Inclusão e os labirintos da educação

Já faz algum tempo que eu desconfio dos trajetos sem percalços. Da realização pessoal custe o que custar. Do sucesso a qualquer custo. Dos resultados, metas, indicadores e dos gráficos-pizza. Desconfio também dos objetivos sublimes e metas solenes. E desconfio mais ainda de qualquer projeto educacional cuja métrica seja meramente cumulativa ou comparativa. Que trate de pessoas como se fossem recipientes de um saber sempre suposto, porque nem na ciência mais avançada há verdades absolutas. Eu quero dizer que estamos historicamente nos utilizando de indicadores equivocados para avaliar as pessoas, na escola e também fora dela. E quero insistir que levar a educação inclusiva por esse caminho compete em um risco imponderável.

Por isso pretendo me tornar, em 2013, um pregador do uso do FIB (Felicidade Interna Bruta) ao invés do PIB (Produto Interno Bruto) como único critério cabível para os estudantes, principalmente as crianças, e para seus pais e professores também. Chega de tanto sequestro de felicidade em nome de “desempenho”. Estamos falando de pessoas, não de “economês”. Pode estar certo que muitos de nós não hesitem em adotar a terminologia do mercado até mesmo para avaliar a própria vida, mas não temos o direito de fazer isso a mais ninguém exceto a nós mesmos. Muito menos a nossos filhos ou alunos.

Eu digo isso porque precisamos lidar com os fracassos, conhecê-los em detalhe, e não fugir deles como o diabo foge da cruz. A impressão que tenho, muitas vezes, é de que estamos impregnados de critérios alienígenas, que sequer aos próprios alienígenas se prestam. Apesar disso, nos últimos anos não posso mais contar nos dedos as histórias de sucesso envolvendo as vidas de pessoas com deficiência sobre as quais tomei conhecimento. Falo aqui especialmente das pessoas com deficiência intelectual de quem se espera, inclusive, que não reportem traços de sua deficiência, num tipo de reconhecimento social bastante típico desta época.

A mensagem que temos deixado é de que é preciso que as crianças, as com deficiência ou qualquer outro tipo de dificuldade, superem as dificuldades, custe isso o que lhes custar. Nos portamos como seus credores, como se tivéssemos algum crédito em manter uma vida tão sem equilíbrio, uma sociedade tão pouco solidária e tão deslavadamente competitiva. Na verdade, não temos nenhum crédito. Gastamos todas as fichas mantendo a estrutura das coisas, os tais paradigmas e também as esferas de poder. Temos nossa culpa, mas não a admitiremos em público. Mais fácil é apontar o erro dos outros. Vamos assim, sem perceber que o erro é uma oportunidade e que, sem ele, não temos onde nos firmar.

Há alguns anos, em entrevista, o escritor italiano Umberto Eco declarou que toda a graça, para o caçador, consiste em ir a caça, não em observar a presa, abatida, definitivamente imóvel. Em nossa tendência de empacotar receitas fáceis e venais de felicidade e de decência, temos sido indecentes e infelizes ao imaginar que nossos filhos devam ser um prolongamento de nossa auto-imagem e que tudo que saia desse script seja erro e incorreção. Nossas instituições também são assim, valem-se da mesma ideologia. Lavam as mãos assim como nós lavamos as nossas. Sem culpa. Os erros são sempre alheios, mesmo quando refletem claramente que nossas opções não têm servido nem sequer a nós mesmos.

Eu temo por aqueles que afirmam terem encontrado a receita ideal (obviamente a única certa) de inclusão, de educação inclusiva, de respeito à diversidade e até mesmo de busca por igualdade. Não percebem que estão tocando como se numa escultura de areia que, por mais que possamos mantê-la intocada com o objetivo de contemplação, algo como o vento se encarregará de desmanchar, porque feita igualmente de uma concepção arbitrária, como a que tem pretensão de substituir. Nesse ciclo, haverão certamente novos casos de sucesso que voltarão a ganhar a mídia – por menos espetaculosos que pretendam ser – e tantos outros fracassos, que não serão sequer reportados.

A educação inclusiva está cheia de erros. E isso, ao invés de fracasso, é um incrível sinal de sucesso. Se tivéssemos de antemão uma educação infalível, nossos resultados – vistos periodicamente pela UNESCO e outros órgãos internacionais – seriam inteiramente outros. Não são. Guiar-se por este modelo, portanto, é como entrar num labirinto, mas sem novelo de lã. Ao invés de ir pelo mesmo caminho, com todos os seus erros e dificuldades, a educação inclusiva continua sendo a oportunidade que falta à educação como um todo em aprender com os erros, ao invés de simplesmente, ano após ano, replicá-los.


Lucio Carvalho é Coordenador-Geral da revista digital Inclusive – inclusão e cidadania e autor de Morphopolis.

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