Educadoras mudam postura para incluir criança com autismo

O Centro Educacional Unificado Professora Marta Josete Impaléa está localizado no município de Cubatão (SP) e recebe estudantes na faixa etária de 0 a 5 anos. A educação infantil II, que atende crianças de 4 e 5 anos, conta com três classes para cada idade. A escola atende meninas e meninos que vêm de diferentes regiões da cidade e, apesar de ser uma unidade de educação integral, não oferece práticas diversificadas. A rotina é pautada basicamente em atividades de sala de aula e de parque.

O prédio conta com três andares, os quais são acessados via rampas. As salas localizam-se no primeiro e segundo pisos. No térreo estão o refeitório, a quadra, o parque e a área administrativa. A escola tem cerca de 145 funcionários somados educadores, administrativos, manutenção e alimentação.

 

O estudo de caso

Micael Bernardo Batista, de 5 anos, é um dos 455 estudantes da unidade. Ele apresentava comportamentos agressivos, compulsão alimentar, dificuldade em aceitar ordens, dificuldade na realização de atividades pedagógicas sistematizadas entre outras características que obstavam sua aceitação em uma sociedade que estabelece uma clara divisão entre comportamentos adequados e não-adequados. O aluno chegou à unidade com um laudo de transtorno do espectro autista (TEA).

Mas, espere! Você que está lendo, favor esqueça o parágrafo anterior.

Na verdade, Micael era uma criança que estava descobrindo as possibilidades do mundo e, nesses encontros, testava as coisas e as pessoas. Ao tentar comunicar-se, muitas vezes não era compreendido, gerando ansiedade entre ele e seus interlocutores. Seus movimentos corporais eram bruscos, pois ele era um menino grande. Às vezes um simples aperto virava um apertão. Quando não conseguia se fazer entender, acabava por demonstrar isso fisicamente, o que ocasionava alguns episódios em que usava a força.

Diante desse contexto, acreditamos que ele e a família se beneficiariam de orientações médicas e terapêuticas, o que já havia sido solicitado para a mãe do garoto em diversas ocasiões. Não havia como atender Micael de forma plena sem uma parceria entre família, escola e profissionais da saúde.

 

Os encontros no DIVERSA presencial

No decorrer do ano letivo, com o auxílio dos encontros do DIVERSA presencial, começamos a mudar o foco do atendimento ao Micael. Com base no livro “As três perguntas”, de Jon J. Muth – o qual traz conceitos como: o mais importante é quem está a seu lado; o momento importante é o agora; a coisa certa a se fazer é o bem a quem está a seu lado – elaboramos os seguintes quadros para apoiar nossa reflexão sobre o desenvolvimento do estudante:

 

Alimentação
 Problema   Compulsão por comer, alimentava-se rápido e em grande quantidade
 Ação   Oferecer porções menores
 Reação   Após uma semana, começou a aceitar o alimento fracionado
 Avaliação   A conduta foi incorporada à rotina da alimentação, diminuindo a compulsão

 

Comportamento
 Problema   Agressão sem motivo aparente
 Ação   Retirá-lo do ambiente logo após a ocorrência

Comunicar os funcionários que trabalham com ele para terem a mesma conduta

Esperar acalmar para dar novo comando

Elogiar quando apresentar boa conduta

Dar estímulos positivo ou negativo no momento da ação

Dar ordens simples, uma de cada vez

 Reação   Não aceitou, relutou para não ficar afastado do grupo

Diminuiu os episódios de agressividade com adultos

Diminuiu gradativamente a agressividade com os colegas

 Avaliação   As estratégias continuaram a ser aplicadas

 

Saúde
 Problema   Desarranjos intestinais e dificuldade para participar das atividades coletivas
 Ação   Orientar a família a levá-lo ao serviço médico

Observá-lo durante a alimentação

Suspender o consumo de bebidas lácteas na escola

 Reação   Aceitou a substituição da bebida láctea por suco

Apresentou melhora no funcionamento fisiológico

 Avaliação   Para esta situação foi muito importante a ação familiar

 

Hora do parque
 Problema   Riscos iminentes quando brincava no parque
 Ação   Dar preferência para o uso de brinquedos menores e bolas

Conscientizar os demais alunos a não “mexer” ou provocar Micael

Manter as mãos para traz quando correr

 Reação   Percebeu que se machucava menos, tanto ele como os colegas
 Avaliação   Aumentou a interação com os colegas

Tem prazer em estar no parque

 

Atividades
 Problema   Dificuldade para executar as atividades dirigidas
 Ação   Separar em um cesto os brinquedos e oferecer logo que terminar a atividade
 Reação   Recusou guardar os brinquedos para iniciar outra atividade

Tentou agredir

 Avaliação   Demonstrou menos ansiedade e irritabilidade

Continuamos observando para reconsiderar as estratégias

 

Banho e sono
 Problema   Agitação na hora do descanso
 Ação   O horário do banho foi transferido para antes do sono
 Reação   O banho o ajudou a relaxar

Quando chega na sala, os colegas já estão acomodados

 Avaliação   Diminuiu a agitação que antecedia o sono

Demonstra maior tranquilidade

 

Linguagem oral
 Problema   Dificuldade quanto à linguagem oral
 Ação   Estimular a pronúncia correta

Esperar ele terminar de falar as palavras

Fazer encaminhamento ao fonoaudiólogo

 Reação   Tentou falar mais pausadamente

Melhorou a pronúncia das palavras

Não houve retorno sobre o atendimento de fonoaudiologia

 Avaliação   Continuar as intervenções junto à família

Continuar o estímulo à linguagem, aguardando que termine as palavras

 

Família e escola
 Problema   Comunicação não-satisfatória com a família de Micael
 Ação   Elencar um interlocutor da escola para falar com a mãe

Aderir à agenda do infantil I para comunicação com a família

 Reação   Aceitou a nova conduta da família
 Avaliação   Em avaliação

Durante esse processo, acreditamos que não só o estudante, mas também nós, seus educadores, crescemos. O trabalho instaurado visou a mudança de atitudes dos agentes que estavam envolvidos no cotidiano escolar. Mudando a forma de se relacionar foi possível conquistar avanços.

Muitos gostariam de ouvir que hoje o Micael é um menino totalmente “transformado” e está como o padrão escolar deseja. Mas isso não é verdade. Afinal, somos únicos e é isso que nos caracteriza como seres humanos. Foram muitas conquistas que, justamente por não caminharem no sentido da homogeneização, desanimam alguns educadores e revigoram outros. E é nestes colegas que sentimos o apoio necessário para continuar no caminho inclusivo. Pensando nas falas da mediadora do DIVERSA presencial, Patrícia Brito: nós precisamos de ideologia, pois é isso que nos faz caminhar.

 

O futuro

Para a próxima jornada escolar será sugerido à família de Micael uma unidade de período parcial, em um espaço físico menor. Além disso, reforçaremos a necessidade de terapias no âmbito da saúde.

Considerando que ele estará no 1º ano do ensino fundamental, onde o foco é a questão da alfabetização, será importante informar aos educadores responsáveis por essa nova etapa de sua escolarização que é preciso respeitar suas diferentes formas de descobrir e se expressar no mundo.

Por que ser DIVERSA vai além de querer compreender a pessoa com deficiência no processo de inclusão escolar. Ser DIVERSA é tentar compreender cada ser humano num mundo repleto de peculiaridades.

Projeto participante do DIVERSA presencial.

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