Acessibilidade na comunicação: ideias para a sala de aula

É necessário que os profissionais de ensino aprendam sobre formas variadas e complementares de linguagem e que as utilizem em seu cotidiano de ensino para todos os estudantes, com ou sem problemas aparentes de mobilidade, comunicação ou de percepção sensorial.

Em um auditório, as normas técnicas da acessibilidade abordam questões relativas à localização de assentos especiais e de posicionamento do intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras) frente à plateia. Exigências incluem ainda a determinação de um ponto de luz específico para que ele continue a atuar mesmo quando o local estiver às escuras para a projeção de imagens sobre uma tela. Contudo, a comunicação total exige algo mais. Em termos de tecnologia, a comunicação total significa a inclusão de cuidados para que todos na audiência possam captar a mensagem. Como exemplo, podemos citar a construção de legendas simultâneas à fala de apresentadores, bem como monitores e projetores que apresentem imagens em diferentes dimensões, além de descritores de imagens para a forma verbal que possa ser ouvida por pessoas com deficiências visuais, parcial ou total.

Em sala de aula, podemos representar soluções de escala compatível para que todos os estudantes estejam envolvidos com o aprendizado. O próprio espaço da sala de aula livre de mobiliário é fator de comunicação quando crianças podem usar seu corpo para expressão e mobilidade. Luzes especiais podem ser acionadas em flashes para captar a atenção de alunos. Computadores portáteis, projetores e telas servem de fundo para a apresentação de mídias, dispensando o uso da lousa como único recurso de registro gráfico de traços e palavras.

Comunicação total no ensino

Como comunicação total, deve-se buscar a familiaridade de todos não só com o conteúdo de mensagens mas quanto à diversidade em seu formato. O ensino inclusivo deve fazer uso da comunicação por mais de um sentido da percepção. Estudantes devem aprender a construir mapas táteis e modelos tridimensionais para apreender a lógica de sua função nas experiências de localização e navegação pelos ambientes. Simulações de compreensão de mensagens com restrição de um ou mais sentidos auxiliam o aprendizado e o compartilhamento de experiências. Crianças sem deficiência aparente podem aprender brincando a se expressar de modo inusitado, como a ler com os dedos e a falar com as mãos.

De tão comum e corriqueiro, é de se esperar que um dia o aprendizado de Libras e de braile passem a integrar o ensino básico, assim como ocorre hoje quando ligamos uma tevê digital e vemos naturalmente legendas em tradução simultânea como parte do produto.

Mais do que indicar aqui a necessidade da existência de especialistas em ajuda técnica que saibam sobre Língua Brasileira de Sinais ou sobre a descrição de imagens, ou sobre pranchas de comunicação gráfica, é necessário que cada professor esteja familiarizado com tais recursos e saiba aplicá-los em conjunto com outras atividades didáticas para todos os estudantes, mesmo na ausência eventual de alunos com deficiência em sala. Assim, o grande peso sobre o ombro de especialistas pode ser suavizado, uma vez que podem passar a atuar mais como facilitadores e suportes técnicos aos familiares e professores.

Três exemplos podem ilustrar tal situação. O primeiro se refere a uma especialista que, sobrecarregada pelo trabalho com estudantes com deficiência em várias turmas diferentes, passou a orientar professores para que esses viessem a aplicar técnicas em suas áreas específicas. Hoje, antes do contato direto com os alunos com deficiência no aprendizado, ela procura conhecê-los indiretamente pelo acompanhamento prestado aos docentes. O segundo se refere ao programa “Meu amigo do dia”, no qual todos os dias um sorteio seleciona uma das crianças da turma para se revezar no suporte a um colega que sofre a falta de recursos de acessibilidade universal e conta com poucos recursos de tecnologia assistiva. No terceiro, durante um dia de apresentação sobre as atividades profissionais dos pais, uma mãe arquiteta apresentou conceitos de mobilidade por meio de jogos, desenhos e equipamentos para toda a turma. Como resultado, os alunos eliminaram reações de preconceito na época de ingresso de um colega com deficiência.

Nos três casos citados, o professor deixar de delegar tarefas aos especialistas de ensino inclusivo, aos pais ou aos estudantes mais solidários com o colega com deficiência. Todos assumem individualmente as responsabilidades de suporte com o controle do comportamento e com as tarefas escolares.

Inclusão e acessibilidade universal

Certa vez, em uma palestra, a organizadora do evento apresentou a intérprete de Libras, mas aproveitando para agradecer sua presença, dispensou seu trabalho uma vez que havia constatado a inexistência de surdos no local. O palestrante, ao tomar a palavra, convidou a profissional de volta ao palco. Para ele, a Língua Brasileira de Sinais deveria ser um recurso constante de qualquer palestra. Assim, caso uma pessoa com deficiência auditiva viesse a aparecer na sala, não necessitaria em solicitar tal serviço de tradução. Além disso, a plateia deveria se acostumar com a existência de um intérprete e estranhar sua ausência.

Há quem defenda veemente a inclusão social incompleta que ocorre em escolas inacessíveis para pessoas com deficiências de ordem motora, ou perceptiva ou cognitiva, já que essa experiência de ensino “bem sucedida” servirá de referência para a preparação dessas pessoas para a vida fora do meio institucional, tal como ela é, com muitas barreiras arquitetônicas. Nesse raciocínio, a acessibilidade universal que viesse a existir na escola possivelmente condicionaria expectativas para ganhos de aprendizado, ocorrendo somente em ambientes protegidos e dissociados da realidade. Tal pensamento é questionável, pois descarta a convicção de que a acessibilidade universal deva ser preponderante no futuro tanto em edificações e nos espaços urbanos quanto nos transportes e na comunicação.

Certamente, ambientes edificados e virtuais bem preparados para acessibilidade universal devem existir em todos os lugares e não unicamente em escolas inclusivas, postos de trabalho protegido e locais formais de serviços ou interesse público. É sobretudo na escola que as experiências de compartilhamento social podem assegurar a formação cidadã desde a idade mais tenra. Caso todas as crianças de uma escola vivenciem ambientes acessíveis e universais, com a introdução equilibrada de tecnologia assistiva e de ajuda técnica, mais preparadas elas estarão para aceitarem e defenderem a existência desses ambientes noutros lugares em sua vida adulta.

Não dá para considerar inclusão quando pessoas com deficiência ficam sujeitas somente ao papel passivo de recebimento de ajuda. Afinal, o mundo social fora da instituição de ensino apresentará desafios de cidadania que exigirão preparo para a postura ativa, de autonomia. De fato, o desafio da inclusão está associado ao compartilhamento de experiências em mão dupla; isto é, as pessoas com problemas de aprendizado também ensinam outras pessoas, e isso deveria ser reconhecido. Trazem a experiência sobre formas inusitadas de como lidar com os problemas de mobilidade reduzida, comunicação truncada, e pouca orientação situacional. Assim, com franco envolvimento, há processos sadios de socialização nesse compartilhamento, com a interpretação de troca de papéis, de emoções e de pontos de vista sobre diferentes tipos de desafios.


Marcelo Pinto Guimarães é professor de Arquitetura, Ph.D. em Design e coordenador do Laboratório ADAPTSE na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O laboratório é especializado em investigações científicas e explorações filosóficas sobre acessibilidade ambiental e usabilidade do meio edificado para o bem-estar de pessoas com distintas habilidades e características.

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