Em 2015, a Escola Municipal de Educação Básica Jesus Criança, em Cuiabá (MT), foi selecionada para participar do curso Portas abertas para a inclusão, do Instituto Rodrigo Mendes (IRM). Essa experiência foi fundamental para despertar a equipe da unidade para a importância de trabalhar a partir da diversidade e de dar voz aos estudantes. Assim, ao longo de nossa participação na formação, desenvolvemos um projeto de ginástica circense do qual todos os alunos puderam participar, seja executando e criando os movimentos, seja confeccionando os materiais necessários.
O projeto de ginástica circense foi realizado durante as aulas de educação física com uma turma do 6° ano do período matutino. Ao todo, eram 35 estudantes, dos quais dois frequentavam a sala de recursos multifuncionais no contraturno: William, com deficiência auditiva e Nayane, com transtorno do espectro autista (TEA). Por isso, as atividades também envolveram a participação da intérprete de Língua brasileira de sinais (Libras) e de uma profissional de apoio que frequentavam a classe.
Ginástica circense e confecção de materiais
O objetivo do projeto foi proporcionar mais autonomia e estimular o convívio e a colaboração entre os adolescentes. A ideia era levar até eles os movimentos circenses básicos, estimulando a inclusão não só dos alunos com deficiência, mas também daqueles mais tímidos, das meninas, daqueles acima do peso. Tínhamos consciência da importância de nosso trabalho pedagógico nesse sentido, uma vez que sem o cuidado do educador, a educação física pode se tornar uma “aula de exclusão” para esses indivíduos.
Entre as atividades selecionadas, os movimentos de rolamento, ponte e estrela só dependiam do corpo. Já o malabarismo, por exemplo, envolvia o uso de materiais específicos. Por isso, as primeiras aulas foram dedicadas à produção dos objetos que seriam usados na prática da ginástica circense. A proposta era utilizar recursos recicláveis e o que estivesse à mão. Assim, no primeiro dia, a turma criou balangandãs, bolas e roupas de palhaço usando jornais, barbantes, fitas, garrafas plásticas, entre outros.
A partir do segundo encontro com a classe, os estudantes aprenderam o movimento básico do malabarismo, primeiro com duas bolas e depois com três. Eles treinaram em grupos na quadra, que deveriam ser alternados ao comando da professora. Assim, cada um ajudava os colegas ao lado conforme as dificuldades apareciam. Nas aulas seguintes, foram apresentadas as acrobacias: rolamento, ponte, estrela, abertura, cambalhota, pirâmide humana etc.
Novas vivências e estímulos à participação
Para estimulá-los durante o projeto, as aulas de educação física tiveram o cuidado de proporcionar vivências inéditas. Diversificamos o grau de dificuldade das atividades e abrimos a aula à intervenção dos adolescentes. O malabarismo, em um primeiro momento, foi realizado com caminhadas livres pela quadra. Depois, passamos a criar obstáculos. Os próprios alunos resolveram criar novos truques e pediram mais uma semana para treinar. Por iniciativa deles mesmos, também fizemos um andar extra na pirâmide humana.
O trabalho na escola durava duas horas, mas eles continuavam a pesquisar novos vídeos de ginástica circense na internet e voltavam para a quadra cheios de ideias. Uma das inovações trazidas pelos estudantes foi o pé de lata, que confeccionamos com embalagens usadas de achocolatados ou leite em pó e cordas de varal. Primeiro, eles andaram livremente. Depois, acrescentamos circuitos em ziguezague com cones e travessias de arcos com bambolês.
Envolvimento da comunidade e mudança de atitude
Antes do início das aulas práticas, a professora de educação física e o articulador do programa Mais Educação da escola apresentaram o projeto às famílias. Dessa roda de conversa, surgiu a ideia de entrevistar os pais e os alunos que frequentavam o AEE. Os questionários foram aplicados no momento em que traziam os filhos ou quando os buscavam e, com os resultados, identificamos propostas de melhorias que a escola poderia realizar para os estudantes com deficiência.
Já nos momentos finais do projeto, um novo desafio surgiu quando passamos a ensaiar uma apresentação para toda comunidade. Focados na questão do espetáculo, alguns alunos insinuaram, sutilmente, que os colegas com mais dificuldades deveriam mudar de grupo. Nesse momento, levamos os estudantes da quadra para a sala de aula, onde promovemos uma roda de conversa para que refletissem sobre esse comportamento. Primeiro, eles buscaram em dicionários os termos inclusão e integração. Depois, debateram sobre a relação entre a postura que o grupo vinha adotando e o significado desses conceitos. Com isso, os adolescentes entenderam como sugerir uma divisão “em panelinhas” era uma atitude integracionista. Por fim, eles produziram redações sobre a mudança de comportamento que vivenciaram.
Os frutos dessa reflexão impactaram toda EMEB Jesus Criança. Os estudantes foram construindo uma consciência cada vez mais inclusiva e, no dia a dia, passaram a cobrar o mesmo dos professores das demais disciplinas. Ao final do projeto, eles próprios tornaram-se agentes atentos contra a exclusão, zelando entre si para que ninguém ficasse de fora das atividades da escola.
Projeto participante do curso Portas Abertas para a inclusão 2015 Site externo. Esta experiência faz parte da Coletânea de práticas 2015.