Projetos educacionais inclusivos como formação plural para educadores

Em 2013, o Instituto Rodrigo Mendes (IRM) em parceria com Instituto Camargo Corrêa (ICC), desenvolve o Projeto de Monitoramento de Projetos em Educação Inclusiva em 10 municípios brasileiros. Este projeto é continuidade do processo de formação que ocorreu nessas cidades em 2012, idealizado para suprir a demanda de acompanhamento de projetos a serem implementados, visando a melhoria da qualidade da Educação para os alunos com e sem deficiência nestas redes municipais.

Os municípios participantes são: Alagoa Nova, Guarabira, Ingá e Mogeiro, da Paraíba; Guajará-Mirim, de Rondônia; Ijaci, Pedro Leopoldo e Santana do Paraíso, de Minas Gerais e Itaóca e Apiaí, de São Paulo.

O IRM construiu a seguinte metodologia para o desenvolvimento do projeto: as turmas de cada um dos grupos das unidades escolares foram compostos por gestores, professores e, caso houvesse, professores do atendimento educacional especializado (AEE). Primeiramente, os grupos precisaram elaborar o diagnóstico, refletindo coletivamente sobre as barreiras e facilitadores para implementação da educação inclusiva em sua escola ou Secretaria Municipal de Educação (SME), a partir das dimensões de política pública, gestão escolar, parcerias, estratégias pedagógicas e famílias. Esta fase foi primordial para que os protagonistas do projeto, os cursistas, pudessem analisar sua realidade educativa e priorizar a barreira a ser eliminada ou minimizada neste projeto de curto prazo. O objetivo proposto tinha que ser viável dentro do tempo previsto e exequível pela equipe. Portanto, as estratégias adotadas, assim como seus indicadores, estão atrelados a um cronograma de execução.

Considerando que em boa parte das escolas das redes municipais em formação não havia conexão de internet e aonde havia o sinal era lento e inconstante, a inclusão digital tornou-se um grande desafio, pois utilizamos uma plataforma digital e encontros remotos como instrumentos de diálogo no monitoramento dos projetos. As mais diversas soluções foram criadas para superarmos este impasse, que no primeiro momento parecia inviabilizar o projeto. Algumas SMEs trataram de organizar as agendas dos grupos para que os mesmos utilizassem a internet da própria Secretaria. Houve casos em que os participantes contaram com a colaboração da facilitadora que abriu sua casa para a realização dos encontros e vários outros arranjos movidos pela disponibilidade e comprometimento dos cursistas em realizar o projeto, como uma escola acolhendo outra, e até mesmo um colega recebendo outro em sua própria casa. Optou-se por uma ferramenta de comunicação via internet, de livre acesso e sem custos. No decorrer do projeto, um dos pontos trabalhados foi a familiarização com esse software até então desconhecido pela maioria. Além disso, foi necessário também a apresentação do ambiente virtual de ensino do programa Plural. Após o trabalho inicial de apresentação e treinamento, ambos tornaram-se aliados imprescindíveis para a sistematização das informações e reflexões sobre os encaminhamentos dos projetos.

Poder discutir quinzenalmente cada um dos avanços, as dificuldades enfrentadas, “cara a cara” com o consultor do IRM, criou um ambiente de cumplicidade e fraternidade que permitiu abordarmos com a franqueza e o respeito necessários para a viabilização das ações previstas. Outro aspecto interessante foi que, ao garantir a pausa necessária para o registro e reflexão sistemáticos, muitas vezes negligenciado em função do acúmulo de projetos e urgências do cotidiano escolar, os grupos (professores e gestores) têm percebido a importância da continuidade para a efetivação do trabalho idealizado.

Como já frisado, o fundamental desta proposta é que os projetos fossem elaborados a partir da realidade local, do olhar dos cursistas sobre o que deveria ser modificado para que a escola/rede oferecesse uma educação de qualidade. Nossa crença é que um projeto só será transformador se elaborado e implementado por aqueles que fazem a educação no cotidiano de cada um destes municípios (docentes, gestores, funcionários, alunos e pais).

Como não poderia deixar de ser, a variedade dos projetos reflete a também diversa realidade, organização, história… e fazeres singulares de cada educador/rede. Exemplificando, no caso do atendimento suplementar ou complementar: algumas redes contam com o apoio do Atendimento Educacional Especializado à inclusão dos alunos com deficiência, outras têm equipamentos de sala multifuncionais, mas ainda não foram implantadas, outras dependem exclusivamente de parcerias para o atendimento dos alunos com deficiência.

Portanto, interessantes projetos foram elaborados e com grande satisfação, destacamos que praticamente a totalidade deles está sendo efetivada nos municípios participantes.

