Sou mãe do Daniel de sete anos, o adotei aos seis meses, ele foi vítima de maus tratos e por consequência ele tem deficiência múltipla: não enxerga, não fala, não anda. É uma criança ativa, ouve muito bem, reconhece as pessoas e adora brincar, mas nenhuma escola o aceita devido às necessidades diversas. Tentei algumas escolas, tanto públicas quanto particulares. Algumas até o aceitariam, porém já indicando que não saberiam como proceder com ele e que ele ficaria apenas sentado ouvindo as outras crianças. Gostaria de pedir ajuda para a comunidade DIVERSA me indicar um caminho para que eu possa melhorar a parte cognitiva do meu filho. Muito obrigada .
5 respostas
Olá Luziane!
A verdade é que nenhuma escola pode se recusar a aceitar o Daniel, ou qualquer outra criança com deficiência múltipla ou quaisquer características que se sobressaiam em relação a um suposto padrão considerado como “elegível”. Não mais. O direito de frequentar a escola e participar plenamente de todos os aspectos da vida escolar é assegurado em lei. A Lei Brasileira de Inclusão (LBI), aprovada em 2015, determina que o acesso de crianças e adolescentes com deficiência à educação não pode mais ser negado, sob qualquer argumento, tanto na rede pública quanto na privada. A lei proíbe, ainda, a cobrança de qualquer valor adicional nas mensalidades e anuidades para esse público.
Já em 1994, a Declaração de Salamanca (1994), considerada mundialmente como um dos mais importantes documentos acerca da educação inclusiva, enfatizava de forma quase redundante que “educação para TODOS efetivamente significa para TODOS” – tradução literal do texto original. Requisitos, restrições e exceções são inerentes à lógica da integração. Na inclusão, todos têm direito à educação. E todos significa todos. Simples assim.
E não se trata só de acesso. A Convenção da ONU sobre os direitos da pessoa com deficiência de 2006, ratificada no Brasil com equivalência de emenda constitucional em 2008, garante participação efetiva, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, para o pleno desenvolvimento do potencial do aluno. Tal garantia não indica que a escola a escola saberá, de antemão, como fazer isso, é verdade. Mas isso nem seria possível. Já sabemos, por experiência, que a ideia do preparo prévio nada mais é que um mito, já que “o ativo é a presença”. Não há “receitas prontas” nesse sentido. Ou seja, a escola não tem mesmo como saber, antecipadamente, “como proceder com ele” mas também não pode deixá-lo “apenas sentado ouvindo as outras crianças”.
A educação inclusiva é um processo contínuo e dinâmico, que implica a participação de todos os envolvidos, inclusive do próprio Daniel. Por isso, é importante, antes de qualquer coisa, garantir sua presença na escola. Para que a equipe pedagógica possa conhecê-lo (bem) e (assim) buscar identificar meios de garantir sua inclusão efetiva. Em uma das respostas a essa outra pergunta do fórum, a assessora em Educação Inclusiva Marília Costa Dias enfatiza a importância de isso acontecer de modo colaborativo. Todos os envolvidos, inclusive a família, precisam participar desse processo investigativo. Na mesma resposta, Marília aponta também a importância de “oferecer apoios aos alunos que precisam de algum tipo de ajuda para realizar as propostas” a fim de garantir o “direito à igualdade de oportunidades”, reiterando que “é preciso conhecer muito bem os alunos para saber qual é o apoio que necessitam”. A propósito, a Convenção da ONU, já mencionada, garante medidas de apoio para os alunos com deficiência, no âmbito do sistema educacional geral, objetivando sua “inclusão plena”. A principal medida de apoio é o atendimento educacional especializado (AEE) e o Daniel tem direito a esse serviço. Aqui no portal ha uma série de referências de como esse serviço pode apoiá-lo.
Vale a pena consultar a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva para saber mais sobre isso e também ler o texto da LBI na íntegra para conhecer outras possibilidades de apoio.
Quanto à sua pergunta, o melhor caminho é este que você está tentando: a escola. E a incentivamos a não desistir! A princípio, a escola mais indicada para o Daniel é a mais próxima de sua residência. Ou, no caso da rede privada, aquela que você escolheu. E ela só poderá se tornar, de fato, a melhor escola para ele e para todos os demais se a aprendizagem for perseguida de forma ampla e colaborativa, em um ambiente caracterizado pela diferença, onde todos têm a ensinar e aprender.
Apesar de a recusa de matrícula representar crime, acreditamos que a busca pelo estabelecimento de parcerias seja, na maioria dos casos, mais efetiva que o confronto. Sugerimos que você procure esgotar todas as tentativas de diálogo a fim de estabelecer uma relação de parceria com a referida instituição, ajudando-a a entender o Daniel pode sim participar e aprender. O apoio de atores externos à escola, sejam eles pessoas ou organizações, podem ajudar os educadores a encontrar as respostas que buscam. Os princípios da educação inclusiva podem ser um bom começo de conversa. O primeiro princípio é “toda pessoa tem o direito à educação”. E o segundo, “toda pessoa aprende”. 😉
Se, no entanto, as tentativas de diálogo com a escola se esgotarem, uma alternativa é contatar a área de educação inclusiva da Secretaria de Educação do município e, oportunamente, o Ministério Público, exigindo os direitos do Daniel. Lembrando que o direito à educação inclusiva não se restringe ao acesso (matrícula e presença), compreendendo também o desenvolvimento de suas potencialidades para a plena participação em igualdade de condições.
