Inclusão da pessoa com deficiência nas oportunidades de financiamento da USAID

Este artigo fornece os resultados e discute a metodologia da pesquisa realizada pelo Grupo de Trabalho da InterAction sobre como a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) pode melhorar suas comunicações para garantir a inclusão de pessoas com deficiência em seus programas.

A USAID – um dos maiores organismos financiadores de programas de assistência econômica e humanitária do mundo – manifestou seu compromisso com a inclusão de pessoas com deficiência em seus programas, embora permaneça incerto como esse empenho será traduzido em suas oportunidades de financiamento. Em um esforço para responder a essa pergunta, a pedido da Agência, o Grupo de Trabalho sobre Deficiência da InterAction, liderado pela Escola Perkins para Cegos, conduziu uma pesquisa sobre a presença clara e precisa de critérios inclusivos nos projetos financiados pela entidade.

Nesse estudo, foram revistos 85 editais públicos de um período de seis meses entre 2012 e 2013. Depois, investigou-se as correlações entre os parâmetros de inclusão presentes nos textos analisados e o efetivo caráter inclusivo dos programas após sua implementação.

Na primeira parte da pesquisa, o Grupo de Trabalho avaliou o grau em que a linguagem de comunicação das oportunidades de financiamento deixava clara a obrigatoriedade da inclusão de pessoas com deficiência. Os resultados mostraram que das 85 solicitações analisadas, 48% não mencionavam a questão da deficiência e apenas 20% requeriam a inclusão em todos os níveis de desenvolvimento dos projetos. Entre os setores de atuação da USAID, a educação apresentou os melhores números, com 43% dos editais reivindicando o tema como transversal. Na área da saúde, a taxa foi de somente 6%.

Em seguida, foi explorado como o nível de clareza da linguagem impactou a implementação das ações. Para isso, a Escola Perkins para Cegos coletou relatórios trimestrais e anuais de organizações que receberam os recursos da USAID para implementar iniciativas de desenvolvimento nos setores de educação, saúde, democracia, direitos humanos e governança por todo o mundo. Um painel de especialistas reviu essa documentação e determinou como indivíduos com algum tipo de deficiência foram incluídos ou mencionados nas atividades.

Os dados indicaram que programas inclusivos só foram reportados quando as oportunidades continham uma comunicação específica sobre o tema. Esse resultado sugere que a exclusão de pessoas com deficiência dos projetos, muitas vezes, começa na própria omissão da questão da inclusão nos editais. Essa lacuna indica a necessidade de aprimoramento das políticas internas de requerimento da Agência.

Com base nos resultados desse estudo, fica claro que a inclusão de pessoas com deficiência nos projetos da USAID começa com o uso de uma comunicação clara e objetiva em suas oportunidades de financiamento. Os doadores precisam estar cientes de que pessoas com deficiência devem ser incluídas em todas as etapas de um programa. Com base nesses resultados, o Grupo de Trabalho recomenda que a entidade reforce seu compromisso inclusivo e continue a orientar seu pessoal sobre o uso mais preciso da linguagem. A Agência não pode cumprir sua missão de “acabar com a pobreza e promover sociedades resilientes e democráticas” a menos que a sociedade como um todo seja totalmente incluída em seu trabalho.

Contextualização

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) mais de um bilhão de pessoas, ou 15% da população mundial, possui algum tipo de deficiência. Desse total, cerca de 80% vive em países em desenvolvimento e, frequentemente, em condições de extrema pobreza, exclusão e discriminação. Devido a barreiras estruturais, esses indivíduos estão em grande desvantagem no acesso à educação, emprego, saúde, entre outros. A Unesco estima que 90% das crianças com deficiência na África nunca receberam algum tipo de educação formal. Em termos de ocupação, a ONU calcula que entre 80% e 90% das pessoas com deficiência em idade de trabalhar nos países em desenvolvimento estão desempregadas. Nos países centrais, esse número gira em entre 50% e 70%. Além disso, esse grupo social é substancialmente mais propenso a ser afetado por desastres naturais, conflitos e outras emergências.

Historicamente, esses indivíduos têm sido marginalizados das agendas de cooperação para o desenvolvimento em virtude de barreiras que reforçaram as dificuldades de acesso a serviços públicos. Além disso, no passado, os programas voltados para as pessoas com deficiência costumavam ser segregacionistas e de baixa qualidade. Devido a essas disparidades, existe uma forte necessidade de garantir que iniciativas de desenvolvimento sejam, de fato, inclusivas.

A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional tem um compromisso de longa data com a inclusão. Em comunicado oficial, o administrador da USAID – Rajiv Shash – afirmou: “Damos suporte a projetos inclusivos de desenvolvimento, com foco especial na expansão do acesso a serviços críticos para mulheres e crianças com deficiência”.

