A Escola Estadual Roldão Lopes de Barros se localiza no bairro Jardim da Glória, em São Paulo (SP) e atende cerca de 870 estudantes em três períodos. De manhã, são recebidos 541 alunos do ensino médio e, de tarde, 164 do ensino fundamental II. No período noturno, a unidade oferece educação de jovens e adultos (EJA) e um curso vestibulinho da ETEC Getúlio Vargas.
Há anos, os professores e coordenadores trabalham com uma metodologia de projetos, na qual uma série de ações interdisciplinares são planejadas a partir da constatação de problemas específicos de nossa realidade. Após percebemos a necessidade de melhorar o relacionamento de uma turma do 6º ano, eu e a mediadora da unidade decidimos organizar um projeto de estudo de gêneros textuais em língua portuguesa e em Língua Brasileira de Sinais (Libras), intitulado “A emoção através da Libras”. Os docentes das disciplinas de história, artes, geografia e ciências também participaram das atividades, que tiveram como enfoque a questão da cultura africana e afro-brasileira.
A turma em questão contava com 35 estudantes e 8 deles são surdos ou possuem algum grau de deficiência auditiva. Estes e outros seis alunos com deficiência da escola recebiam atendimento educacional especializado (AEE) no contraturno das aulas, sob minha supervisão, como professora da sala de recursos.
Cultura afro-brasileira e interdisciplinaridade
As atividades do projeto aconteceram na sala do AEE, nos horários regulares das aulas de português. Assim, as crianças ouvintes puderam conhecer o espaço que seus colegas com deficiência frequentavam no contraturno e tiveram contato com recursos de tecnologia assistiva que também os beneficiaram. As aulas das outras disciplinas foram ministradas pelos respectivos docentes, na sala da turma, com auxílio da interpretação em Libras feita por mim.
Em nossa primeira conversa, eu e a professora de língua portuguesa informamos ao grupo a proposta do “A emoção através da Libras”. Após essa introdução, começamos a aprender, juntos, os sinais do alfabeto e dos números. Enquanto eles gesticulavam, explicamos o que era a Língua Brasileira de Sinais, o que era deficiência auditiva etc. Depois, eles foram divididos em grupos para pesquisar informações sobre o Dia do Surdo e o significado da fita azul, usada como símbolo da data.
Na terceira etapa, iniciamos o estudo dos gêneros textuais. Em uma aula de ciências, os estudantes confeccionaram um filtro a partir de garrafas de plástico e realizaram experimentos sobre ciclo da água e filtração. O docente os orientou na montagem dos objetos e na elaboração de relatórios. Durante as atividades, aprendemos o vocabulário correspondente ao tema em Libras. Assim, alunos com e sem deficiência puderam dialogar nas duas línguas antes de redigir o texto. Com as produções em mãos, eu e a professora de português mostramos as diferenças entre as duas línguas e apontamos correções.
Em seguida, iniciamos o estudo da narração. Optamos por trabalhar a cultura afro-brasileira, contando a história das bonecas abayomis para a classe, em português e em Libras. Para distrair seus filhos durante o transporte de escravos entre a África e o Brasil, muitas mulheres negras confeccionavam esses brinquedos, a partir de retalhos de pano de suas próprias roupas. Com isso, essas bonecas se tornaram uma espécie de símbolo de resistência. Após a leitura, as crianças criaram pequenos livros com pedaços de EVA, mostrando o que haviam entendido.
Os assuntos tratados durante essa aula levantaram dúvidas que foram exploradas, também, em outras disciplinas. Em história, a docente traçou uma linha do tempo da escravidão no Brasil e falou sobre os navios negreiros. A questão da procedência dos povos escravizados foi tratada nas aulas de geografia, com pesquisas baseadas no mapa dos continentes americano e africano. Aproveitamos também a proximidade do mês da Consciência Negra para falar de preconceito e discriminação.
Cada estudante montou sua própria boneca abayomis com retalhos de pano e camisetas velhas trazidas de casa e, depois, criou uma narrativa para sua criação. Apesar dos brinquedos serem individuais, as crianças trabalharam em grupo e se ajudaram no manuseio dos materiais e na elaboração das histórias. O projeto “A emoção através da Libras” foi finalizado com uma apresentação de coral em Libras da música “Alegria”, da cantora Ivete Sangalo, durante a Feira Cultural da Escola.
Avaliação das atividades
Ao longo de quatro meses, todos os estudantes da turma tiveram seu próprio caderno de Libras. Quando havia dúvidas sobre um determinado sinal, realizamos consultas a dicionários, consultamos a internet e decidimos, em conjunto, o gesto mais apropriado. Na internet, busquei apoio de grupos de interlocutores e de intérpretes que muito me auxiliaram.
Quando iniciamos as atividades com as bonecas, muitos alunos, logo de cara, as associaram a bonecos de bruxaria ou vudu, o que demonstra como o senso comum sobre elementos da cultura afro-brasileira está repleto de esteriótipos e preconceitos. Porém, depois de nos aprofundarmos no tema, eles passaram a entender como esses brinquedos alegravam as crianças a bordo dos navios de escravos.
Acredito que o projeto ajudou a melhorar o comportamento da turma. Ao levar a língua de sinais para todos, criamos a possibilidade de estreitar os laços de cooperação e amizade entre crianças ouvintes e com deficiência auditiva. Todos saíram ganhando.
Com o término do ano, muitos estudantes – e até mesmo pais de alunos ouvintes – me procuraram para questionar se o ensino de Libras para todos continuaria. Nossa intenção é expandir iniciativas de aprendizado bilíngue, incorporando essas e outras ações ao projeto político pedagógico (PPP) da Escola Estadual Professor Roldão Lopes de Barros.