Samuel está na universidade, e ele tem Síndrome de Down

“Nunca recebemos um estudante com deficiência intelectual, mas vamos dar um jeito e aprender juntos!”, afirmou a diretora da escola no dia em que Samuel foi matriculado na educação infantil. Atitude de acolhimento e aposta. Após concluir o ensino fundamental e o médio nessa instituição, sem nunca ter repetido um ano, Samuel decidiu prestar vestibular e foi aprovado na PUC e no Mackenzie, em São Paulo (SP). Hoje, aos 18 anos de idade, cursa uma faculdade de pedagogia e segue firme na busca de seu sonho de se tornar um professor. A história desse jovem, que tem Síndrome de Down, precisa ser reverberada pela enorme contribuição com a ruptura de visões limitadas e preconceituosas sobre o tema. Torna-se ainda mais oportuna por hoje ser o Dia Internacional dessa síndrome.

Alguns devem julgar que ele frequentou uma escola especializada em atender estudantes semelhantes a ele, com algum tipo de amparo diferenciado para pessoa. Ou imaginar que se trata de um caso sui generis. As duas hipóteses estão longe da realidade. A escola é comum e casos como o de Samuel crescem a cada dia, ainda que não na velocidade que gostaríamos.

A aposta nos alunos com Síndrome de Down

A escola que Samuel frequentou é como todas deveriam ser. Por não segregar estudantes em virtude de algum tipo de especificidade. Por ter saído da inércia de reproduzir um modelo homogeneizador de ensino, que se fundamenta na crença de que todos aprendem da mesma forma, no mesmo estilo, na mesma passada. Por partir da premissa de que é responsabilidade da escola se transformar, visando ser competente no atendimento da diversidade inerente a qualquer agrupamento humano e, assim, cumprir seu papel social. Por apostar continuamente no potencial de Samuel, se desprendendo do cômodo olhar direcionado ao déficit, ou da armadilha da abordagem “café com leite”. Por se libertar de regras herdadas do passado e se permitir rever volumes e repetições, sem abrir mão da essência daquilo que se almeja ensinar. Por se esforçar na contextualização dos conteúdos explorados em sala de aula. Por abrir suas portas e estabelecer um diálogo honesto com os pais dos alunos.

Milhares de crianças nascem com Síndrome de Down todos os anos. Acompanhadas do amor de seus pais, emergem também angústias. Que apoios serão necessários? A quem recorrer? Quais serão as perspectivas futuras? As respostas vão sendo encontradas aos poucos, desde que a família não desista de apostar nas melhores expectativas e esteja atenta às habilidades dos filhos. Não ter expectativa nenhuma é um desastre. Amem essas crianças, brinquem com elas, participem de sua vida escolar, inundem-nas de autoestima e confiança para que alcancem o seu melhor. Atentem-se aos ambientes de convívio, como a escola, que podem propiciar mais ou menos barreiras ao desenvolvimento e aprendizagem delas.

Samuel vai ser professor. Uma exceção isolada? Não mais. As estatísticas de universitários ou graduados com impedimentos de natureza intelectual crescem a cada ano. Elas são frutos do acesso à rede regular de ensino e, fundamentalmente, de parcerias entre pais e educadores pautados pela busca de condições favoráveis para que barreiras sejam destituídas e a autonomia, construída. O segredo, já não tão secreto assim? Altas expectativas para a escola, para o trabalho, para a vida. Educação boa é educação para todos.

 

Ana Lúcia Villela, fundadora e presidente do Alana, organização sem fins lucrativos cuja missão é honrar a criança. Membro da rede de empreendedores sociais da Ashoka Fellow. Formada em pedagogia, com mestrado em psicologia da educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-USP) e Conselheira de instituições do terceiro setor como Conectas Direitos Humanos, Itaú Cultural, Akatu e Instituto Brincante.

Rodrigo Hübner Mendes é fundador do Instituto Rodrigo Mendes, organização que desenvolve programas de educação inclusiva. É mestre em administração pela Fundação Getulio Vargas (EAESP), membro do Young Global Leaders (Fórum Econômico Mundial) e Empreendedor Social Ashoka.

Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo em 21/03/2018.

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