico para que aquela criança faça parte do grupo, e não [simplesmente] esteja no grupo.

O ensino colaborativo é parte das políticas da Secretaria de Educação da cidade para a inclusão.

O papel das políticas públicas

Ao assumir a Secretaria Municipal de Educação de São Bernardo do Campo em 2009, Cleuza Repulho percebeu que a educação inclusiva não tinha um paradigma único que a guiasse, tendo ações de inclusão, integração e segregação. Para promover a inclusão, seu primeiro movimento foi o de conhecer a realidade da cidade, por meio de um apurado levantamento de dados na rede: conversar com as famílias, entender a rede de atendimento às pessoas com deficiência dentro da rede pública, descobrir onde estavam essas pessoas, que culminou em um convite à comunidade escolar para a discussão de como se deveria promover a autonomia das pessoas com deficiência na área de educação.

Desse diagnóstico inicial, surgiram iniciativas tais como programas de formação dos professores, parcerias com o MEC e com a Secretaria da Saúde. Cecília Prado, chefe da Divisão de Educação Especial da SME, esclarece como funcionam as ações:

O maior foco está nas ações formativas, na formação, orientação e reflexão junto às equipes gestoras – coordenadores pedagógicos e diretoras. A linha de frente da nossa atuação junto às escolas tem sido o atendimento educacional especializado. Quando a gente está organizando o AEE, a gente garante a cada unidade da rede a presença deste professor no atendimento ao público-alvo da educação especial. Ele fica entre 2 e 5 dias da semana na unidade, dependendo do número de alunos a ser atendido em cada unidade escolar, e tem como suas ações principais o atendimento no contraturno e o atendimento que é chamado de ensino colaborativo.

Uma importante descoberta, à época do diagnóstico, foi a necessidade de se estruturar um programa de transporte municipal que garantisse a acessibilidade, a segurança e, além disso, a qualidade da interação social durante o transporte. Assim, a resolução nº 25/2011 da Secretaria de Educação, em seu artigo 5, dispõe que “será garantido o transporte escolar aos alunos com deficiências que os incapacitem ou limitem a locomoção”.

Elenir Freitas, chefe da Seção de Assistência Escolar da SME de São Bernardo, explica as preocupações que levaram a secretaria a montar o serviço de transporte:

A secretaria tem duas preocupações: a infraestrutura – o carro adequado, com acessibilidade, pensando muito na segurança das crianças – e tem uma outra preocupação que também é importante: é a questão das relações que são constituídas nesse caminho entre escola e residência da criança. Nesse sentido, a gente trabalha muito com as monitoras e motoristas, porque entendemos que eles têm um papel fundamental na qualidade dessa relação. Para isso, temos formações no sentido de estar preparando monitoras e professores para que essa relação que se constitui seja a melhor possível. Realizamos cursos de Libras para todos os motoristas e monitores que trabalham com pessoas com deficiência auditiva. Fizemos encontros com terapeutas ocupacionais para elas orientarem como lidar melhor com essas crianças em suas especificidades.

As necessidades de treinamento são levantadas junto às próprias monitoras e podem ser resolvidas com cursos ou com reuniões promovidas com a equipe multidisciplinar da secretaria. Atualmente, as terapeutas ocupacionais da Secretaria de Educação são pessoas-chave para a resolução das dúvidas dos profissionais de transporte. Atuam, também, na análise do tipo de transporte que a criança irá utilizar, avaliando a necessidade de cadeiras adaptadas, amarras para cadeiras ou outras, e os cuidados que a criança receberá.

No caso de Izabelly, a van não tem assentos próprios. Ao invés disso, utiliza amarra para as cadeiras de rodas dos estudantes. Elisângela Contardi, monitora do transporte de alunos com deficiência, a acompanha na van que a leva para a escola. É um trajeto curto, onde Izabelly compartilha o espaço com outra criança. Elisângela faz o embarque da estudante utilizando o elevador da van adaptada e prende sua cadeira de rodas nas catracas disponíveis para esse fim. A partir daí, ela busca estimular a interação com as outras crianças que estiverem sendo transportadas: conversa, canta, corrige a postura, incentiva.

