Capoeira no contraturno escolar encoraja alunos com e sem deficiência

É muito significativo quando a proposta de uma nova atividade parte dos próprios estudantes. Vi isso acontecer na Escola Municipal Antônio Heráclio do Rego, em Recife (PE), onde trabalho como professora do atendimento educacional especializado (AEE). Lá, o aluno Fernando, que tem deficiência física e usa cadeira de rodas, propôs uma parceria com o grupo de capoeira “Perna Pesada” para trabalhar a inclusão por meio de atividades físicas e culturais.

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Tempos antes, Fernando havia comentado que participava do grupo e que tinha vontade de mostrar o trabalho na escola. À época, a unidade atendia 360 alunos do ensino fundamental II e participava do projeto Portas abertas para inclusão, do Instituto Rodrigo Mendes (IRM). Apesar de funcionar em tempo integral, a instituição não oferecia atividades esportivas no contraturno das aulas.

Convidei Fernando, então, para propor uma atividade física inclusiva junto ao seu grupo de capoeira justamente no período contrário ao regular. O objetivo seria desenvolver a musicalidade, a autoestima e a coordenação motora de nossos alunos com e sem deficiência, por meio da luta, do canto e da percussão relacionadas à matriz afro-brasileira.

Desmistificar a capoeira

Um dos principais envolvidos na realização do projeto foi o professor de educação física, mas não só ele. Participaram, também, o mestre de capoeira convidado, outros dois docentes do AEE, professores da sala de aula comum, coordenadores pedagógicos, outros funcionários da escola e os familiares dos estudantes. A proposta se voltou a alunos do 6º ao 9º ano. Foram realizadas as seguintes ações: rodas de capoeira com apoio do grupo Perna Pesada e divulgação, inscrição e realização de uma palestra sobre o jogo para os estudantes.

Um estudante com deficiência física está sentado em uma cadeira de rodas e é mostrado de perfil tocando um pandeiro. Ao seu redor, alunos jogam capoeira. Todos vestem roupas brancas.
Além de jogar, Fernando toca pandeiro e canta. Foto: Pat Albuquerque.

Inicialmente, tivemos que desmitificar a capoeira. A prática ainda era vista por muitos familiares e alunos como uma manifestação cultural com significações negativas ou perigosas. Para tanto, fizemos uma primeira roda para testar a aceitação dos estudantes. Depois, realizamos uma palestra sobre a história da luta, de seus movimentos, de sua musicalidade e de sua importância para o desenvolvimento social, físico e mental dos jogadores.

Como a quadra coberta estava desativada por problemas de infraestrutura, realizamos essa conversa instrutiva no pátio. O espaço era pequeno e, então, decidimos abrir inscrições e limitar a participação a 40 vagas. Ao final, os alunos puderam curtir o batuque e o gingado.

Adesão de 95% dos estudantes

Num terceiro momento, iniciamos oficialmente os encontros nos quais as rodas de capoeira aconteciam. Fernando impressionou os amigos com sua desenvoltura, jogando sentado na cadeira de rodas e realizando movimentos diretamente no chão de forma autônoma. O aluno acabou motivando aqueles que estavam acanhados em arriscar movimentações com o mestre Márcio.

Quando o receio permanecia, era possível flexibilizar. Quem quisesse, por exemplo, podia praticar apenas o canto e bater palmas, ajudando no coro. Alguns ainda experimentaram tocar o atabaque (tambor alto) e o pandeiro.

Mão toca o instrumento atabaque (tambor alto), enquanto crianças jogam capoeira ao fundo.
Junto ao pandeiro, o atabaque dá ritmo aos cantos da capoeira. Foto: Pat Albuquerque.

A atividade atraiu 97 estudantes, ou seja, 95% dos matriculados no período integral. Por meio dela, percebemos que conseguimos despertar um sentimento de pertencimento em Fernando, sensibilizando toda a comunidade escolar para a inclusão e para a diversidade cultural. Além disso, observamos o aumento da autoestima dos alunos com deficiência e a consequente redução do número de faltas.

Para os próximos anos do projeto, queremos conquistar os 5% dos alunos que ainda não frequentam as rodas e nos empenhar para envolver muitos mais os familiares.

Projeto participante do curso Portas abertas para a inclusão. Esta experiência faz parte da Coletânea de práticas 2016.

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