Conte-nos mais sobre isso e continue participando da comunidade. Você é muito bem-vinda aqui. 🙂
Raquel Paganelli Antun – Equipe DIVERSA
Olá Luziane, enquanto professora é muito triste ler seu depoimento, saiba que também vivencio essa situação de descaso, falta de respeito de profissionalismo e humanização dentro de algumas escolas. Atualmente tenho uma aluna com deficiência múltipla: mental, epilepsia e síndrome (Steven Jhonson) a mesma também estava segregada. Mas, felizmente consegui auxiliá-la e orientar a família, aos poucos ela está integrando-se aos afazeres pedagógicos e ao convívio digno social de respeito dentro da sala de aula, enfim da escola. Mobilizei meus gestores e alguns pares, para que os mesmos pudessem ter a sensibilidade o profissionalismo enquanto docente para buscarem recursos para melhorar a situação de qualidade de vida da aluna, pois ela estava com baixa autoestima e sofria muito bullying. Atualmente ela recebeu material ampliado, pois possui baixa visão, está aguardando cirurgia para os olhos, está sendo atendida na sala de recurso: Atendimento Pedagógico Especializado – APE, em outra escola, próxima onde ela estuda. Saiba que nenhuma escola pode negar a matricula de seu filho, faça valer a lei, aqui no Estado de São Paulo temos a Resolução SE nº 61, de 11-11-2014, que dispõe sobre a Educação Especial nas unidades escolares da rede estadual de ensino, procure os direitos de seu filho, insista e persista, se precisar recorra a Defensoria Pública.
Os critérios de inclusão são determinados por leis específicas que, como bem sabemos, dependem do investimento humano para se materializarem em realidades consolidadas. Assim, diretores por vezes se negam a receber matrículas de alunos com deficiência, enquanto outros estabelecem condições para receberem esses alunos, como mais recursos para obras e reparos na escola. Tal medida demonstra o abismo existente entre critérios e ações, aprofundando nossos desafios em termos de mudanças atitudinais e culturais.
A recusa de um diretor deverá ser investigada pela sua liderança imediata e estar absolutamente respaldada por uma criteriosa avaliação pedagógica acerca das questões que resultaram nessa atitude. O simples gesto de recusar pode resultar em enquadramento legal, configurando discriminação. O Ministério Público (MP), nesses casos, poderá ser sempre procurado, uma vez que se trata do guardião dos direitos constitucionais da sociedade e de cada cidadão.
+ Em que situações e como o MP deve ser acionado?
O problema, no entanto, é que por vezes processos movidos pelas famílias levam anos para serem concluídos o que prejudica sobremaneira a criança e gera insegurança e um desgaste emocional preocupante à família. A despeito de toda essa polêmica, as diretrizes do Ministério da Educação (MEC) indicam a inclusão dos alunos em escolas regulares.
“O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de (…) atendimento educacional especializado (AEE) aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.” É isso que está escrito no artigo 208 da Constituição federal. Em complemento a ele, a Lei de diretrizes e bases da educação (LDB) introduziu diversas disposições legais no ordenamento jurídico para garantir o direito à inclusão educacional. Além disso, a Lei Federal nº 7.853/99 prevê, em seu artigo 8º, “constitui crime punível com reclusão de um a quatro nos, e multa (…): recusar, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por motivos derivados da deficiência que porta”.
Sendo assim, se não houver justificativa pode-se obrigar judicialmente a escola a matricular o aluno. Sugerimos que, em parceria com a diretoria e a associação de pais e mestres, você ajude a providenciar as adaptações necessárias para a inclusão do aluno com deficiência. Procure também a Diretoria da Escola, a Delegacia Regional de Ensino do Ministério da Educação de sua cidade, a Secretaria Municipal de Educação, o Ministério Público ou alguma organização não-governamental que atue nessa área. Caso a escola continue a negar a matrícula, procure orientação de um advogado.
Trata-se de uma questão que não mais está posta em discussão. É lei e há mecanismos de monitoramento já adotados pelo MEC e por nosso País. No entanto, o processo de inclusão se revela para além da relação professor – aluno, no âmbito da sala de aula. As lideranças responsáveis pela gestão dos serviços educacionais, quer estes sejam públicos ou privados, deverão organizar um planejamento estratégico para a implantação e gerenciamento dos processos da educação inclusiva. Deverão considerar: a adequação da infraestrutura escolar; acessibilidade arquitetônica; a oferta do atendimento educacional especializado; material pedagógico acessível e adaptado às necessidades dos alunos, formação continuada aos professores e equipe escolar e diálogo permanente com as famílias. A formação para a educação inclusiva provoca a necessidade de uma profunda discussão sobre o currículo e as rotinas pedagógicas adotadas pela escola. Como o processo de inclusão e a chegada dos alunos com deficiência nas escolas tem se dado de forma ampliada e recorrente, não há uma melhor receita para esta formação. O importante é possibilitar que a informação flua entre os professores, por meio de espaços para trocas de experiências e divulgação das boas práticas. Além disso, levantar a real necessidade e interesse dos professores sobre os temas a serem abordados nas formações possibilita um planejamento de conteúdos e estratégias didáticas mais aderentes a realidade desses professores em sala de aula. Outra questão importante nessas formações é não reforçar a abordagem clínica da compreensão das deficiências, que muitas vezes leva os professores a se deslocarem para a situação da “discussão de casos”, debruçando-se mais na pergunta “o que o meu aluno têm?” ao invés de perguntar “o que o meu aluno sabe e como ele aprende?”