Olá Edson!
Para começo de conversa, dizer que sua filha “não tem condições de estudar ali pois não sabe nada” contradiz diretamente a própria Constituição Federal Brasileira. A Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência foi inserida no sistema jurídico brasileiro com equivalência de emenda constitucional em 2008. Esse documento garante a qualquer pessoa com deficiência o direito de estudar na escola pública mais próxima de sua residência ou, no caso da rede privada, na escolhida pelos pais/responsáveis. Além disso, a Lei brasileira de inclusão (LBI) considera crime quando o acesso de um estudante a uma vaga é negado ou dificultado. Ou seja, SIM, o lugar de sua filha é ali, na escola, nesta escola, por direito.
Além disso, entre os cinco princípios fundamentais da educação inclusiva está a afirmação de que toda pessoa aprende. Sejam quais forem as particularidades intelectuais, sensoriais e físicas do estudante, todos têm potencial de aprender e ensinar. É papel da comunidade escolar desenvolver estratégias pedagógicas para favorecer a criação de vínculos afetivos, as relações de troca e a aquisição de conhecimento.
É importante salientar, Edson, que a deficiência é um conceito em evolução, que resulta da interação entre as pessoas e as barreiras que impedem a plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de oportunidades. Todas as diretrizes da Convenção, que citei acima, se baseiam no chamado modelo social de deficiência, que é o modo como temos visto a deficiência nos dias de hoje. O modelo social estabelece que não é o limite individual que determina a deficiência, mas sim as barreiras existentes nos espaços, no meio físico, no transporte, na informação, na comunicação e nos serviços. Neste vídeo, o Rodrigo Mendes fala mais sobre isso:
Ou seja, se sua filha não está aprendendo, a origem do problema não está, necessariamente, nas suas características intelectuais, mas, sim, no modo como a escola se organiza e atua.
A propósito, segundo seu depoimento, ela começará a frequentar uma sala de recursos multifuncionais, certo? A função do atendimento educacional especializado (AEE) é justamente identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade para a eliminação das barreiras para a plena participação dos estudantes, com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela. O AEE complementa e/ou suplementa o processo de escolarização dos alunos com deficiência, transtorno do espectro autista e altas habilidades/superdotação. Ou seja, o docente dessa sala pode ser um importante parceiro da busca por soluções às questões apresentadas por você.
Sobre ela estar “atrasada” para a 8ª série, trata-se de uma noção baseada em padrões de desenvolvimento considerados “normais”. A expressão “retardo mental”, outrora usada em referência a pessoas com deficiência intelectual, é derivada dessa ideia. Retardo remete a atraso. Atraso em relação a quê? Ao que é “normal”. A noção de idade mental segue a mesma lógica. Compara-se o que se observa em uma criança com deficiência a padrões e atribui-se a ela uma “idade mental” diferente da cronológica. Além de ultrapassada (considerando que não é mais aceita nem mesmo pela Organização Mundial de Saúde), essa análise contraria o princípio básico da educação inclusiva de que somos todos diferentes, singulares e únicos. Um estudante com deficiência intelectual não tem idade mental diferente da cronológica, nem é menos inteligente que os demais. Ele é diferente, como todos os outros. Com algumas características que se sobressaem, talvez. Mas é importante lembrar que na educação inclusiva a diferença é reconhecida como um valor e cada um tem o direito de ser como é. Ou seja, se ela tem idade cronológica para estar na oitava série, este é o lugar dela. Cabe à equipe pedagógica flexibilizar o currículo e diversificar as estratégias pedagógicas levando em conta suas características, bem como dos outros estudantes que compõe o grupo.
Sobre a perspectiva de reprovação, também indicada em seu depoimento, e os pedidos recorrentes de laudos, sugerimos a leitura desses artigos:
+ Reprovar estudante que ainda não lê pode ajudá-lo na alfabetização?
+ Como argumentar com gestão de escola que quer reprovar crianças com deficiência?
+ O papel da escola quando há hipótese de diagnóstico de deficiência
Acreditamos que a busca pelo estabelecimento de parcerias seja, na maioria dos casos, mais efetiva que o confronto. Por isso, sugerimos que você procure esgotar todas as tentativas de diálogo a fim de estabelecer uma relação de parceria com a referida instituição, ajudando-a a entender que o lugar de sua filha é a escola e que ela pode, sim, participar e aprender. Esperamos que as referências indicadas aqui possam servir como subsídio neste sentido.
Se, no entanto, as tentativas de diálogo com a escola se esgotarem, uma alternativa é contatar a área de educação inclusiva da Secretaria de Educação do município e, oportunamente, o Ministério Público, exigindo os direitos de sua filha. Lembrando que o direito à educação inclusiva não se restringe ao acesso (matrícula e presença), compreendendo também o desenvolvimento de suas potencialidades para a plena participação em igualdade de condições, com dignidade.
Esperamos ter ajudado.
Conte-nos mais sobre isso e continue participando da comunidade. Você e sua família são muito bem-vindos aqui.
Raquel Paganelli Antun – Equipe DIVERSA