Há uma preocupação também de orientar as famílias a respeito desse transporte com intuito de estabelecer contratos de convivência, com regras bem estabelecidas, para assegurar a boa relação entre os profissionais de transporte (motorista e monitor), a família e a criança.

Assegurando o transporte da criança até a escola, é importante garantir, então, a qualidade de ensino. Um dos fatores preponderantes para isso, segundo a diretora da escola, é a política de redução do número de estudantes por turma. Outro é a presença do cuidador.

Redução do número de estudantes

A Resolução n.º 033/2010 da Secretaria de Educação determina, em seu artigo 2:

A redução do número de alunos por motivo de inclusão de aluno com necessidades especiais, limitada ao máximo de cinco alunos por classe, ficará facultada à autorização do Departamento de Ações Educacionais, através da chefia imediata e chefia da seção de Educação Especial (SE-115).

§ 1º – De acordo com as necessidades e desenvolvimento do aluno incluído e após a análise da Equipe Escolar, Orientadora Pedagógica de referência, equipe de Orientação Técnica e chefia imediata e chefia da seção de Educação Especial, a redução do número de alunos poderá:

I. sofrer alterações, chegando-se a redução mínima necessária,

II. haver redução maior daquela estabelecida no caput do artigo ou,

III. haver retomada do número total de alunos previsto no artigo 1º.

Assim como a redução, o apoio do cuidador está relacionado à qualidade da educação oferecida.

O profissional de apoio

A questão do profissional de apoio tem sido amplamente debatida na comunidade escolar. Do ponto de vista administrativo, essa função deve ser regularizada por meio de uma lei, inserida no Plano de Carreira ou por portaria, para garantir a estabilidade jurídica para o profissional. São Bernardo utiliza a Nota Técnica nº 19/2010 do Gabinete da Secretaria de Educação Especial, que propõe:

Dentre os serviços da educação especial que os sistemas de ensino devem prover estão os profissionais de apoio, tais como aqueles necessários para promoção da acessibilidade e para atendimento a necessidades específicas dos estudantes no âmbito da acessibilidade às comunicações e da atenção aos cuidados pessoais de alimentação, higiene e locomoção. […] A demanda de um profissional de apoio se justifica quando a necessidade específica do estudante público alvo da educação especial não for atendida no contexto geral dos cuidados disponibilizados aos demais estudantes.

Na escola, se definiu como importante estabelecer que a meta desse profissional de apoio é promover a autonomia do aluno, na medida de sua capacidade. Dessa forma, ele não criará uma dependência do aluno em relação a si e o auxiliará a atingir seu potencial.

Um dos problemas que a SME ainda tem debatido é a inexistência de um cargo específico para contratar os profissionais de apoio na rede. Atualmente, ocupam essa posição os auxiliares de educação e/ou estagiários de pedagogia. O cargo de auxiliar de educação foi concebido, originalmente, para atender a educação infantil (crianças de 0 a 3 anos). No entanto, como entre suas atribuições estavam ações de apoio, há hoje uma tendência a mantê-los como cuidadores das pessoas com deficiência na escola. As “Diretrizes para ingresso no AEE e indicação de Profissional de Apoio” definem as seguintes ações (não ficando restritas a essas) para o profissional de apoio acompanhar o aluno com deficiência:

  • Cuidados básicos de vida diária e prática do cotidiano dos alunos (dar o lanche aos que apresentam dificuldades motoras dos membros superiores, realizar a higiene bucal após a alimentação e nos casos de sialorréia, e a higiene corporal/íntima e trocas de fralda e de vestuários);
  • Acompanhar o aluno nos cuidados pessoais, bem como auxiliá-lo para uso do banheiro;
  • Auxiliar a adequação postural para a pessoa com pouca ou nenhuma mobilidade e movimento corporal nos cuidados necessários;
  • Deslocar com segurança e adequadamente o aluno dentro da escola para as práticas das atividades.

