Formação interna no ensino médio incentiva busca por práticas inclusivas

Quando o assunto era inclusão, a ausência de informações sobre como lidar com estudantes com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades/superdotação em sala de aula era o principal obstáculo enfrentado por nossos professores na Escola Estadual Ana de Carvalho Silveira. A unidade foi desafiada a refletir sobre quais aspectos facilitavam e quais dificultavam a criação de uma cultura inclusiva durante sua participação no curso Ensino Médio Inclusivo (EMI), promovido pelo Instituto Rodrigo Mendes (IRM). Diante da constatação de que nossos educadores se sentiam inseguros para atender o público-alvo da educação especial, decidimos desenvolver um projeto de formação interna em educação inclusiva que envolveu toda equipe docente e demais profissionais.

A Escola Estadual Ana de Carvalho Silveira está localizada em um bairro de classe média alta de Belo Horizonte (MG) e atende os anos finais do ensino fundamental e o ensino médio. Como grande parte das famílias do entorno prefere matricular seus filhos em instituições particulares, a unidade, em geral, recebe adolescentes de regiões mais distantes da cidade. Por estamos próximos a uma grande avenida, há facilidade de transporte para vários locais da capital mineira.

Na época de realização do projeto de formação interna, estavam matriculados na escola aproximadamente 400 alunos; sete deles com alguma deficiência. A equipe era formada tanto por docentes mais experientes quanto por outros em início de carreira. Um grupo bastante heterogêneo e ao mesmo tempo comprometido com a educação, mas que por falta de informação, encontrava dificuldades em lidar com seus estudantes com deficiência em sala de aula. Nosso objetivo era mudar aquela realidade.

 

Objetivos da iniciativa e apoio da gestão

O pontapé inicial do projeto foi observar as relações em sala de aula, questionando o porquê de algumas práticas. Percebemos que os professores e colegas de classe tratavam os adolescentes com deficiência com um certo excesso de “proteção” e que isso acontecia por não saberem como fazer diferente. Quando falamos em deficiência, é comum que muitos pensem em pessoas extremamente frágeis e que, por isso, necessitam receber tratamento especial. Decidimos, então, que nosso foco seria mostrar que todos têm limitações e habilidades e que devemos valorizar cada um por suas características e potencialidades.

Em seguida, realizamos uma reunião com a gestão escolar e com a equipe pedagógica. Falamos sobre a valorização das diferenças e, principalmente, sobre a capacidade de desenvolvimento de todas as pessoas. Explicitamos também como a escola é fundamental para exercitar nos indivíduos o respeito ao outro, aos seus limites e ao tempo de cada um no processo de aprendizagem. Por fim, recebemos o apoio que pretendíamos para prosseguir com a iniciativa e partimos para a etapa seguinte: os encontros com os educadores.

 

Formação interna em educação inclusiva

A primeira formação interna em educação inclusiva da Escola Estadual Ana de Carvalho Silveira aconteceu em uma manhã muito proveitosa. Nesse dia estavam presentes cerca de 40 pessoas entre as integrantes do grupo participante do EMI, supervisores, bibliotecários, profissionais de apoio e docentes do atendimento educacional especializado (AEE) e de sala de aula comum. Começamos o encontro com a reprodução de um pequeno vídeo sobre o que é uma escola inclusiva e em seguida falamos sobre legislação, evolução da educação inclusiva e papel de cada profissional no processo de inclusão. Foi interessante observar como muitos nunca haviam tido contato com aquilo que expusemos.

No segundo encontro, realizamos uma pequena aula ministrada pela acadêmica de medicina, Thaís Salles, sobre choque hipovolêmico. Nossa proposta era mostrar aos professores como é importante que o processo de aprendizagem parta de uma linguagem mais próxima do adolescente e de sua vivência. Na primeira parte da apresentação, Thaís usou apenas termos técnicos e específicos da área médica, o que gerou desinteresse e pouca compreensão. Nesse momento, fizemos uma intervenção para levar o grupo a refletir sobre como o estudante se sente em uma aula na qual ele não encontra relações significativas. Depois, falamos sobre os alunos com deficiência intelectual, que podem ser excluídos das aulas, mesmo estando em sala, por não conseguirem sequer compreender o que é dito. Por fim, a convidada reapresentou sua aula usando dessa vez uma linguagem simples e compatível com a formação e realidade dos educadores. Foi uma grande surpresa para eles perceber a enorme diferença entre as duas formas de apresentar um mesmo assunto.

Em seguida, levamos os docentes para a quadra, onde participaram de brincadeiras em que simulavam alguma deficiência e de uma atividade que propunha descobrir objetos apenas pelo tato. Nosso objetivo com essas dinâmicas era quebrar paradigmas sobre o potencial das pessoas com deficiência. Ficou claro para o grupo que é possível desenvolver atividades para que todos participem juntos.

A proposta do terceiro e último encontro da nossa formação interna foi discutir flexibilizações curriculares. Os professores foram divididos em grupos de disciplinas afins e foram orientados a elaborar um plano de aula para uma turma diversa, considerando a presença de estudantes sem deficiência, com deficiência visual, auditiva, intelectual e física. A principal instrução era não excluir ninguém. Essa atividade foi importante para mostrar como o trabalho coletivo entre os docentes de aula regular, de apoio e do atendimento educacional especializado (AEE) pode levar à criação de estratégias pedagógicas acessíveis para todos.

 

Aprendizados do projeto

Nos primeiros momentos do projeto, muitos professores revelaram que não consideravam os alunos com deficiência enquanto seus, mas como educandos dos profissionais de apoio. Era consenso a ideia de que eles não precisavam ser avaliados. Acredito que conseguimos mudar a atitude dos docentes e despertar um novo olhar sobre o processo de ensino e aprendizagem na perspectiva da educação inclusiva, rompendo com esses velhos paradigmas.

Estamos confiantes de que os docentes, juntamente com a equipe gestora e pedagógica, darão continuidade à formação interna e continuarão buscando novas capacitações através da Secretaria de Educação. Certamente, a jornada para uma melhor prática da educação inclusiva ainda tem muitos obstáculos a serem superados, mas, também acreditamos que, com empenho, determinação e comprometimento é possível construí-la. Uma mudança tão significativa nas práticas de sala de aula necessita de momentos nos quais os professores possam trocar experiências bem-sucedidas e, também, seus fracassos, a fim de servirem de degraus para que alcancem seus objetivos.

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Este relato de experiência é fruto da participação das autoras na edição 2016 do Ensino médio inclusivo Site externo – formação oferecida pelo Instituto Rodrigo Mendes e pelo Instituto Unibanco, com objetivo de apoiar equipes multidisciplinares das redes de educação no planejamento de políticas públicas para a garantia de acesso, permanência e aprendizagem dos estudantes público-alvo da educação especial.

 

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