Contudo, mesmo com esses esforços, a extensão com que pessoas com deficiência estão sendo envolvidas em seus programas de direitos humanos permanece incerta. Um recente estudo do Conselho Nacional sobre Deficiência (National Council on Disability, OCD) mostra que a maioria dos programas não são pró-ativamente inclusivos com pessoas com deficiência. Há, portanto, uma necessidade constante de avaliar como a questão da deficiência tem sido contemplada pelos programas da USAID.

Metodologia

O estudo reviu um total de 85 solicitações publicadas entre dezembro de 2012 e maio de 2013. As informações foram categorizadas por setor, área geográfica, tipo de financiamento e valor total. Cada oportunidade foi minuciosamente revista para mapear a extensão de como a deficiência foi incluída. A tabela abaixo mostra as categorias de linguagem usadas:

Categoria Definição/Descrição
Sem linguagem específica A deficiência não foi mencionada em nenhum ponto
Linguagem política A deficiência só foi mencionada em termos de linguagem política padrão exigida e não apareceu em nenhum outro ponto
Linguagem mínima A deficiência foi mencionada, mas não de modo a requerer ou encorajar a inclusão nos resultados do programa
Linguagem não-transversal A deficiência foi mencionada de modo a encorajar ou recomendar a inclusão, mas não em caráter essencial para todo o programa
Linguagem significativa A deficiência foi mencionada de modo requerer a inclusão de pessoas com deficiência ao longo de todo o programa

Na etapa posterior, um grupo de especialistas do Grupo de Trabalho determinou, de acordo com sua área de expertise, a possível correlação entre a linguagem utilizada para comunicar a oportunidade de financiamento e a extensão da inclusão de indivíduos com deficiência na implementação das ações. Os projetos foram classificados da seguinte maneira:

Categoria Definição/Descrição
Programa sem evidências de inclusão A deficiência não foi mencionada em nenhum ponto e não há indicação de que pessoas com deficiência tenham participado
Programa limitado A deficiência foi mencionada nos resultados, mas não de modo a revelar quais estratégias pró-ativas tenham sido asseguradas para que pessoas com deficiência fossem incluídas
Programa inclusivo Ficou claro que pessoas com deficiência foram incluídas de modo pró-ativo

Conclusão

Embora a USAID compreenda a importância de incluir pessoas com deficiência em seus programas, esse compromisso não se reflete na comunicação das oportunidades de financiamento da entidade. Das 85 solicitações revistas, quase metade não mencionava a questão da deficiência em seu escopo de trabalho. No geral, 10% delas não continham nenhuma menção sobre a temática e, portanto, não cumpriam os requisitos mínimos de debate sobre a deficiência (linguagem política).

Entre os diferentes setores de atuação da Agência, a educação alcançou os melhores índices. Dos projetos da área, 43% apresentou linguagem significativa e apenas 7% não citou a deficiência em nenhum momento. Por outro lado, o setor com menor quantidade de editais “significativos” foi a saúde, com taxa de apenas 6%. Os gráficos a seguir demonstram as divisões de linguagem nesses dois setores:

Dois gráficos-pizza ilustram as solicitações da área da educação e da saúde. Em educação, 43 continham linguagem significativa; 22, linguagem mínima; 14, linguagem não-transversal; 14, linguagem política e 7 não continha nenhuma linguagem específica a cerca da inclusão de pessoas com deficiência. Já no setor da saúde, 27 das solicitações continham linguagem política; 27, linguagem mínima; 20, linguagem não-transversal; 6, linguagem significativa e 20 não continham linguagem específica.
A educação alcançou os melhores índices. A saúde foi a área com os índices mais baixos.

Na fase 2 da pesquisa, o Grupo de Trabalho da InterAction só pode obter 47% dos relatórios dos programas, mesmo com os esforços para se obter os dados por outras fontes. Embora a USAID exija de seus parceiros a publicação dos resultados, apenas 13% dos projetos estavam de acordo com esse regulamento. Em virtude disso, apenas os documentos relativos à educação apresentaram resultados conclusivos.

Os resultados desse estudo inicial demonstram que a preocupação da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional em incluir pessoas com deficiência não se traduz no desenvolvimento de programas inclusivos na prática. Para assegurar que todas suas iniciativas promovam, de fato, a inclusão, a entidade deverá adotar políticas internas mais fortes com relação à linguagem empregada na comunicação de suas oportunidades de financiamento.

Resumo do artigo “Inclusion of Disability in USAID Solicitations for Funding”.

 

Anne Hayes e Emma Swift são, respectivamente, assessora técnica sênior e diretora de desenvolvimento da Escola Perkins para Cegos, de Massachusetts (EUA). Andrea Shetlle é gerente de programas do Conselho Internacional dos Estados Unidos sobre Deficiência. Donna Waghorn é responsável de projeto pela Christian Blind Mission (CBM).

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