Maria do Carmo, diretora da EMEF Helena Zanfelici, afirma que tanto o cuidador quanto a redução de alunos são essenciais para garantir que o professor em sala de aula possa dar a devida atenção a todos os estudantes. É necessário, também, certa autonomia da escola para definir essas estratégias. Por isso, a primeira avaliação realizada é da própria escola para sugerir à secretaria se há necessidade de redução do número de alunos ou de um cuidador que dê apoio na sala de aula.

Desafios

Incentivar a autonomia não é uma tarefa simples, mas é uma preocupação constante em São Bernardo. A Secretaria de Educação, por exemplo, precisa se preocupar com a autonomia das escolas e, ao mesmo tempo, garantir o melhor uso dos recursos. Por outro lado, há também a necessidade de atender a outros públicos: os adultos com deficiência, que viveram segregados e precisam de investimentos específicos atualmente para obter sua autonomia. Como explica Cleuza Repulho:

É importante a gente destacar que aqui [em São Bernardo] a gente tem um número grande de adultos com deficiência, que não passaram pela escola ou que, se passaram, a escola não conseguiu dar autonomia para eles.

Para a Secretaria, fica o grande desafio de realizar o debate sobre a inclusão nas escolas junto à sociedade, já que a comunidade escolar ainda sobre influências de paradigmas anteriores ao da inclusão. Há também dificuldades de se trabalhar de forma integrada às outras secretarias, embora a busca por intersetorialidade já exista.

Para a escola, o desafio presente é o de estimular a autonomia aos estudantes com deficiência. Para isso, é necessário o permanente cuidado com a preparação dos educadores e com o constante refletir sobre suas próprias práticas. Como afirma Éder:

Sempre a gente está se avaliando: o que a gente acertou, onde é que a gente errou. E ser muito humilde para estar sempre aberto a aprender.

Por fim, e a menina Izabelly? Ela tem seus próprios desafios para os próximos anos: aprender uma forma de comunicação que possibilite expressar seus desejos e necessidades a qualquer um, aumentar sua autonomia e, como todos os meninos e meninas de sua idade, aprender a ler e escrever.

Notas

Esse caso foi desenvolvido a partir de depoimentos dos envolvidos. Os casos do Projeto Diversa têm como finalidade ser utilizados por mediadores, em cursos de formação continuada, como base para discussões. Não servem, portanto, como endosso, fonte de dados primários ou de práticas pedagógicas efetivas ou inefetivas.

©Instituto Rodrigo Mendes. Licença Creative Commons BY-NC-ND 2.5. A cópia, distribuição e transmissão dessa obra são livres, sob as seguintes condições: Você deve creditar a obra como de autoria de Augusto Galery e licenciada pelo Instituto Rodrigo Mendes; é vedado o uso para fins comerciais; é vedada a alteração, transformação ou criação em cima dessa obra, a não ser com autorização expressa do licenciante.

1 Cargo administrativo das escolas municipais de São Bernardo do Campo.

2 No caso de Izabelly, o acionador é um grande botão vermelho que, ligado ao mouse do computador, tem a função programada de substituir o “clique” no botão esquerdo.

3 Secretaria Municipal de Educação de São Bernardo. Resolução SE n.º 033/2010, de 24 de setembro de 2010.

4 Secretaria de Educação Especial. NOTA TÉCNICA SEESP/GAB nº 19/2010, de 08 de setembro de 2010.

5 Seção da Educação Especial do Departamento de Ações Educacionais da Secretaria Municipal de Educação de São Bernardo. Diretrizes para ingresso no AEE e indicação de Profissional de Apoio. Junho de 2011, p. 11-12.

Sobre o autor

Augusto Galery é psicólogo, mestre em administração, doutor em psicologia social e pesquisador em sociedade inclusiva. Foi coordenador do programa DIVERSA Pesquisa de 2011 a 2015.

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