Escola acolhe famílias de alunos com deficiência em oficinas corporais

A Escola Municipal de Educação Básica Ministro Marcos Freire, em Cuiabá (MT), atende cerca de 850 estudantes da educação infantil e do ensino fundamental I, nos períodos da manhã e tarde. A unidade se localiza no bairro Jardim dos Ipês, ao sul da capital mato-grossense – região de classe média-baixa formada, sobretudo, por famílias de profissionais autônomos como feirantes, manicures, eletricistas, cabeleireiras, diaristas, caminhoneiros e funcionários públicos. Não há rede de esgoto e, por isso, as casas contam apenas com fossas individuais.

Em virtude dessas características econômicas, muitas pessoas de outras cidades se estabelecem temporariamente no bairro, até partirem em busca de outras oportunidades de trabalho. Por isso, uma particularidade da comunidade é seu perfil heterogêneo. Na escola, esse movimento se traduz em uma necessidade constante de acompanhar de perto os alunos oriundos das demais áreas da capital ou de outras cidades. As transferências chegam a 50 por ano.

Nosso projeto político-pedagógico (PPP) contempla princípios de teóricos como Paulo Freire, Jussara Hoffman e Matthew Lipman e determina uma metodologia de ensino interdisciplinar, com ênfase na construção coletiva do conhecimento. Acreditamos que os processos de ensino e aprendizagem devem ocorrer pela atitude crítica e reflexiva das crianças, das professoras e professores e da comunidade. Por isso, o currículo é aberto e construído em conjunto com a prática, o que permite que os estudantes aprendam a pensar, a fazer e a agir.

 

Envolvimento das famílias

Promover a participação efetiva dos familiares na vida escolar de seus filhos é um desafio constante para os educadores da Ministro Marcos Freire. Na comunidade, mães, pais e avós costumam ficar ausentes de casa por longos períodos do dia, seja trabalhando ou à procura de oportunidades de emprego. Ademais, o baixo grau de escolaridade dos responsáveis, muitas vezes, dificulta o acompanhamento da vida escolar dos alunos.

Diante disso, realizamos reuniões bimestrais específicas para orientar as famílias. Nesses momentos, os docentes apresentam sugestões didáticas sobre como ajudar com as tarefas de casa e sobre a importância de valorizar as realizações das crianças. Exposições, mostras pedagógicas, gincanas, festas comemorativas e outros eventos são promovidos com a finalidade de nos aproximarmos ainda mais da comunidade; o trato cuidadoso desse intercâmbio só pode melhorar o aprendizado e a autoestima dos estudantes.

Essas estratégias, contudo, não se mostraram suficientes para envolver a família de alguns de nossos alunos com deficiência. No ano da execução do projeto, a escola atendia cerca de 15 crianças com algum tipo de deficiência. Transtorno do espectro autista (TEA), síndromes de Down e de Turner, Transtorno Opositor Desafiador (TOD), deficiência física com e sem uso de prótese no quadril e deficiência intelectual eram as especificidades presentes no ambiente escolar.

Como caminho possível para superar essa barreira, decidimos implementar o projeto Abraço, com a proposta de ajudar as famílias das crianças com deficiência a enxergar as potencialidades e possibilidades de aprendizado de seus filhos, aproximando-as do ambiente escolar.

 

Aproximação pela corporeidade

O projeto Abraço foi desenvolvido dentro da área de educação física e envolveu mães, pais, avós e estudantes em oficinas de desenho, movimento, modelagem, massagem e esporte. As atividades foram escolhidas por permitirem uma aproximação afetiva, cognitiva e motora entre os participantes por meio de toques, olhares e releituras do próprio corpo e do corpo do outro. O projeto aconteceu em quatro etapas:

• Desenho e movimento: no primeiro encontro, reunimos os alunos com deficiência e seus familiares para uma atividade de sensibilização. Para começar, incentivamos os responsáveis a falarem sobre as habilidades e competências que seus filhos demonstravam no cotidiano, para que eles identificassem múltiplas inteligências e potencialidades. Depois, crianças e adultos desenharam uns aos outros ao som da música “Aquarela”. Durante a atividade, eles se olharam, riram e interagiram em um clima muito agradável, estreitando seus laços afetivos pela compartilha de conhecimentos em uma perspectiva estética.

Em seguida, houve uma oficina de movimento. Cada família se posicionou dentro de um círculo de elástico e, mantendo-o sempre tensionado, realizou movimentos em conjunto ao som de canções populares. Nesse momento, eles puderam interagir com a corporeidade do outro e sentir os diferentes ritmos de cada um.

• Modelagem com argila: a oficina “Meu corpo é assim: a história do meu corpo” foi aplicada no segundo encontro. Em uma sala de aula vazia, demos uma porção de argila para cada um dos participantes, os quais estavam sentados à frente de uma mesa forrada com jornal. Pais e filhos foram desafiados a modelarem a si mesmos a partir das impressões pessoais de seu corpo e história de vida. Empolgados, muitos acabaram por confeccionar esculturas dos membros da família que não estavam presentes.

Com os moldes em mãos, cada um explicou como se deu seu processo criativo. Os familiares se abriram sobre o modo como lidam com as barreiras no dia a dia. Uma mãe, por exemplo, se modelou com uma grande bolsa, enfatizando a necessidade de andar com laudos médicos e outros documentos para garantir os direitos do filho. Já os alunos destacaram como os comportamento dos parentes impactam a construção de sua autoimagem e autoestima.

• Toque: durante o Dia da Família na escola, evento já tradicional na Ministro Marcos Freire, toda comunidade pôde participar do Abraço. Na ocasião, forramos o chão de uma sala de aula com colchonetes e oferecemos uma oficina de toque e sensibilização para cerca de 400 pessoas ao longo de um dia. Durante sessões de 20 minutos, os participantes se dividiram em duplas, em geral entre familiares, e foram instruídos a tocar e relaxar diante do toque do outro em pontos do corpo indicados pela professora de educação física.

• Esporte e aventura: há oito anos, realizamos as Olimpíadas da escola. No ano anterior, após mergulharmos de vez no desafio da inclusão, reestruturamos os jogos em parceria com acadêmicos da Faculdade Cuiabá (FAUC) para que pudessem ser praticados por todos. Desse modo, decidimos realizar o encerramento do projeto durante a segunda versão inclusiva das OlimFreire. Fizeram parte dos jogos atividades de aventura como slackline, falsa baiana, ponte de cordas, tirolesa, corrida de toras, entre outras. As crianças com deficiência participaram de todas as modalidades em conjunto com todos os estudantes.

Ao longo dos meses de planejamento e desenvolvimento do projeto Abraço, o maior desafio foi criar ambientes e situações favoráveis para que as famílias se sentissem acolhidos na escola e confortáveis para expressar seus sentimentos. Para os próximos anos, temos a intenção de incorporar o projeto ao nosso PPP.

Projeto participante do Portas Abertas para a Inclusão 2015.

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