Grande parte das cidades está desenvolvendo projetos na área de formação de docentes, principalmente visando minimizar a barreira da dificuldade dos educadores em trabalhar com grupos heterogêneos, uma vez que fomos criados sob o paradigma da homogeneização, levados a crer que bastaria uma só didática para que todos os alunos aprendessem o mesmo conteúdo, da mesma forma e ao mesmo tempo. Nestes projetos, mais do que a função de multiplicadores, os cursistas assumiram o papel de agentes transformadores da prática pedagógica necessária para atender a premissa maior da educação inclusiva, a saber: que “todos os alunos aprendem” e que “todo processo de aprendizagem é singular”. Pesquisar o uso de diferentes recursos, estratégias pedagógicas, incluindo variadas linguagens, processos de avaliação, assim como projetos significativos elaborados juntos aos alunos, são exemplos de trabalhos desenvolvidos cooperativamente entre os docentes das escolas/redes participantes. Estas discussões têm sido realizadas em espaços formativos, alguns já estabelecidos pelas redes como os Horários de Trabalho Pedagógico Coletivos (HTPCs) semanais ou mensais, em módulos individuais e/ou em espaços abertos especificamente para este fim.

Um aspecto extremamente rico destes percursos é que esta reflexão está invariavelmente atrelada à prática cotidiana, visando não apenas a inclusão dos alunos com deficiência, mas o aprendizado com qualidade de todos os estudantes da escola. Um dos indicadores vinculados a esta estratégia é a sistematização das discussões realizadas, de forma a documentar e subsidiar alterações nos projetos políticos-pedagógicos destas escolas.

A articulação da Educação Especial com o ensino regular, particularmente dos professores do Atendimento Educacional Especializado com os professores da sala regular, também é foco de promissores projetos para potencializar o aprendizado dos alunos com deficiência nas escolas públicas. A construção de portfólio dos estudantes, planejamentos e relatórios compartilhados, entre outros, são alguns dos caminhos arranjados para vencer as dificuldades postas pelos turnos contrários de trabalho dos docentes envolvidos.

A participação de várias escolas rurais revelam a importância da utilização de instrumentos remotos que permitem este processo formativo à distância e a composição de redes que dão luz a trabalhos pedagógicos realizados em comunidades bastante isoladas.  Durante a realização do projeto de monitoramento pudemos acompanhar em algumas delas, pesquisas na comunidade para elaboração do PPP, leitura de histórias das crianças em praças e nas casas para os moradores, o recebimento dos equipamentos para montagem de salas multifuncionais, notebooks para os alunos, jornal com o alfabeto em Libras para divulgar a comunicação de uma aluna surda, dentre outras ações que colocam a escola, a um só tempo, como espaço de congregação, ponto de cultura local e de transformação dos seus habitantes em cidadãos.

Praticamente em todos os municípios também há outros projetos que envolvem a comunidade escolar, buscando ampliar a participação dos pais na escola e fortalecer a política pública de garantia de direitos dos alunos com deficiência nas escolas regulares, combatendo o preconceito e a exclusão.

Na área de políticas públicas, projetos visando ampliar o ingresso de alunos com deficiência, hoje beneficiários do programa de Benefício de Prestação Continuada (BPC na escola), estão sendo implementados em parcerias com a Assistência Social, rede estadual e outras esferas dos serviços públicos e da sociedade civil. A participação ativa de cursistas em Conselhos Municipais de Educação, na elaboração de Planos Municipais de Educação, campanhas com divulgação do direito de matrícula das crianças e jovens com deficiência nas escolas públicas e reorganização das redes na perspectiva da educação inclusiva em municípios participantes são um alento nestes tempos de conchavos no senado para aprovação da segregação das pessoas com deficiência.

Enfim, em nossos encontros diários do projeto de monitoramento, educadores que de fato somos, temos demonstrado na prática, através de construções gradativas, que a inclusão é possível, mas também difícil, pois requer recursos humanos e físicos, disponibilidade e principalmente desejo em transformar nossa educação em uma educação pública de qualidade para todos: negros, brancos, quilombolas, com ou sem deficiência, de origem estrangeira, moradores de zonas rurais ou urbanas, abrigados, em situação de risco, adolescentes com ou sem blog… e não apenas para aqueles que têm dinheiro para garantir a “cidadania” dos seus filhos.

Acreditamos que a metodologia vivenciada durante a realização deste projeto possa ser apropriada das mais diferentes formas pelos cursistas, quer seja elaborando novos projetos que autonomamente serão monitorado pelos participantes da escola, quer seja compondo novas redes para compartilhar os trabalhos realizados, buscar informações e construir novos conhecimentos.


Regina Mercurio é consultora do Instituto Rodrigo Mendes, responsável pelos encontros virtuais do projeto de Monitoramento de Projetos sobre Educação Inclusiva. Atuou como professora da rede pública (urbana e rural) e da rede particular; é membro da Executiva do Fórum Permanente de Educação Inclusiva/FoPEI, 2003 a 2012, Delegada na Conferência Nacional de Educação etapa municipal e estadual de São Paulo, 2009; e nacional em 2010; Participante do LEPED – Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade da Faculdade de Educação da UNICAMP, 2001/2002.

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